20.11.24

“A Era do Gelo 3: Despertar dos Dinossauros” - Carlos Saldanha (EUA, 2009)

Sinopse:
 
Manny e Ellie estão à espera de seu primeiro filho. Sid encontra alguns ovos de dinossauro, o que faz com que passe a ter sua própria família adotiva. Só que o roubo faz com que se meta em apuros, com a mãe tiranossauro vindo atrás de seus rebentos. Ela leva Sid e os três filhotes para um mundo subterrâneo, onde os dinossauros ainda existem, o que obriga Manny, Ellie e Diego a irem em sua busca para resgatá-lo.
Comentário: Trata-se do terceiro filme da franquia “A Era do Gelo” com direção do brasileiro Carlos Saldanha (1965) que também dirigiu as animações “Rio” (2011), “Rio 2” (2014) e “O Touro Ferdinando” (2017).
Apenas relembrando os filmes anteriores, no primeiro “A Era do Gelo” (2002), Sid, um falante e engraçado bicho-preguiça; Manfred, um mamute ranzinza e Diego, um furioso tigre dente-de-sabre – estão incumbidos de devolver para sua tribo um bebê humano perdido, enquanto um pequeno esquilo neurótico fica o tempo todo tentando proteger sua noz.
No segundo filme da franquia – “A Era do Gelo 2: O Colapso” (2006) - o mamute Manfred, o preguiça Sid e o tigre Diego estão morando num lugar maravilhoso, cheio de minas de água, poços de piche e gêiseres. Mas eles terão de se mudar, tendo que avisar a todos os outros animais que estão correndo risco de tudo aquilo inundar com o descongelamento de enormes blocos de gelo.
Nesta terceira aventura, Manny e Ellie estão à espera de seu primeiro filho. Sid encontra alguns ovos de dinossauro, o que faz com que passe a ter sua própria família adotiva. Só que o roubo faz com que se meta em apuros, com a mãe tiranossauro vindo atrás de seus rebentos. Ela leva Sid e os três filhotes para um mundo subterrâneo, onde os dinossauros ainda existem, o que obriga Manny, Ellie e Diego a irem em sua busca para resgatá-lo.
Carlos Saldanha concedeu uma entrevista para a Revista Rolling Stone onde declarou que quando ele assiste a desenhos da Disney de 40 anos atrás, ele olha e não vê nada datado. Nesse sentido, ele acredita que a fórmula de “A Era do Gelo” é algo que nunca envelhece. A aventura dos amigos Manny (o mamute), Diego (o tigre dente-de-sabre) e Sid (o bicho-preguiça) é o perfeito exemplo do filme de família - do tipo que satisfaz pais e filhos em igual medida.
Ele contou à Revista que no primeiro filme eles não sabiam se iam fazer sucesso. Com o sucesso, partiram para o segundo, que girou mais em torno da família, dos amigos, focando na história de Manny aumentando a família, encontrando a mamute Ellie. Neste terceiro, a Ellie está grávida. Então a história se foca na situação do pai que está "esperando nenê" e em como isso vai afetar as suas relações de amizade. Fora isso, eles descobrem um mundo de dinossauros, tornando essa terceira empreitada mais épica. Há, ainda, personagens novos, como a doninha Buck.
Outra novidade é que este terceiro foi feito com a tecnologia do 3D, daqueles em que vc utiliza um óculos especial para ver a terceira dimensão.
O que disse a crítica: Érico Borgo do site Omelete avaliou com 2 estrelas, ou seja, regular, porém, em sua resenha, ele não levanta pontos negativos, escreveu: “Com ‘A Era do Gelo 3’, Saldanha prova por quê é considerado o brasileiro mais importante em Hollywood na atualidade. O diretor faz um cinema universal, divertido, inteligente sem exageros e, o que mais importa por lá, lucrativo. Com mais esse acerto deve conseguir o espaço de manobra para tornar-se mais que um competente diretor para a Fox, mas um autor de renome”.
Thiago Siqueira do site Cinema com Rapadura avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “Esta franquia não era exatamente uma das minhas favoritas. Após um primeiro filme bastante eficiente, a série ganhou uma continuação chata e morosa, o que me deixou seriamente consternado quanto a este novo episódio. Felizmente, me enganei. O roteiro da película consegue deixar os personagens do original interessantes novamente (...) bem como apresentar caras novas e bacanas”.
O que eu achei: Em 2002 tivemos o lançamento da franquia com a animação "A Era do Gelo", com direção de Chris Wedge e do brasileiro Carlos Saldanha, nesta adaptação de uma história cujo original é do autor Michael J. Wilson. O filme foi um sucesso, um grande alívio para a 20th Century Fox - em parceria com o Blue Sky Studios – pois finalmente depois de amargar fiascos como 'Anastasia' e 'Titan-AE', acertou a mão. Quatro anos depois o estúdio veio com a segunda parte da franquia, batizada de "A Era do Gelo 2: O Colapso" (2006), desta vez tendo apenas o brasileiro na direção. O filme era menos complexo que o anterior, estava ancorado basicamente no humor (enquanto o primeiro contava com um certo drama ao abordar conflitos internos dos personagens), mas por ser suficientemente engraçado também obteve sucesso. Para se ter uma ideia os dois primeiros filmes da saga somados, arrecadaram mais de um bilhão de dólares. Então ter este terceiro era praticamente certo. Novamente dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha, “A Era do Gelo 3: Despertar dos Dinossauros” (2009) acrescentou à fórmula os recursos da animação 3D, o que trouxe mais um motivo para levar as crianças ao cinema e se divertir com esses personagens já tão familiares: o mamute Manny, o tigre dente-de-sabre Diego, o hilário bicho-preguiça Sid e o cômico esquilo Scrat que rouba a cena em todos os filmes, aparecendo sempre em uma história paralela na qual ele tenta conseguir uma noz para comer. Como o resultado, para variar, todo mundo curtiu, a franquia continuou crescendo. Depois desse já tivemos “A Era do Gelo 4: Deriva Continental” (2012), “A Era do Gelo: O Grande Cataclisma” (2016) e “A Era do Gelo: As Aventuras de Buck” (2022), mas desses eu não posso falar nada pois eu ainda não vi. Então se você estiver tão atrasado como eu, corre, pois em 2026 tem mais!!!

17.11.24

“Réquiem Para Um Sonho” – Darren Aronofsky (EUA, 2000)

Sinopse:
 
Enquanto o filho Harry (Jared Leto) lida com sua própria batalha contra as drogas, Sara (Ellen Burstyn) é convidada para participar de seu programa de TV favorito. Para poder usar o vestido preferido, ela começa a tomar pílulas para emagrecer e fica viciada.
Comentário: Darren Aronofsky (1969) é um cineasta, roteirista, produtor cinematográfico e ambientalista americano. Assisti 5 filmes dele: a obra-prima "Mãe!" (2017), os excelentes "O Lutador" (2008) e "Cisne Negro" (2010), o bom “A Baleia” (2022) e o péssimo "Noé" (2014). 
Desta vez vou conferir “Réquiem Para Um Sonho” (2000). O filme é uma adaptação do romance homônimo de Hubert Selby Jr, originalmente lançado em 1978.
Gabriel Zorzetto, que leu o livro, escreveu uma resenha para o site O Globo contando que “O ‘réquiem’ mencionado no título é um termo da Igreja Católica que se refere à prece destinada aos mortos, o que já indica o que está por vir: um drama trágico sobre o vício em drogas, sejam elas legais ou ilegais”.
Segundo ele é “através da deterioração gradual de quatro personagens, [que] revela-se o lado obscuro do ‘sonho americano’”. Esse escritor Hubert Selby Jr (1928-2004), segundo ele, “era a voz dos oprimidos na caótica Nova York dos anos 1970 e expôs a natureza da dependência química como poucos autores conseguiram. Inspirado em experiências pessoais com o vício, analisou a condição humana em sua mais frágil essência e concebeu um retrato impactante sobre o tema, que serviu como prenúncio à crise de saúde que assolaria os Estados Unidos no século XXI (...).
O enredo guia o leitor pela vida de quatro figuras. Harry e Marion estão apaixonados e querem abrir seu próprio negócio. Um amigo deles, Tyrone, quer escapar da vida no gueto. Para realizar esses sonhos, eles compram uma grande quantidade de heroína, planejando enriquecer com a venda, mas acabam mergulhando no devastador submundo da dependência. Enquanto isso, Sara - a solitária mãe viúva de Harry - sonha em aparecer na televisão. Quando um telefonema de uma empresa responsável pela seleção de um game show lhe dá esperanças, ela vai ao médico, que lhe prescreve pílulas (anfetaminas) para perder peso. Ela passa os meses seguintes tomando os comprimidos, mas também se torna viciada.
Para eles, as drogas gradualmente tomam o lugar de todo o resto: do sexo, da comida, das aspirações e até mesmo do impulso diário de viver. Elas se tornam as únicas fontes de dor e prazer. Isso propicia ao autor criar um cenário cujas fantasias dos personagens são embaralhadas com a realidade, gerando até a ilusão de que as perspectivas melhoraram quando, na verdade, não progrediram em nada”.
Sobre o filme ele nos conta que “A complexidade [do livro] chamou a atenção do cineasta Darren Aronofsky, que adaptou o texto de Selby, com a ajuda do próprio, para o premiado filme lançado em 2000 - estrelado por Jared Leto, Ellen Burstyn (indicada ao Oscar pelo papel), Jennifer Connelly e Marlon Wayans.
Considerado um clássico cult, o longa-metragem recebeu recentemente um tratamento de luxo, em alta definição, pelo selo Obras-Primas do Cinema, com a Europa Filmes, o que apenas evidenciou a relação de simbiose com o livro, estabelecendo um elo fundamental para a imergir no desconfortável universo descrito por Selby e projetado por Aronofsky. O diretor, inclusive, assina o prólogo desta edição que agora chega ao país, revelando a influência da obra de Selby em sua vida”.
O que disse a crítica: Rafael W. Oliveira avaliou com 4,5 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: “Aronofsky disseca não apenas o vício pelas drogas, mas todo e qualquer apego irracional que tornam as pessoas seres completamente dependentes daquilo, permitindo que se tornem figuras inertes, entregues à solidão e ao apego da vida moderna. Com coragem e ousadia, Aronofsky acompanha esta degradação de maneira arriscada e condenável para alguns (os inúmeros recursos estilísticos, sem dúvidas, irão incomodar os mais sensíveis), mas que atinge seu objetivo com êxito, e ao final, resta apara o espectador ter que lidar com a sensação de exaustão e as imagens fortes concebidas pelo diretor”.
O site Cinema com Rapadura avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Disse: “A obra de Aronofsky vive no submundo, no inferno que é a vida de um viciado. A calma e a tranquilidade de um dia fatídico vai se degradando a cada frame. Os sonhos vão sendo desconstruídos, e quando nos damos conta, tudo já foi por água abaixo. Não adianta mais reclamar. Não adianta mais chorar. A morte, o desespero e a solidão já se apoderaram de nós. Triste, muito triste. Mas também, muito verdadeiro e pungente. Esqueça tudo que você já viu sobre a vida fazer sentido, ser justa e que no fim sempre termina bem”.
O que eu achei: Eu já havia assistido este filme há alguns anos, mas como não lembrava de muita coisa, resolvi rever. O cinema de Aronofsky quase sempre me cativa. "O Lutador" (2008) e "Cisne Negro" (2010) eu achei excelentes, "Mãe!" (2017) – que dividiu as pessoas entre o amor e o ódio – eu achei uma obra-prima e “A Baleia” (2022), que foi o mais recente que vi dele, achei bom. Então, tirando o sofrível "Noé" (2014), o restante sempre acaba me agradando por um motivo ou por outro. Agora revendo “Réquiem Para Um Sonho” (2000), eu reafirmo meu apreço pela sua forma de contar histórias. A trama começa mostrando uma mulher de meia idade, viúva, que não tem grandes objetivos na vida a não ser comer, dormir, ver televisão e conversar com as vizinhas, lidando com seu jovem filho Harry, viciado em drogas. Ele vende seu bem mais precioso, a tv, para poder comprar mais entorpecentes. E ela, não pela primeira vez, vai até a loja de usados comprar a tv de volta. Um belo dia, ela recebe um telefonema de uma emissora de tv para participar de um game show. Animada com o convite ela resolve procurar um médico e tomar remédios para emagrecer a fim de caber no seu melhor vestido e é aí que o filme se transforma visualmente com todos os personagens principais drogados: Harry, sua namorada Marion e seu amigo Tyrone alterados pelo consumo de drogas ilícitas enquanto Sara, a mãe, está cada vez mais alterada pelo consumo de drogas lícitas. Explorando inúmeros recursos estilísticos, o filme agora será mostrado pelos olhos deles, usando e abusando de muita lente grande-angular, imagens alteradas em sua velocidade e telas criativamente divididas em duas imagens simultâneas, até chegarmos junto com os personagens ao fundo do poço. Todos na busca da tão sonhada felicidade. É um filme que vai agradar a todos? Creio que não mas, para mim, é outro gol de placa do diretor.

16.11.24

“A Batalha do Biscoito Pop-Tart” - Jerry Seinfeld (EUA, 2024)

Sinopse:
Estamos em 1963, Kellogg's e Post, indústrias rivais na fabricação de cereais, correm para criar um doce que mudará para sempre a cara do café da manhã norte-americano. Bob Cabana (Jerry Seinfeld) que é um dos grandes figurões da Kellogg's, enfrenta uma crise criativa, então ele convoca sua antiga parceira, a cientista da NASA Donna Stankowski (Melissa McCarthy), para ajudá-lo a aperfeiçoar o Pop-Tart, um biscoito que pode ser o grande pulo do gato na batalha contra a concorrente.
Comentário: Jerry Seinfeld (1954) é um ator, humorista, escritor e produtor americano. Ele fez enorme sucesso com a sitcom “Seinfeld”, que retratava o quotidiano de quatro amigos: Elaine Benes, Cosmo Kramer, George Costanza e seu homônimo Jerry Seinfeld. Além dele se apresentar em shows de comédia stand up, Seinfeld produziu a animação computadorizada “Bee Movie” (2007). Em 2012 ele lançou o show “Comedians in Cars Getting Coffee” em que convida comediantes famosos para dar uma volta em carros e tomar café. “A Batalha do Biscoito Pop-Tart” (2024) é sua estreia na direção de filmes.
José Flávio Júnior da Gazeta do Povo nos conta que “Jerry Seinfeld pregou uma peça em seu público. Após acertar na mosca dizendo num podcast que o politicamente correto e a extrema esquerda mataram a comédia, impossibilitando que tenhamos boas ofertas de humor na TV como nos velhos tempos, o criador da série ‘Seinfeld’ não foi para o confronto. Preferiu lançar um filme na Netflix que dificilmente sofrerá qualquer tipo de patrulha. ‘A Batalha do Biscoito Pop-Tart’ é um trabalho singelo, que pode ser até uma boa pedida para ser visto com filhos e netos, sem potencial para ofender ninguém – talvez só quem esperava algo mais ousado.
Durante a pandemia de Covid-19, Seinfeld conversou com seus parceiros roteiristas sobre escrever um filme contando a história do nascimento das Pop-Tarts, uma espécie de tortinha para ser esquentada na torradeira que faz sucesso nos Estados Unidos desde os idos de 1960. O humorista de 70 anos tem uma famosa piada sobre a guloseima que costuma incluir em seus stand-ups. Além disso, ele é fissurado por comida matinal, conforme visto em diversos episódios de Seinfeld. Um de seus prazeres no seriado que marcou os anos 90 era trocar o almoço ou o jantar por uma tigela de cereal com leite.
Para fazer o longa-metragem da Netflix, ele não se preocupou em contar a história como de fato aconteceu. Tanto que a Kellogg’s, marca que inventou a tortinha, não é parceira do produto audiovisual, diferentemente dos filmes da Lego ou de Barbie, que teve envolvimento da fábrica de brinquedos Mattel desde o nascedouro. Seinfeld queria poder mistificar a criação das Pop-Tarts, sem depender da aprovação da empresa de cereais, buscando pontos de risada fora do relato verdadeiro. (...)
Em ‘A Batalha do Biscoito Pop-Tart’, todos os personagens são bobos ou ingênuos. Os papeis ficaram com craques como Peter Dinklage (que faz o líder do sindicato dos leiteiros, revoltado com um novo produto matinal que não carece de leite), Hugh Grant (ator shakespeariano que faz um bico como Tony the Tiger, mascote da Kellogg’s), Bill Burr (como o então presidente JFK) e Melissa McCarthy (desenvolvedora de produtos de importância fundamental para as Pop-Tarts ganharem vida). O próprio Jerry Seinfeld, que estreia como diretor, ficou com o papel principal de Bob Cabana, o responsável pelo projeto da tortinha. (...)
Ao optar por um filme mais familiar, talvez considerando que o café-da-manhã é um tema caro para as crianças e que reúne os entes queridos à mesa todos os dias, Seinfeld fugiu de situações muito grotescas e de diálogos ácidos. Há coisas que parecem bizarras no papel, como dois jovenzinhos que buscam por restos de alimentos nos lixos da Post, empresa rival da Kellogg’s, mas que na execução passam longe de chocar. A exceção é o personagem de Thomas Lennon, um alemão recrutado para ajudar na elaboração das Pop-Tarts”.
O que disse a crítica: Flávio Pinto do site Terra detestou. Escreveu: “Com uma história esquecível, o comediante desperdiça esforços e um elenco que inclui Melissa McCarthy, Hugh Grant, Christian Slater e Amy Schumer”. Segundo ele, “O conceito [do filme] funcionaria melhor como uma piada isolada dentro de um stand-up, algo rápido e passageiro, (...) mas não como uma narrativa de uma hora e meia. É interessante notar que Seinfeld conquistou fama ao criar uma comédia sobre ‘nada’ [referindo-se à famosa sitcom ‘Seinfeld’]. Mais que interessante - e até irônico - é perceber que seu primeiro esforço como diretor resultou em um filme que também poderia ser descrito como simplesmente ‘nada’".
Ritter Fan do site Plano Crítico avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Disse: “Como o alimento que critica e que funciona como um símbolo da comida porcaria que é marca dos EUA, mas que já se espalhou – em maior ou menor grau – pelo mundo todo, ‘A Batalha do Biscoito Pop-Tart’ é uma besteira que é muito mais forma do que substância. Mas, diferente do ‘biscoito’ quase radioativo e de seus colegas de prateleira, por assim dizer, o pouco de substância que o longa aborda tem seu valor e vale o investimento de tempo desde que o espectador saiba que está assistindo quase que um projeto de vaidade de um Jerry Seinfeld que mostra que, ainda bem, não mudou nadinha em seu jeito de fazer comédia no alto de seus bem vividos 70 anos”.
O que eu achei: O filme é uma decepção. Acostumada a ver o Jerry Seinfeld na sitcom que leva seu sobrenome, eu esperava bem mais de sua estreia na direção de um longa. Claro que o tema do filme – a batalha entre duas gigantes de cereais americanos Post e Kellogg’s na criação de um biscoito – não dava margem pra alguém esperar que o filme pudesse ser de algum interesse, mas dirigido por ele e protagonizado por ele, quem sabe aquele seu dom de fazer comédia sobre o nada pudesse render uma comédia inteligente mesmo diante de uma temática tão insossa. Mas que nada. Seus tempos áureos ficaram pra trás. O resultado dessa estreia, mesmo contando com um bom elenco - Melissa McCarthy, Hugh Grant, Christian Slater – é simplesmente sofrível. Nem como um mero passatempo para reunir a família e dar algumas gargalhadas ele serve. Curioso que numa entrevista concedida por ele em maio deste ano num programa americano chamado Honestly, ele já havia provocado grande decepção em seus fãs ao dizer que ele sentia falta de uma "masculinidade dominante". Outra declaração sua que já não havia caído bem era a de que “a extrema esquerda estava sufocando a arte da comédia por conta do medo de soar ofensivo”, algo que ele chegou inclusive a se arrepender publicamente de ter dito. Mas o filme agora confirma que sua boa fase ficou parada lá nos anos 90. Envelhecer, pelo visto, não fez muito bem a ele.

15.11.24

“Breaking Bad” - Vince Gilligan (EUA, 2008-2013)

Sinopse:
O professor de química Walter White (Bryan Cranston) é um homem brilhante, frustrado em dar aulas para adolescentes do ensino médio enquanto lida com um filho sofrendo de paralisia cerebral (RJ Mitte), uma esposa grávida (Anna Gunn) e dívidas intermináveis. White, então, é diagnosticado com câncer no pulmão - o que o leva a sofrer um colapso emocional e abraçar uma vida de crimes produzindo metanfetamina de alta pureza com seu ex-aluno Jesse Pinkman (Aaron Paul). A ideia é pagar suas dívidas hospitalares e dar uma boa vida aos seus filhos.
Comentário: Segundo o site Wikipédia, “’Breaking Bad’ se passa em Albuquerque, Novo México, e gira em torno das escolhas de seu protagonista, as quais o levam a uma intensa, dolorosa e inevitável transformação. (...) A série foi originalmente exibida pelo canal de televisão por assinatura AMC, onde estreou (...) em 2008 e, depois de cinco temporadas de sucesso, teve seu último episódio transmitido em (...) 2013.
O ator que interpreta o personagem principal, Bryan Cranston, declarou numa entrevista que ‘o termo 'breaking bad' é uma gíria do Sul que significa que alguém desviou-se do caminho correto e passou a fazer coisas erradas. E isto aplica-se tanto a um dado momento quanto a uma vida inteira’”.
O site também nos informa que Vince Gilligan, criador da série, deu uma entrevista dizendo que o conceito surgiu quando Gilligan conversou com seu colega escritor Thomas Schnauz em relação à taxa de desemprego atual e brincou dizendo que a solução era para que eles colocassem um laboratório de metanfetamina na parte de trás de uma van e rodassem o país para preparar a droga e ganhar dinheiro.
Quanto à escolha de Bryan Cranston para o papel principal, Gilligan disse que essa escolha se deu por conta de um episódio da série de televisão “Arquivo-X”, em que Gilligan trabalhou como escritor. Na ocasião, Cranston desempenhou um antissemita com uma doença terminal. Walter White precisava ser um sujeito ao mesmo tempo repugnante e simpático, então por conta desse trabalho anterior, ele viu que Cranston era perfeito para o papel.
A contratação de Aaron Paul para interpretar Jesse Pinkman “também foi inicialmente questionada pela produção, já que Paul parecia ser velho demais e bonitinho demais para ser associado com alguém que cozinha metanfetamina. No entanto, Gillian reconsiderou as habilidades de Paul, após ver sua seu teste e lembrando que ele também havia feito um papel de convidado em um episódio do ‘Arquivo-X’ chamado ‘Lord of the Flies’”. Originalmente a ideia era de que ele morresse no final da primeira temporada, no entanto, Gilligan ficou tão impressionado com o desempenho de Paul que “tornou-se bastante claro desde o início que seria um erro colossal matar Jesse”.
O seriado também contou com a assessoria de dois químicos e um veterinário para não deixar passar erros gritantes no roteiro.
Uma curiosidade: “Os créditos apresentam símbolos de elementos químicos da Tabela Periódica em verde (por exemplo: os símbolos Br e Ba de bromo e bário em ‘Breaking Bad’). Os créditos no começo do show geralmente dão seguimento a esta tendência, com os nomes dos atores geralmente incluindo um símbolo de elemento químico. Os créditos de abertura também exibem a fórmula C10H15N que se repete várias vezes. Esta é a fórmula molecular da metanfetamina, que indica que cada molécula contém 10 átomos de carbono, 15 átomos de hidrogênio e um átomo de nitrogênio. O número 149,24, que também se repete durante a introdução, representa a massa molar do composto metanfetamina”.
No elenco, além dos quatro atores já mencionados na sinopse, temos Dean Norris interpretando o policial Hank Schrader; Betsy Brandt interpretando sua esposa Marie Schrader; Jonathan Banks interpretando Mike Ehrmantraut, Bob Odenkirk interpretando o advogado Saul Goodman (que depois teve uma série própria chamada “Better Call Saul”) e Giancarlo Esposito no papel de Gustavo Fring; além de outros mais eventuais.
“Amplamente considerada como uma das melhores séries da história, ao seu final, foi um dos programas da televisão a cabo mais assistidos nos EUA, recebendo inúmeros prêmios, incluindo 16 Primetime Emmy Awards, 08 Satellite Awards, 02 Globos de Ouro e 01 Prêmio Escolha Popular. Em 2014 entrou para o Livro dos Recordes como o seriado mais bem avaliado de todos os tempos pela crítica”.
Em termos de subprodutos, além da série “Better Call Saul” (2015-2022) focada no personagem do advogado Saul Goodman (Bob Odenkirk), foi feito também um longa chamado "El Camino: A Breaking Bad Film" (2019) que mostra o destino do personagem Jesse Pinkman (Aaron Paul).
O que eu achei: O que dizer dessa obra-prima que revolucionou a televisão? O ator principal Bryan Cranston, que interpreta o professor de química Walter White, está simplesmente incrível num papel moralmente questionável, mas que você vai se apegando de tal maneira que todo e qualquer absurdo que ele faça você engole. O seriado chega perto do fim, as consequências de seus atos já estão batendo à porta, e você ainda se percebe num misto de ódio e compaixão pelo personagem. Seu parceiro de atividades ilícitas, Jesse Pinkman, interpretado por Aaron Paul, é outro que está perfeitamente bem no papel. Quantos tantos jovens como ele, a fim de se meter em qualquer encrenca para ganhar algum dinheiro, a gente sabe que existem por aí? Ambos tornam tudo muito verossímil e você vai se envolvendo na trama como se aquilo tudo fosse realidade. Então em termos de elenco, não há o que dizer. Tanto os principais quanto os coadjuvantes, estão todos em seus devidos lugares e notadamente bem dirigidos. O ritmo é outro ponto forte do seriado. Cada episódio é hipnotizante, difícil tirar os olhos da tela ou pensar em outra coisa. São raros aqueles mais mornos durante as cinco enxutas temporadas exibidas. Outra qualidade rara é que ele acaba no auge. Em geral seriados muito bons vão-se estendendo até não render mais audiência. Este não. Ele é redondo. Tanto o começo, como o meio e o fim são todos pontos altos na trama. Quando termina você fica cheio de perguntas na cabeça: qual a diferença entre o que é certo e o que é errado? O que torna um homem mau? Suas ações? Seus motivos? Suas decisões? Devoção à família justifica qualquer atitude? “Breaking Bad” é considerada uma das séries mais importantes da história. Dizem que ele revolucionou a forma como atores e atrizes de renome passaram a encarar convites para trabalhar em seriados. Eu não vi todas as séries do mundo, mas posso afirmar que foi a melhor até o momento e tenho a impressão de que será complicado superá-la. Não morra sem ver.

12.11.24

“O Menino e a Garça” - Hayao Miyazaki (Japão, 2023)

Sinopse:
Mahito Maki é um jovem que vive no Japão. Após a morte de sua mãe, ele se muda com o pai para uma propriedade no campo junto com sua tia que é agora sua madrasta, onde uma série de eventos misteriosos o levam a uma torre antiga e isolada, lar de uma garça travessa. Quando sua madrasta desaparece, o menino segue a garça e entra num mundo fantástico, habitado pelos vivos e pelos mortos, e embarca em uma jornada épica ao lado da garça que o guia a descobertas sobre os segredos deste mundo e algumas verdades sobre si mesmo.
Comentário: Hayao Miyazaki (1941) é um animador, cineasta, roteirista, escritor e artista de mangá japonês. Ele é cofundador do Studio Ghibli, uma companhia de cinema e animação, tendo conquistado reconhecimento e aclamação internacional pela qualidade de seus vários longas-metragens de animação, os quais ele normalmente escreve e dirige. Dentre seus trabalhos mais famosos estão: “O Castelo de Cagliostro” (1979), “Meu Amigo Totoro” (1988), “Princesa Mononoke” (1997) e “O Castelo Animado” (2004). Assisti dele apenas o lindo “A Viagem de Chihiro” (2001).
Desta vez vou conferir “O Menino e a Garça” (2023), cujo enredo é semi-autobiográfico, com Miyazaki tirando inspirações de sua própria infância no Japão do final da Segunda Guerra, e as mesclando com o enredo do livro de 1937 “How Do You Live?” (‘Como você Vive?’), do escritor japonês Genzaburo Yoshino.
O filme conta a história do jovem Mahito Maki, um garoto que, após a morte de sua mãe, vai embora de Tóquio para uma propriedade no interior. Lá, ele tenta se ajustar à sua nova vida com seu pai, sua nova madrasta (a irmã mais nova de sua mãe) e várias senhoras idosas habitantes da casa. Enquanto tenta lidar com o trauma, ele encontra uma garça falante que o leva a uma torre abandonada, prometendo que encontrará sua mãe lá dentro. A partir daí a história ganha uma abordagem fantástica, com um mundo mágico cheio de criaturas místicas – algumas fofas, outras perigosas.
Leo Caparroz da Revista Superinteressante nos conta que “Atualmente com 82 anos de idade, o diretor disse que esse será seu último filme antes de sua aposentadoria. Porém, ele já disse que iria largar o lápis outras 3 vezes: em 1997, 2001, e 2013 (...). O Studio Ghibli – principalmente os trabalhos de Miyazaki – é conhecido por suas abordagens filosóficas, simbolismos mágicos e histórias emocionantes. O novo filme não podia ser diferente: quando Mahito entra na torre, a trama vira uma aventura fantástica de busca por crescimento espiritual, amadurecimento e propósito. (...)
Quem tem um papel de destaque no filme, dividindo o título com o protagonista, é a garça. Na versão em português, ela é chamada apenas de ‘garça-real’ – uma ave nativa da América do Sul; contudo, a versão em inglês a chama de ‘grey heron’, como é conhecida a espécie Ardea cinerea. Por aqui, ela é chamada de ‘garça-real-europeia’ e, apesar do nome, pode ser encontrada não só na Europa, mas também na África, Índia, Leste Asiático e Japão. (...)
Na cultura japonesa, encontrar uma garça é um evento misterioso, ligado a espíritos, deuses, morte e uma relação com outro mundo. Garças aparecem frequentemente perto da morte e as aves em geral estão associadas à morte e aos funerais, procissões e outros ritos fúnebres.
A primeira referência conhecida a uma garça na literatura japonesa pode estar no Kojiki. Trata-se da obra literária mais antiga do Japão, uma série de mitos de criação compilados em 712 que formam a base do folclore do país. Em uma dessas histórias, um príncipe morre longe de casa e sua alma se transforma em um pássaro branco – apesar de não ser explicitamente referido como uma garça, estudiosos acreditam que seja o caso mais provável.
Garças brancas, conhecidas por sua aparência marcante, são frequentemente retratadas em histórias e xilogravuras agindo como mensageiras dos deuses ou simbolizando pureza e transição. Outras garças, como a garça azul, já são sinal de mau presságio. Em geral, japoneses costumam associar a garça-real-europeia que aparece no filme como uma presença assustadora ou melancólica. Teóricos estimam que, pelo animal se misturar com a escuridão da noite e reaparecer ao amanhecer, ele seja um símbolo do ciclo da vida, da morte e do retorno ao além.
Sendo assim, faz todo sentido que Miyazaki tenha escolhido uma garça-real-europeia para ser a “coestrela” de seu possível último filme. Considerado sua produção mais intimista, ‘O Menino e a Garça’ apresenta a dualidade do maravilhoso mundo fantástico e do conturbado mundo real, do luto e da aceitação, da morte e da vida que segue. À medida que Mahito é guiado pela estranha figura da garça em uma aventura mística cheia de simbolismos, ele aprende que a vida continua e que dá para fazer a diferença no mundo – mesmo que aos poucos”.
O filme ganhou o Oscar de Melhor Animação.
O que disse a crítica: Diego Souza Carlos do site Adoro Cinema avaliou com 4 estrelas, ou seja, muito bom. Escreveu: “Em uma era onde a animação digital ainda domina os estúdios, mesmo com projetos experimentais (...), o longa do diretor japonês também é um aceno à indústria cinematográfica sobre as belezas e o frescor latente da animação 2D. Na iminência da problemática de artes feitas por inteligência artificial, ‘O Menino e a Garça’ reforça como a visão humana é essencial para se contar boas histórias. Confiante no estilo que moldou o lendário estúdio asiático, trata-se de uma das narrativas mais belas e enriquecedoras dos últimos anos. Vai fazer o público se lembrar dos encantos e estranhezas de ‘A Viagem de Chihiro’, enquanto questiona cada um sobre como é viver - e encontrar esperança - em um mundo que ainda alimenta as chamas da guerra”.
Marcelo Hessel do site Omelete também avaliou com 4 estrelas. Escreveu: “Ao ensinar seus personagens a voar, Miyazaki está curando feridas. O incêndio que abre ‘O Menino e a Garça’ se parece muito com o fogo dos bombardeiros americanos em Kobe retratado num dos primeiros longas do Ghibli, ‘Túmulo dos Vagalumes’ (1988). Os aviões trazem sempre consigo a memória da infâmia da guerra, mas, ao longo dos anos, colocar essas crianças para voar sem precisar da máquina talvez fosse para o cineasta uma forma de purgação. Mahito não aprende a voar, mas no seu caso firmar os pés no chão durante a revoada não deixa de ser uma vitória”.
O que eu achei: Apesar de eu só ter visto uma animação do mestre do desenho japonês Hayao Miyazaki - “A Viagem de Chihiro” (2001) -, pude perceber o quanto essas duas tramas têm em comum. Chihiro era uma menina e Mahito é um menino, e ambos vão adentrar em algum lugar mágico que os levará para um mundo cheio de fantasia e imaginação. No caso de Chihiro ela passa por um túnel e entra num parque de diversões abandonado e, no caso de Mahito, ele entra em uma torre conduzido por uma garça. A diferença é que no desenho de 2001 esse local tinha seres tão criativamente inventados que aquilo parecia uma viagem de ácido. Neste de 2023 a criatividade se eleva à enésima potência e aquela viagem de ácido do anterior vai parecer fichinha perto desta que, além dos seres extraordinários, extrapola questões de espaço e de tempo. Por conta disso não espere uma trama fácil de acompanhar, pois ele vai subverter boa parte da lógica que você possa esperar de uma narrativa. Então não é uma animação para crianças pequenas usufruírem. A classificação indicativa, aliás, é de 12 anos para mais, e creio que adultos que gostem desse estilo de animação mais fantasioso, semelhante em alguma medida às aventuras de “Alice no País das Maravilhas”, também poderão gostar, desde que estejam abertos à uma experiência transcendental. Mais um excelente trabalho do Miyazaki que do alto dos seus 82 anos já anunciou que talvez possa ser o último.

11.11.24

“Um Lugar ao Sol” - George Stevens (EUA, 1951)

Sinopse:
 O jovem e pobre George Eastman (Montgomery Clift) deixa sua mãe religiosa (Anne Revere) na cidade de Chicago e vai até a Califórnia na esperança de um emprego melhor. Apesar do alerta para não passar tempo com mulheres na fábrica, ele se envolve emocionalmente com a funcionária Alice (Shelley Winters) e, fora da fábrica, com a milionária Angela (Elizabeth Taylor).
Comentário: Trata-se do filme número 73 da lista dos 100 essenciais elaborada pela Revista Bravo! em 2007. A matéria diz: “Eis um caso de imagens que se tornaram míticas sem razões definidas, fazendo deste ‘Um Lugar ao Sol’ um dos grandes filmes da história do cinema. Parte do encanto deriva da beleza do par central, Montgomery Clift e Elizabeth Taylor, glamourizados pela luz branca refletida em seus rostos, mas a direção de George Stevens construiu outras imagens fortíssimas. Baseado em ‘Uma Tragédia Americana’, romance de Theodore Dreiser publicado em 1925, o conteúdo conservador desse clássico não atinge a crítica social proposta pelo texto original. Por outro lado, o que seria apenas melodrama resulta em um filme inesquecível, história de amor mesclada com tragédia social, cuja intensidade é ampliada pela trilha sonora do polonês Franz Waxman. Na história, George Eastman (Montgomery Clift) é um operário que procura ascender socialmente, namora outra trabalhadora da fábrica, Alice Tripp (Shelley Winters), mas acaba se apaixonando pela rica Angela Vickers (Elizabeth Taylor). Ambos mantêm um caso às escondidas, e o rapaz decide largar a namorada, que, por azar, está grávida. Surge a ideia, então, dele se livrar da namorada, um empecilho a sua escalada. O romance de Dreiser baseou-se num fato real ocorrido em 1906, quando Chester Gillette matou sua namorada grávida. Após ter sido julgado e condenado à morte, em 1908, surgiu a lenda de que o fantasma da vítima assombrava o apartamento onde ela morava, em Nova York. No longa, Clift consegue compor um Eastman ambíguo, apaixonado e encantado com o fausto no qual Angela vive, enquanto o filme julga impiedosamente seu personagem. A intenção de Stevens é trazer à cena uma discussão sobre a desigualdade social em seu país, além de dar importância aos espaços por onde transitam os personagens, entre ambientes claros e escuros, imagens iluminadas e outras embaçadas. Na entrega do Oscar de 1952, ‘Um Lugar ao Sol’ foi indicado a nove categorias e premiado com seis estatuetas, entre elas as de Melhor Direção, Fotografia, Roteiro e Trilha Sonora”.
O que eu achei: Dando prosseguimento à minha meta de assistir aos 100 filmes que a Revista Bravo! listou em 2007 como “essenciais”, desta vez vi “Um Lugar ao Sol” (1951) do diretor de cinema americano George Stevens, de quem eu já havia assistido anteriormente ao famoso “Assim Caminha a Humanidade” (1956), no qual a atriz Elizabeth Taylor também trabalha. A trama é interessante, inspirada em um livro chamado “Uma Tragédia Americana” de 1925 do escritor Theodore Dreiser que, por sua vez, foi escrito inspirado em um fato real ocorrido em 1906, quando Chester Gillette matou sua namorada grávida. De cara o que mais chamou minha atenção foi o nome George Eastman dado ao personagem principal interpretado pelo Montgomery Clift. Como sabemos, esse era o nome do fundador da Kodak. Coincidência ou será que foi proposital? Uma breve pesquisa na internet me fez descobrir que foi uma homenagem a esse homem que popularizou a fotografia e facilitou o mundo do cinema. Então, como esse personagem pobre era sobrinho do dono da fábrica de roupas para quem ele vai trabalhar, nada como escolher um nome forte, importante e muito conhecido nos EUA para soar convincente. O filme é bom, apresenta uma leve escorregada por parte da novata Elizabeth Taylor na cena final, mas talvez seus meros 18 anos de idade justifiquem isso. Fora esse pequeno detalhe, é um filme que tem todos os ingredientes para te manter ligado como romance, assassinato e drama de tribunal. Vale ver, com certeza.

10.11.24

“Ervas Secas” - Nuri Bilge Ceylan (Turquia, 2023)

Sinopse:
 Num vilarejo remoto na Anatólia que parece ter apenas duas estações – um inverno coberto de neve e um verão que revela as suas altas pastagens – o professor de meia-idade Samet (Deniz Celiloglu), está terminando seu quarto ano de serviço obrigatório. Quando ele e seu amigo Kenan (Musab Ekici) são acusados de contato inadequado por duas alunas - Sevim (Ece Bagci) e Aylin (Birsen Sürme) -, tudo piora. Até que seu encontro com a professora Nuray (Merve Dizdar) lhe apresenta novas perspectivas de vida.
Comentário: Nuri Bilge Ceylan (1959) é um cineasta turco. Dentre suas produções estão “A Pequena Cidade” (1997); “Nuvens de Maio” (1999); “Climas” (2006); “Distante” (2003), que recebeu o Prêmio Especial do Júri em Cannes; “3 Macacos” (2009) que ganhou Melhor Direção em Cannes; “Era Uma Vez na Anatólia” (2011), ganhador do Prêmio Especial do Júri em Cannes; “Sono de Inverno” (2014), Palma de Ouro em Cannes e Prêmio Fipresci (Crítica Internacional) e “A Árvore dos Frutos Selvagens” (2019). Assisti apenas “Sono de Inverno”. Desta vez vou conferir “Ervas Secas” (2023).
Maria do Rosário Caetano do site Revista de Cinema nos conta tratar-se do “nono longa-metragem de Nuri Bilge Ceylan, [considerado] o ‘Tchecov turco’. (...) O filme – belo e denso como seus antecessores ‘Era Uma Vez na Anatólia’ e ‘Sono de Inverno’ - merece fruição serena e reflexiva. Afinal, o cinema de Ceylan deixa marcas profundas. Ele não é um realizador qualquer. É um dos grandes cineastas do mundo contemporâneo.
Em outubro do ano passado, ‘Ervas Secas’ foi exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, mas, por sua duração (3h17m), acabou apertado entre os horários da maratona paulistana. Quem o viu, deve revê-lo com a calma merecida. Quem não o viu, pode agora programá-lo como uma visita a uma catedral, ao Museu do Louvre, do Prado ou do Vaticano. Assumindo a redundância: o cinema de Ceylan é epifânico, profundo, fascinante e constitui-se em programa obrigatório para quem vê o cinema fora dos limites do entretenimento. Há que se lembrar que os filmes do realizador turco não são herméticos. Se fazem entender e propõem ao público discussões importantes. Seja o papel do intelectual em sociedades tradicionais, a luta coletiva confrontada com o individualismo, as relações de poder. As relações humanas, enfim.
Depois de conquistar a Palma de Ouro [em Cannes] com o magnífico e tchecoviano ‘Sono de Inverno’, Ceylan realizou ‘A Árvore dos Frutos Selvagens’, outro filme de imensas qualidades. Antes do laureado ‘Sono de Inverno’, ele já somava importantes troféus no festival francês (...). Ao recente ‘Ervas Secas’ coube o prêmio de melhor intérprete para Merve Dizdar. Com a láurea, ela tornou-se a primeira atriz turca a levar o ramo dourado para Istambul (e também para sua Esmirna natal, onde nasceu há 37 anos).
Nuri Bilge Ceylan é um artista de muitos ofícios. Formou-se em Engenharia e apaixonou-se pela fotografia. Resolveu estudar cinema e acabou dedicando-se integralmente ao audiovisual, seja como diretor, roteirista, montador, fotógrafo e-ou produtor. Em ‘Ervas Secas’, ele assina o roteiro e a montagem (com parceiros), a direção e a produção”.
Mas do que se trata o filme? Ele começa com o regresso das férias do professar de arte Samet. Ele está concluindo seu quarto ano de serviço obrigatório num vilarejo remoto, próximo a Erzurum, na Anatólia Oriental. De formação cosmopolita, ele é individualista e detesta aquele fim de mundo e não vê a hora de regressar a Istambul. Enquanto a hora de voltar não chega, surge na vida de Samet uma acusação de contato inadequado por uma aluna. Com isso, suas esperanças de ser transferido para Istambul e fugir dessa vida sombria desaparecem. Até que seu encontro com a professora Nuray (Merve Dizdar) lhe apresenta novas perspectivas de vida.
Caetano chama a atenção para a presença da fotografia na trama. Segundo ela, “o protagonista Samet (Deniz Celiloglu) é, além de professor, um fotógrafo que registra as paisagens físicas e humanas que o circundam. E suas imagens batem na tela como uma rica fonte documental. A professora Nuray (Merve Dizdar), que atua em outra escola, é também desenhista e faz questão de registrar, com uma fotografia, o rosto de Kenan (Musab Eric). Servirá de base a um futuro desenho”, Ela diz que ele é “um diretor-roteirista tomado de paixão pela dramaturgia, mas sem esquecer jamais da importância da imagem. Afinal, a fotografia é uma de suas paixões e ofício”.
Com relação à ideia para fazer o filme, Ceylan concedeu uma entrevista contando que a inspiração para o filme foi um caso real sobre o qual leu, ocorrido nessa mesma região da Turquia. Para ele, é natural que professores criem conexões especiais com determinados alunos e, no caso de seu filme, a aluna Sevim dá a Samet a energia que ele precisa para encarar o exílio naquele local inóspito. Ele deixa claro que não houve abuso sexual, mas declara que ele, obviamente, não pode controlar o espectador que pensa que talvez haja algo nesse sentido.
O que disse a crítica: Marcelo Müller do site Papo de Cinema avaliou com 4 estrelas, ou seja, excelente. Disse: “’Ervas Secas’ é o estudo de um personagem inserido no contexto patriarcal que premia seus mantenedores/perpetuadores com regalias sociais – como não ser devidamente investigado, ter a proteção dos pares e ganhar vantagens ao duelar com uma acusadora criança/mulher. Mesmo que aparentemente dê uma guinada de 180 graus com a entrada em cena de Nuray, o filme cria a partir disso outra dinâmica interessante, inclusive por continuar destrinchando a personalidade desse protagonista definido pelo exercício de poder como um demarcador social. (...) Por mais que certos diálogos pareçam vagos/banais, supostamente pouco agregando a essas tensões que eletrificam a narrativa, eles servem para que não nos escape a complexidade das pessoas e das circunstâncias. Além disso, ainda que soe meio gratuita a breve quebra da ilusão cinematográfica pela revelação dos bastidores, o gesto é muito forte e bonito”.
Marcio Sallem do site Cinema com Crítica gostou ainda mais, avaliou com 4,5 estrelas. Escreveu: “A obra do turco Nuri Bilge Ceylan é um gosto adquirido. Há um elitismo no que afirmei, mas comento por experiência própria acerca do desafio de ter assistido à ‘Era Uma Vez em Anatólia’ (2011), meu primeiro contato com a obra do diretor. É que a estaticidade das imagens de Ceylan é apenas rivalizada pelo dinamismo proposto em diálogos que não servem só a função de empurrar a história adiante ou de aprofundamento dos personagens, apresentam ideias e filosofias que são a essência da obra do diretor. A sensação que tenho é que Ceylan é um escritor que adotou a arte cinematográfica como maneira de escrever livros imagéticos”. Ele sugere que observemos a subdivisão “em capítulos”, nas quais “os personagens discutem temas existenciais e filosóficos em diálogos extensos, porém não cansativos, que modelam a forma do filme mais até do que fazem a encenação ou a montagem”.
O que eu achei: Este é o segundo filme que assisti do diretor turco Nuri Bilge Ceylan. O primeiro foi “Sono de Inverno” (2014) que com certeza eu vou precisar rever pois, na época, achei o filme longo demais (3h16m) e lembro de ter ficado com a sensação de que o cineasta poderia ter transmitido a mesma mensagem num tempo bem mais curto. Hoje, depois de assistir “Ervas Secas” (2023), estou com a sensação de que ver um filme dele é questão de aprendizado, de “adquirir um gosto” e acho que, desta vez, fui fisgada. “Ervas Secas” não é um filme qualquer. Além dele ser tão longo quanto o outro (3h17m), algo que faz uma boa parcela da população fugir da experiência, ele também possui uma verborragia e uma abordagem que não são para a fruição de qualquer pessoa pois ele não se resume ao ato de contar uma história como a maioria dos filmes faz. O que Ceylan faz aqui, a meu ver, é pegar um conceito e criar tramas que desenvolvam essa ideia central, assim como faz a arte contemporânea que vemos nas galerias e bienais mundo afora. Para mim, “Ervas Secas” é sobre “perspectiva”, palavra essa que o personagem principal Samet, professor de arte de uma escola, chega a escrever literalmente na lousa numa de suas aulas. Com isso todas as tramas mostradas no filme giram em torno da ideia de que seres humanos possuem pontos de vista diferentes e que a verdade nunca é uma só. Assim temos o professor que veio de Istambul para dar aula numa região remota da Anatólia Oriental, cujo ponto de vista sobre as pessoas que ali habitam é preconceituoso, ele se acha superior a tudo e a todos por ter vindo de uma cidade cosmopolita. Temos o ponto de vista das alunas que, apesar de nunca terem sido de fato assediadas por ninguém, assim se sentem pelo fato de terem sido criadas naquele lugar remoto onde ninguém além de sua família lhes dá tanta atenção. E assim por diante, cada personagem - a professora de inglês que perdeu uma perna numa explosão, o parceiro de casa do professor que quer se casar e atender o desejo de sua mãe, o diretor da escola que precisa seguir as normas da instituição à risca, o comerciante do vilarejo em seu embate com um jovem da cidade, etc - agindo de acordo com seu ponto de vista individual do mundo que o cerca. Do ponto de vista coletivo, o filme tem como pano de fundo a questão curda, que aspira conquistar sua independência política e territorial. A luta pela autonomia desse povo, que não é compreendida por outras etnias, vem sendo combatida de maneira violenta, especialmente no Iraque e na Turquia, onde o filme se passa. Para completar, há no filme a questão da representação física da perspectiva e do ponto de vista de cada um, quando mostra as fotos tiradas pelo professor de arte (lindas por sinal), as pinturas feitas pela professora de inglês e o passeio, nada gratuito, que o diretor faz rapidamente pelos bastidores do filme como que querendo dizer: - “este é o meu ponto de vista”. Por conta dessa qualidade rara num longa de deslocar seu foco narrativo de uma história para um conceito, e somando-se a isso uma fotografia excepcional, uma trilha sonora impecável e atores competentes, o que temos aqui beira o status de obra-prima. Atenção especial à atriz Merve Dizdar que interpreta a professora de inglês Nuray - prêmio de melhor intérprete em Cannes - e às magníficas fotografias tiradas pelo professor Samet, mas que na verdade são de autoria do próprio Nuri Bilge Ceylan e de sua esposa Ebru Ceylan. Imperdível.

4.11.24

“Estranha Obsessão” - Pawel Pawlikowski (França, 2011)

Sinopse:
O escritor americano Tom (Ethan Hawke) se muda para Paris para se aproximar da filha, que mora lá com a ex-mulher dele. No entanto, ele tem uma ordem de restrição para não se aproximar nem da menina e nem da ex-mulher. Para ficar na cidade, ele arruma um emprego como segurança e aluga um quarto em um hostel. Um certo dia ele conhece uma viúva misteriosa chamada Margit (Kristin Scott Thomas), mas ele também começa a sair com Ania (Joanna Kulig), que trabalha no bar do hostel.
Comentário: Pawel Pawlikowski (1957) é um cineasta polonês. Ele produziu uma série de documentários na década de 1990. Dentre seus longas estão “Último Recurso" (2000) e "Meu Verão de Amor" (2004), além dos ótimos "Ida" (2013) - que ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro - e "Guerra Fria" (2018) - pelo qual Pawlikowski ganhou o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes. “Estranha Obsessão” (2011) é o terceiro longa que vejo dele.
Chris Cabin do site Slant Magazine nos conta que “o cheiro de catástrofe pessoal e o impulso furioso permeiam todo o ‘Estranha Obsessão’. (...) Embora seja essencialmente (...) um thriller salpicado de questões sobrenaturais, o quarto longa narrativo de Pawlikowski lida com temas de inspiração artística e de emoções sombrias e frustradas que emanam de ter ideias atrofiadas por questões pessoais ou restrições sociais”.
Segundo Cabin, o filme reflete a morte trágica da esposa do diretor em 2006 e, em uma extensão muito menor, reflete também os problemas em torno da adaptação do livro “The Restraint of Beasts” (que seria algo como "A Restrição" ou "A Contenção das Bestas"), do escritor Magnus Mills, gerando um filme que pulsa com um peso pessoal substancial e se eriça com uma vida interior violenta e assustadora.
A morte da esposa, de fato, alterou profundamente a vida do cineasta. Em 2006 - exatamente quando o diretor estava fazendo a adaptação do livro - ela foi diagnosticada com câncer terminal, o que fez Pawel Pawlikowski parar tudo o que estava fazendo para cuidar dela e dos seus dois filhos pequenos. Ela morreu em poucos meses, mas ele só voltou a trabalhar cinco anos depois por causa das crianças.
Cabin prossegue dizendo que “Boa parte do que define essas facetas raras é [o ator] Ethan Hawke, que aqui dá sua performance mais forte e eficaz desde ‘Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto’ . Ele interpreta Tom Ricks, um romancista e professor universitário americano que se encontra quebrado e vivendo em cima de um café parisiense sujo depois de ter sua bagagem roubada e ser ameaçado de prisão por sua ex-esposa (Delphine Chuillot). Lutando para se reconectar com sua filha (Julie Papillon), ele aceita um emprego aparentemente simples com seu senhorio desprezível, Sezer (Samir Guesmi), e se envolve com duas mulheres, a garçonete Ania (Joanna Kulig) e a misteriosa viúva Margit (Kristin Scott Thomas).
Pawlikowski, que também adaptou o roteiro vagamente do romance de mesmo nome de Douglas Kennedy [além do livro anteriormente citado], desenvolve essas vertentes narrativas de uma forma notavelmente coesa diante de um cenário de impotência artística raivosa. Consistentemente relatado, mas nunca explicado diretamente, o lado violento de Tom e sua busca confusa por inspiração estão interligados e, ainda assim, quando ele encontra uma explosão de inspiração, em Margit e seu trabalho sangrento e secreto, ele ainda é incapaz de escrever nada além de longas cartas para sua filha.
Não é tão difícil ver Pawlikowski na posição de Tom, incapaz de transmitir diretamente as emoções sombrias, feias e dolorosas que ele enfrentou, mas também incapaz de apenas rodar uma narrativa de gênero impessoal.
Trabalhando com seu diretor de fotografia regular Ryszard Lenczewski, Pawlikowski também consegue misturar suas preocupações visuais habituais (insetos e natureza) com uma visão singularmente severa e irritante da Cidade das Luzes [Paris]. Essa estética sutil, porém singular, dá ao filme uma potência onipresente, enquanto as decisões visuais de um cineasta menor poderiam ter cedido sob o frenesi psicossexual que irrompe na parte final do filme.
O que disse a crítica: Leonardo Campos do site Plano Crítico avaliou com 2,5 estrelas, ou seja, regular. Disse tratar-se de uma “história amarga sobre um homem que já perdeu toda a camada de brilho que representa uma faísca de vida para agonizar diante das circunstancias insalubres que envolvem o seu ofício de escritor e as suas relações interpessoais. Todo esse material deveria ser potência para tornar a narrativa um exercício grandioso de catarse, mas na verdade, a mesma angústia do personagem é transmitida aos espectadores, (...) [resultando numa] trama que consegue ser tediosa, mesmo com seus brevíssimos 85 minutos de duração”. Segundo Campos o filme é letárgico, cifrado demais e possui uma “pretensão em ser difícil que se transforma em tédio e acaba sendo mais tola e clichê que filosófica”.
Por outro lado, Fer Kalaoun da Revista Bula gostou bastante, avaliou com 4 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu que “o roteiro misterioso e intricado exige mais que a atenção do espectador; é necessário paciência e imaginação também”. Ela elogia a atuação de Ethan Hawke, dizendo que “Hawke está sempre selecionando excelentes personagens e nos apresentando tramas hipnotizantes. Se ele tem o azar de escolher um roteiro fraco, também tem a sorte de torná-lo interessante com sua atuação. E é mais ou menos isso que acontece aqui em ‘Estranha Obsessão’, um suspense que é melhor do que deveria ser graças à interpretação intensa e honesta do protagonista”.
O que eu achei: Eu achei o filme mediano. A princípio ele começa bem, segue bem até o terço final, mas depois, quando a coisa começa a enveredar pelo sobrenatural ou pelo doentio, daí a trama entra naquele caminho onde tudo pode e daí, a meu ver, acaba perdendo um pouco a força e tendo um final que já vimos em tantos outros filmes que também seguem essa linha. A película termina e você se pergunta: foi a mente doentia dele que inventou tudo isso? Será que tudo o que vimos de fato ocorreu? Ou será que ele tem dons mediúnicos? Eu pessoalmente não gosto tanto quando um filme termina dessa forma. Recentemente assisti “Barton Fink - Delírios de Hollywood” (1991) dos irmãos Coen, e ele também acaba sem resposta para essas questões. De qualquer forma “Barton Fink” ainda é superior, bem superior inclusive.

3.11.24

“Os Colonos” - Felipe Gálvez Haberle (Chile/Argentina/Reino Unido/Taiwan/Alemanha/Suécia/França/Dinamarca, 2023)

Sinopse:
Ambientado em 1901 na Terra do Fogo, República do Chile, a história segue três cavaleiros contratados pelo espanhol José Menéndez (Alfredo Castro), um rico proprietário de terras, para "civilizar" a população indígena da região e abrir uma estrada. Na companhia de um imprudente tenente britânico chamado Alexander MacLennan (Mark Stanley) e um mercenário da América do Norte chamado Bill (Benjamin Westfall), está o atirador mestiço chileno Segundo (Camilo Arancibia), que percebe, em meio às crescentes tensões no grupo que, na verdade, eles estão lá para exterminar a população indígena daquelas terras.
Comentário: Felipe Gálvez Haberle (1983) nasceu em Santiago, no Chile, e vive em Paris. Dirigiu curtas-metragens como “Silencio en la Sala” (2009), “Yo de Aquí te Estoy Mirando” (2011) e “Rapaz” (2018). “Los Colonos” é seu primeiro longa-metragem.
Antes de ver o filme vale a pena revisitar a história da Patagônia e saber que “os primeiros europeus chegaram à região na ponta sul do continente americano em 1520, com a expedição de volta ao mundo do português Fernão de Magalhães. Ao avistarem a fumaça de numerosas fogueiras, apelidaram o arquipélago Terra do Fogo. Porém, a colonização só começaria em 1850, quando desembarcaram na Isla Grande os primeiros imigrantes vindos da Argentina, do Chile e da Europa”. Conforme nos contam Stefan Dege e Augusto Valente do site DW, eles eram “criadores de ovelhas, caçadores de ouro e missionários, [que levaram para o local] doenças desconhecidas e praticamente dizimaram a população local”.
Mas que população local seria essa? Esse local “desabitado” na verdade era a moradia dos indígenas que lá estavam. Pelo que os historiadores apuraram esses “indígenas chegaram à Patagônia e à Terra do Fogo há cerca de 10 mil anos. Assim como outros quatro povos, os selk'nam enfrentaram as condições inóspitas do labirinto insular, com seu clima polar combinando sol abrasador e frio antártico, e atravessavam em pequenos grupos a paisagem árida, entrecortada por riachos. Os selk'nam não construíram cidades nem monumentos, não deixaram para a posteridade artefatos de cerâmica, muito menos língua escrita. No entanto, fotos históricas e relatórios científicos do missionário Martin Gusinde lembram ainda hoje sua cultura. Enviado pelos Missionários do Verbo Divino, o padre e antropólogo austríaco empreendeu quatro viagens de estudos entre 1918 e 1924 [o filme se passa em 1901, portanto essa documentação foi feita após a história contada no filme], documentando em imagens e áudio a vida dos ‘índios da Terra do Fogo’, na época já quase extintos”. Segundo a matéria essas fotos mostram corpos pintados e práticas rituais, dentre outras coisas.
O filme se passa em 1901 justamente nessa região conhecida como Terra do Fogo, no Chile. Começa mostrando o espanhol Dom José Menéndez (Alfredo Castro) colocando cercas para fazer a demarcação de suas terras. Trabalham para ele um ex-tenente britânico chamado Alexander MacLennan (Mark Stanley), um mercenário norte-americano chamado Bill (Benjamin Westfall) e o atirador mestiço chileno chamado Segundo (Camilo Arancibia), dentre outros diversos empregados.
A treta com os indígenas começa logo no início do filme, quando Menéndez descobre que os indígenas abriram as cercas de sua propriedade na comuna de Porvenir (Chile) e comeram as ovelhas que ele criava. Ele então chama seu funcionário Alexander e ordena que ele abra uma rota pelo Atlântico para salvar seus animais e também o orienta a “limpar” suas terras, ou seja, manda que ele extermine os indígenas que ali estiverem. Para isso o ex-tenente sai em missão levando consigo os funcionários Bill e Segundo.
Como o filme é baseado em fatos reais, ele acaba sendo uma denúncia que o diretor faz, lembrando o massacre dos nativos do povo selk'nam. Um genocídio ocorrido no sul da Patagônia que quase passou despercebido pela comunidade mundial.
A matéria escrita no jornal DW por Stefan Dege e Augusto Valente assinala também algo que o filme não mostra, que “foram os zoológicos humanos que, do fim do século 19 até o início da década de 1930, atraíam um público de milhões na Europa, como antecessores dos reality shows modernos". Eles nos contam que "também integrantes dos selk'nam foram transportados ao Velho Mundo e comercializados como habitantes primitivos da América do Sul”. Apesar disso hoje parecer chocante, na época essas “exposições etnológicas” eram consideradas normais e ocorriam com frequência em lugares como Hamburgo, Berlim e Paris.
Felizmente, "desde 2004, alguns descendentes [dos selk'nam] vivem em 35 mil hectares designados pelo governo argentino. Organizados na Comunidad Indígena Rafaela Ishton, eles se ocupam em revitalizar suas tradições e cultura” e “em 2023, o governo chileno os reconheceu oficialmente como comunidade indígena existente". 
Em entrevista ao Estadão o diretor conta que até hoje essa região pertence em grande parte à família Menéndez, sendo a maioria propriedade privada. Segundo ele, não foi tão fácil encontrar locais para gravar. Isso ocorreu tanto por ser propriedade da família do latifundiário cujo filme denuncia, como porque muitas pessoas não queriam se envolver.
O que disse a crítica: Fabricio Duque do site Vertentes do Cinema avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Disse que o filme é ousado, talvez mais ingênuo que pretensioso, e que o diretor retarda demais seu objetivo. Segundo ele “Nesse tempo do antes, nós espectadores somos convidados a embarcar em uma jornada épica num faroeste atípico com ares narrativos de Quentin Tarantino (...) e com um que mais implícito de Jean-Luc Godard (...). Essa narrativa busca também o contraste da mise-en-scène, confusa entre a contemplação didática da imagem e o tom afoito da montagem, numa naturalidade editada. Essa hesitação em optar por um caminho acaba por impedir a imersão à obra”.
Já Andre Marcondes no jornal Folha SP avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Ele elogia o impecável trabalho de fotografia (Simone D'Arcangelo) e música (Harry Allouche), diz que o diretor “é particularmente feliz em explorar no filme o conflito das masculinidades e a luta de egos dos personagens” e acrescenta que “embora o filme não esclareça completamente, tanto Menéndez como MacLennan existiram. A crueldade de ambos contra os nativos foram documentadas, jamais punidas, e mesmo o seu legado ainda é lembrado e celebrado”, com o extermínio dos indígenas tendo sido um ato “planejado e ordenado por Menéndez, a cuja família se atribui o desenvolvimento econômico de Punta Arenas”. Ele finaliza elogiando a habilidade do diretor “em representar na tela esses eventos e memórias históricas que confrontam a civilização e suas tendências desumanas” e diz que são “raras as estreias na direção que começam com o nível de confiança e cuidado que o cineasta demonstra ter com seu tema: os fantasmas da colonização branca do Chile, que assombram, perturbam e nos levam a refletir sobre o tema da responsabilidade coletiva”.
O que eu achei: Esse é o primeiro longa do chileno Felipe Gálvez Haberle e o cara já faz, logo de cara, um gol de placa. A locação são as paisagens montanhosas do Chile que a fotografia, assinada por Simone D'Arcangelo, utiliza com maestria, transformando o filme numa beleza visual que chama a atenção pelos enquadramentos e efeitos de luz precisos. A história que o filme conta é uma espécie de “Assassinos da Lua das Flores” chileno, mostrando um fato real ocorrido em 1901 na Patagônia, ao sul da Cordilheira dos Andes, quando o espanhol José Menéndez, um rico proprietário de terras, chega para "civilizar" a população indígena da região. O longa explora os temas da colonização, da violência e do extermínio sofrido pela população indígena local, revelando um capítulo sombrio da história do Chile, que nem a população chilena conhece muito bem. O mais louco nisso tudo é que à família Menéndez se atribui, até hoje, a responsabilidade pelo desenvolvimento econômico de Punta Arenas sem, no entanto, se dizer a que custo isso foi feito. Um legado que é lembrado e celebrado, contado sempre pelo ponto de vista dos próprios vencedores, mas jamais punido, como se a aquisição de terras para a civilização autorizasse a destruição da ordem selvagem originária. O filme tem um ritmo relativamente lento, mas entrega o que promete nas suas poucas 1h40m na qual se desenvolve. Excelente e imperdível.

30.10.24

“Democracia em Preto e Branco” - Pedro Asbeg (Brasil, 2014)

Sinopse:
 
Política, futebol e rock n' roll. Sócrates, Casagrande e Wladimir lideram um movimento histórico no esporte e adotam a democracia dentro de um time e acabam servindo como exemplo de protesto ao regime militar no começo da década de 1980.
Comentário: O diretor do documentário Pedro Asbeg nos conta na Revista do Cinema Brasileiro que “Corria o ano de 1982. A ditadura militar completava dezoito anos de opressão e censura, a MPB sobrevivia de metáforas e não se comunicava com a juventude e o Corinthians era dominado por um mesmo presidente em um período igualmente longo.
Aproveitando-se da fraqueza política de alguns dirigentes e da má campanha que o time cumpria nos últimos tempos, o melhor jogador do time faz, dentro do clube, o que muitos gostariam de fazer no país: democratiza o processo de tomada de decisões.
Sócrates Brasileiro de Souza, o doutor Sócrates, ou apenas ‘Magrão’, percebeu que existiam naquele momento e naquele ambiente os ingredientes necessários para uma pequena revolução de ideias e de atitude e iniciou o processo que ficou conhecido como ‘Democracia Corintiana’: todos que participavam do departamento de futebol - do presidente ao centroavante - tinham o mesmo poder de voto nas principais questões do clube. 
No início, não existia nada concreto ou organizado. Eram apenas jogadores que queriam exercer, dentro de seu local de trabalho, a cidadania que lhes era negada em outras esferas da sociedade. Cada membro da equipe passou, então, a ter direito a um voto nas mais variadas questões. Este acabou sendo um momento único do esporte brasileiro, principalmente se levarmos em conta o contexto político vivido no país. 
Dentro do universo arcaico e paternalista do futebol brasileiro, nunca antes os jogadores haviam tido tanto espaço para decisões. Aos poucos, a ‘Democracia’ ia tomando corpo, fazendo fama e assustando dirigentes de outros clubes e os militares que ainda se agarravam ao poder. Se era possível que um grupo de jogadores decidisse no voto direto qual seria o horário do treino, se haveria a concentração ou não dos jogadores na véspera de um jogo e até mesmo quais deveriam ser os novos contratados da equipe, era de se temer que, em breve, uma grande parcela do povo brasileiro quisesse ter esses mesmos simples porém proibidos direitos.
Além disso, o Corinthians não era apenas exemplo de democracia e liberdade. No campo, a equipe mais popular de São Paulo levou o troféu em 82 e 83. Os títulos davam a sustentabilidade que o movimento precisava para se fortalecer perante os vigilantes críticos da liberdade de expressão. 
Foi também nesta época que as coisas começaram a mudar dentro da música popular brasileira. Uma profusão de bandas, de diferentes estilos e cidades, dizia a mesma coisa: a juventude queria mudanças e, principalmente, liberdade. E foi com o mesmo caldo de revolução vivido pela Democracia Corintiana que Ultraje a Rigor, Titãs, Barão Vermelho, Legião Urbana e Blitz, entre tantas outras, surgiram, conquistaram um público ávido por novidades e mostrou que era sim possível termos rock n’roll brasileiro de qualidade e com conteúdo.
Durante esse mesmo período, a pressão popular pelo fim da ditadura e pelo direito ao voto direto cresceram. Iniciou-se uma campanha pluripartidária em prol da emenda do deputado Dante de Oliveira, que garantiria eleições diretas para presidente em 1985 e que ficou conhecida como ‘Diretas Já’. Comícios e manifestações proliferaram por todo o país. O governo e a grande mídia tentaram esconder, mas a força do movimento foi grande demais e ficar fora dele era dizer não a um Brasil livre e democrático. Os dias do regime militar estavam contados. 
Não foi, portanto, surpresa para ninguém, quando os jovens músicos e os jogadores do Corinthians dividiram o espaço no alto dos palanques, ao lado de Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva. Lá se vão quase 30 anos e, no entanto, a Democracia Corintiana e as ‘Diretas Já!’ continuam na memória coletiva do povo brasileiro, enquanto o rock brasileiro já se estabeleceu e frutificou em muitas novas bandas”.
A locução do documentário foi feita pela Rita Lee, o texto da locução é de Arthur Mulenberg e a produção do filme é da TVZ. O longa recebeu a menção honrosa do júri oficial no festival “É Tudo Verdade 2014”, foi selecionado para o Festival de Cinema Brasileiro de Paris, ganhou o Festival Cinefoot nas edições de São Paulo e Rio de Janeiro e participou do festival In-Edit, além do MARFICI, na Argentina, DocsDF, no México, Festival Internacional Del Nuevo Cine Latinoamericano, em Cuba, Festival Offside, na Espanha e Festival de Cinema Brasileiro de Toronto, no Canadá.
O que disse a crítica: Marcelo Janot do site Críticos gostou do documentário. Escreveu: “Uma aula de cinema, uma aula de cidadania, e uma boa maneira de perceber que se na política o Brasil trilhou o caminho da democracia, no futebol a trajetória foi oposta. O movimento Bom Senso agoniza, a CBF está nas mãos de dirigentes ligados ao regime militar, políticos financiam a construção de estádios em troca de votos e os craques de hoje são, em sua quase totalidade, alienados que só pensam em dinheiro e no próprio ego. Já imaginaram Neymar dizendo que se a tão necessária reforma política de fato acontecer ele deixa de ir pro Barcelona? Pois é. Enquanto isso, mais um gol da Alemanha”.
Luiz Zanin Oricchio também avaliou positivamente. Disse: “a grande sacada, sem dúvida, é articular os feitos de um clube de futebol em um contexto muito específico, o da luta final contra a ditadura e a campanha pelas eleições Diretas. Num Brasil já farto de opressão um time de futebol propunha um respiro de modernidade e rebeldia inusitado em domínio tão conservador como o futebol brasileiro. Os atletas decidiam tudo em seu coletivo, dos treinos à concentração, passando pela contratação de outros jogadores (...). Mas, enfim, havia a rebeldia lúcida de Sócrates, a irreverência roqueira de Casagrande, então com 19 anos, a seriedade de Zé Maria, a presença forte de Vladimir. E um comandante que enxergava além do óbvio, o diretor de futebol Adilson Monteiro Alves”. E finaliza dizendo: “Faz muita falta o Doutor”.
O que eu achei: O documentário traça um paralelo da música e da política com o movimento "Democracia Corinthiana", surgido no início da década de 80, e liderado pelos jogadores Sócrates, Wladimir e Casagrande. Ele é extremamente didático. Mostra que, a princípio, o que esses jogadores queriam era poder tomar decisões dentro do próprio time no qual eles trabalhavam: o Corinthians. Queriam decidir, por exemplo, o horário dos treinos, se haveria a concentração ou não dos jogadores na véspera de um jogo e até mesmo quais deveriam ser os novos contratados da equipe. O publicitário corinthiano Washington Olivetto, recém falecido, foi quem deu o nome "Democracia Corinthiana" pra esse movimento. O que esses jogadores não imaginavam é o tamanho que esse movimento tomaria. Estávamos em pleno período de ditadura militar. Músicos de rock brasileiros já tentavam criticar em suas letras o regime obscuro que governava o país. Daí surge um deputado chamado Dante de Oliveira, do PMDB, que resolve apresentar ao Congresso Nacional a proposta de Emenda Constitucional nº 5, que determinava a volta das eleições diretas para a Presidência da República. É aí que a coisa cresce: o Partido dos Trabalhadores (PT) vai e convoca uma manifestação na praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu, em São Paulo. Aparecem cerca de 10 mil pessoas, mostrando que era isso o que boa parte da população queria. Foi como uma faísca no cenário nacional. Demorou um pouco mais do que o desejado para vingar, mas finalmente em 1989, passamos a poder escolher o Presidente da República. O documentário é uma aula. Fiquei pensando no tanto de jovens hoje que não conhecem essa história. Até as palavras “democracia” e “liberdade de expressão” são empregadas hoje incorretamente tendo seu significado deturbado. Ver esse documentário acaba funcionando então como uma aula de história e de língua portuguesa. Se ainda não viu, tá em tempo. Imperdível.

29.10.24

“Escondida” – Jafar Panahi (França/Irã, 2020)

Sinopse:
O cineasta iraniano Jafar Panahi acompanha em viagem sua filha Solmaz Panahi e a produtora de teatro Shabnam Yousefi até uma remota aldeia curda. Eles visitam uma cantora extremamente talentosa cuja família tradicional a proíbe de cantar em público. Eles vão até lá ver o que se passa e documentar isso em vídeo.
Comentário: Jafar Panahi (1960) é um cineasta iraniano de quem já assisti um documentário chamado "Isto Não É Um Filme" (2011) e seis filmes de ficção, todos excelentes: "O Balão Branco" (1995), "O Espelho" (1997), "Taxi Teerã" (2015), "3 Faces" (2018) e “Sem Ursos” (2022). Desde 2010 ele está proibido pela justiça de filmar ou sair do Irã sob a acusação de estar mostrando o regime de repressão que o povo iraniano vive, algo que o governo chama de “fazer propaganda contra o governo iraniano”. Mesmo assim Panahi está dando um jeito de filmar.
Desta vez vou conferir “Escondida” (2020) um curta-metragem que mostra mais uma dessas peculiaridades do Irã que parece estar não no século XXI, mas sim parado no tempo.
Arthur Gadelha do site Ensaio Crítico nos conta que “O zoom na chegada da personagem ao carro estacionado de Panahi nos primeiros segundos desse curta-metragem emula até com certo humor o contexto do ‘cinema escondido’ que o cineasta enfrenta há anos por ser um alvo de repressão do governo iraniano.
Sob o título referencial ‘Escondida’, uma espécie de meta-filme (apêndice de ‘3 Faces’) se intensifica quando descobrimos que aquela jornada busca uma mulher cuja voz, literalmente, é silenciada pelos pais. É dessa forma que Panahi, censurado pelo governo, traduz um olhar sóbrio sobre uma censura social. Certamente não há como comparar a perseguição do cineasta com o completo apagamento dessa mulher escondida, e talvez por isso esta seja uma história tão surpreendentemente curta.
Filmado por iPhones, como em ‘Taxi Teerã’, a conversa prévia entre Panahi, sua filha e a convidada que guia o caminho evoca a realidade sobre a moral machista vigente à coerção da existência feminina, a exemplo do pecado materializado na exibição de um sorriso com dentes.
Com caráter de recursos mínimos (tanto financeiro quanto de linguagem), a maior parte do filme se estabelece como um contexto recorrente para apresentar a imagem que nem iremos chegar a ver. Ao encontrarem a casa e se depararem, finalmente, com a mulher proibida de cantar pelos pais que temem que os jovens do vilarejo a escutem, somos surpreendidos com o lógico atrito que há entre a voz e a câmera. Pois é nessa última cena que Jafar Panahi encontra sua imagem de discurso mais eloquente por, justamente, encontrar significado na contradição da censura, na forma como documentar a ausência. É realmente impressionante o que faz ecoar a partir disso, que é quando o filme ousa chegar ao fim”.
Esse curta – somado a outros três – foram reunidos ainda em 2020 num longa chamado “Celles Qui Chantent” (em tradução literal “Aquelas que Cantam”). Os quatro longas, dirigidos por quatro diretores diferentes – Jafar Pananhi, Sergei Loznitsa, Karim Moussaoui e Julie Deliquet – são sobre “canções de mulheres que evocam à sua maneira o mundo em que cada uma delas vive”.
O que disse a crítica: Reema Gowalla do site OTTPlay avaliou o curta com 3,5 estrelas, ou seja, muito bom. Disse: “’Escondida’ é uma obra de arte cinematográfica de cortar o coração. Simples, mas feroz e misterioso, o curta tem o potencial e a razão para ser transformado em um longa-metragem. Ele representa delicadamente a vida ‘proibida’ de uma mulher com uma voz de ouro, mas deixa uma mensagem forte de que ainda podemos ajudar a trazer uma mudança positiva por meio das artes”.
Thiago Henrique Gonçalves Alves da Revista Malala (USP) também gostou do filme e escreveu “O fato de Panahi escolher uma jovem que (...) não deve fazer aparição e nem cantar em público, não é uma decisão aleatória. Nos últimos anos, o Irã tem sido centro de atenção de vários pensamentos políticos, e da luta pelos direitos humanos. Em 2022, uma jovem mulher iraniana foi morta após entrar em coma pela ‘polícia da moralidade’. [O filme] ‘Três Faces’ de 2018 e [este] ‘Escondida’ de 2020 são filmes importantes. Seja pela sua força e resistência, por serem feitos mesmo na ilegalidade, ou pelas questões sociais tratadas: o conservadorismo, a distância entre a arte e o povo, e a repressão da mulher no Irã. (...) Uma lembrança de que ainda há muito que se conquistar no país em relação aos direitos humanos e ao combate à censura”.
O que eu achei: Com o conceito sempre vindo em primeiro plano, o cineasta mostra não precisar de grandes recursos para veicular uma mensagem. Nem de recurso e nem de muito tempo - o curta tem 18 minutos de duração - para transmitir profundamente uma ideia. As imagens foram capturadas por dois smartphones - ótimos aliás para driblar a censura pois assim como no seu documentário “Isto Não é um Filme” (2011), isto aqui também poderia “não ser um filme”, mas sim uma captura de vídeo que todos fazemos habitualmente. Temos na cena duas mulheres reais numa aldeia curda vivendo suas vidas reais. E temos pouca edição, mas muito respeito na captura dessas imagens. O resultado é uma amostra eficaz da cultura iraniana. Excelente, como tudo o que o diretor faz.

28.10.24

“O Castelo Vogelöd” - F. W. Murnau (Alemanha, 1921)

Sinopse:
Um grupo de aristocratas se reúne na mansão da família Vogelöd para um fim de semana de caça, mas as chuvas acabam fazendo com que o grupo desista de sair. Enquanto estão todos lá ociosos, uma pessoa não convidada chamada Conde Oechst (Lothar Mehnert) chega. Sua visita inesperada causa um certo incômodo pois há rumores de que ele tenha assassinado seu próprio irmão (Paul Hartmann). O desconforto social aumenta ainda mais quando a Baronesa Safferstäff (Olga Tschechowa), viúva do falecido, chega à casa com seu novo marido (Paul Bildt).
Comentário: Friedrich W. Murnau (1888 -1931) foi um cineasta alemão considerado um dos mais importantes realizadores do cinema mudo. Ele dirigiu 21 longas-metragens, alguns na Alemanha e outros nos EUA. Assisti dele oito filmes: as obras-primas "Nosferatu" (1922) e "Aurora" (1927); os excelentes "A Última Gargalhada" (1924), "Tartufo" (1925), "Fausto" (1926) e "O Pão Nosso de Cada Dia" (1930), também conhecido como "City Girl", e os curiosos “Caminhada Noite Adentro” (1920) e "Tabu" (1931).
Desta vez vou conferir “O Castelo Vogelöd” (1921), baseado em romance de Rudolf Stratz, que conta a história de um grupo de aristocratas que se hospedam na mansão da família Vogelöd para um fim de semana de caça. Logo no primeiro dia, por conta da chuva, eles acabam impedidos de sair. Num dado momento, o mordomo anuncia a chegada do conde Oetsch, um homem que não havia sido convidado para o evento e de quem se desconfia que tenha matado seu irmão. Para completar o mal estar, na sequência chega à casa a viúva do assassinado, que casou-se novamente, desta vez com o barão Safferstätt.
Robert Keser do site Sense of Cinema nos conta que “Se o título tradicional em inglês (‘The Haunted Castle’, que em português seria ‘O Castelo Assombrado’) sugere o sobrenatural, o filme em si evita goblins ou golens em favor do desenrolar hipnótico de um horror moral. Embora a identidade do assassino possa ser prevista, o que é imprevisível é a intensidade onírica que Murnau constrói a partir da atuação contida e da encenação refinada, onde repetidamente os personagens saem das profundezas em direção ao primeiro plano, como que emergindo do subconsciente.
Embora este seja considerado o nono filme de Murnau, a câmera em primeira pessoa e os movimentos de varredura inovados em ‘A Última Gargalhada’ (1924) ainda estavam no futuro. Sem nenhuma das luzes piscantes e tomadas de rastreamento extravagantes dos filmes posteriores, ‘O Castelo Vogelöd’ oferece uma clareza diferente, suas imagens sutilmente perturbadoras ressoam especialmente seu sucessor imediato, ‘Nosferatu’ (1922), o filme de vampiro definitivo do cinema. Onde ‘Nosferatu’ externaliza a mortalidade em uma figura de horror, ‘O Castelo Vogelöd’ encontra o mal internalizado, condensado em quadros perturbadores e pontuado por reiteradas tomadas da mansão”.
O filme foi rodado em 16 dias. No elenco, além de Lothar Mehnert e Paul Hartmann, temos a russa Olga Tschechowa, que foi casada com o sobrinho do dramaturgo Anton Chekhov.
O que disse a crítica: Jeremias Kipp do site Slant Magazine avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Escreveu: “Não se deixe enganar pelo título deste mistério tediosamente lento de Weimar, Alemanha [‘O Castelo Assombrado’] - quase não há fantasmagoria expressionista aqui. (...) Não espere nenhuma emoção sexual ou horror de peste de ‘Nosferatu’, ou a adoração amorosa enlouquecida de ‘Aurora’, ou o questionamento moral de ‘Fausto’, este poema tonal inferior de F.W. Murnau apenas flutua interminavelmente no piloto automático gótico”. E finaliza dizendo: “’O Castelo Vogelöd’ faz o espectador esperar, em um estado de antecipação, por algo que ressoe na tela - e parece positivamente infinito”.
Caio Bogoni do Cine Grandiose, que viu o filme num festival em 2017, avaliou com o equivalente a 3,75 estrelas, ou seja, muito bom. Disse: “’O Castelo Vogelöd’ se sai bem no que importa: apresentar um mistério e resolvê-lo. Dos trabalhos de F. W. Murnau, este era um dos que menos me atraía porque não parecia original ou chamativo o bastante. Nem as pessoas que conhecem seu trabalho falavam muito dele, o que tornou os aplausos no fim da sessão ainda mais surpreendentes. Para um longa tão pouco comentado, ele foi bem recebido em sua exibição durante o festival. Enquanto isso, me incluo entre estes entusiastas. Das três obras do cineasta alemão que vi, esta foi a que mais me agradou. É a menos ambiciosa e a mais simples, mas não deve ser menosprezada por isso. Ela encara um desafio que consegue completar”.
O que eu achei: Eu, que sou fã de carteirinha do Murnau, gostei demais de assistir a mais este filme do diretor. Dei a sorte de pegar uma versão restaurada a partir de material oriundo da Cinemateca de Berlim e da Cinemateca Brasileira, com intertítulos que faltavam reconstituídos com a ajuda do roteiro. O filme é mudo, datado de 1921, baseado em um conto de autoria de Rudolf Stratz publicado originalmente na revista semanal Berliner Illustrirte Zeitung. A trama tem suspense, você fica até o final sem saber quem é o monstro assassino dessa história, não é lento, nem cansativo, nem previsível como parte da crítica achou. Some-se a isso a bela fotografia, uma esplêndida locação, ótimas tomadas, enfim, outro filme do mestre que valeu a pena ser visto. Super recomendo.

27.10.24

“Guerra Civil” - Alex Garland (EUA/Reino Unido, 2024)

Sinopse:
Estamos num futuro próximo e uma guerra civil se instaura nos Estados Unidos. Uma equipe de jornalistas de guerra, onde estão Lee (Kirsten Dunst) e seu colega de trabalho Joel (Wagner Moura), viaja pelo país para registrar a dimensão desse cenário violento que tomou as ruas em uma rápida escalada, envolvendo toda a nação. No entanto, o trabalho de registro se transforma em uma guerra de sobrevivência quando eles também se tornam o alvo.
Comentário: Alex Garland (1970) é um escritor, roteirista, produtor e diretor de cinema britânico, conhecido por escrever o filme “Extermínio” (2002) e por escrever e dirigir o ótimo “Ex_Machina: Instinto Artificial” (2015). “Guerra Civil” (2024) é o segundo filme que vejo dele.
Raquel Carneiro que entrevistou o diretor para a Revista Veja escreveu que “Logo no início da pandemia, em 2020, Alex Garland contraiu covid-19. O cineasta inglês ficou muito debilitado e, quando se recuperou, sentiu uma confusão mental parecida com a do protagonista de ‘Extermínio’, filme de 2002 escrito por ele. Na trama, o personagem vivido por Cillian Murphy acorda do coma em uma Londres tomada por zumbis e criminosos. Na vida real, Garland não se deparou com mortos-vivos, mas ficou em choque ao ver o noticiário: em meio às centenas de milhares de mortes, diversos governantes mundiais espalhavam fake news, e manifestações antirracistas eram reprimidas por policiais americanos. O mundo estava um caos. Foi então que ele concebeu ‘Guerra Civil’, filme sobre um hipotético (mas assustadoramente realista) conflito interno nos Estados Unidos”.
Hyader Epaminondas do Cine Ninja nos conta que “Distribuído pela icônica A24, (...) ‘Guerra Civil’, é uma mistura (...) de ação, suspense e terror psicológico quase que documental. [O filme] apresenta uma visão crua e desprovida de enfeites desnecessários sobre um possível futuro do nosso planeta, enquanto discute os efeitos da polarização e o estado atual do jornalismo mundial que se distancia cada vez mais da realidade e dos interesses da população.
A produção é situada no meio de uma guerra civil que assola os Estados Unidos, imerso em conflitos e genocídios sem sentido, [mas apesar da] trama se desenrolar no trajeto de carro até Washington, a história transcende fronteiras geográficas, pois poderia facilmente ser ambientada em qualquer outro país do planeta”.
Nos papéis principais estão Lee Smith (Kirsten Dunst) - que carrega uma certa descrença no poder do jornalismo em investigar os fatos - e Joel (Wagner Moura) que surge para adicionar um tom de alívio cômico ao ilustrar o vício em adrenalina que um correspondente de guerra inevitavelmente é obrigado a experimentar em doses exageradas. A interação entre os dois oferece uma reflexão sobre os desafios e as contradições enfrentadas pelos jornalistas em zonas de guerra.
“A terceira parte desse triângulo de ideias fica a cargo do ator Stephen Henderson, que interpreta Sammy, um jornalista experiente que não se encaixa mais no ritmo frenético das coberturas de conflitos. Apesar de suas limitações físicas, Sammy serve como uma ponte ideológica entre as discussões de Dunst e Moura. Sua importância no roteiro é retratada como o representante simbólico do ideal jornalístico dos outros personagens, quase como se ele fosse o elo que mantivesse a sanidade do grupo intacta em meio às tragédias observadas.
Conforme os eventos vão se desenrolando, acompanhamos os personagens em meio ao caos e à desordem, somos confrontados com questões profundas sobre ética, poder e responsabilidade. A produção deixa explícita de forma direta o desconforto em relação ao estado atual do jornalismo, evidenciando sua tendência ao sensacionalismo e à busca pelo impacto imediato e das propagandas, como demonstrado nas coberturas da invasão ao Capitólio em 2021 e ao Congresso Nacional em 2023.
Estes eventos servem como exemplos marcantes do jornalismo contemporâneo, frequentemente guiado por narrativas que privilegiam o drama e a espetacularização em detrimento da análise profunda e imparcial dos fatos. Apesar de ser ficcional, tudo apresentado no filme não está tão distante da nossa realidade, apenas trazendo para o território americano a carnificina que o país propaga globalmente, com justificativas apoiadas pela ONU em nome da pacificação”.
O roteiro foi escrito pelo próprio Alex Garland. No elenco, além de Kirsten Dunst, Wagner Moura e Stephen McKinley Henderson, há Cailee Spaeny e Jesse Plemons - marido da Kirsten Dunst – que faz uma participação não-creditada como um miliciano ultranacionalista e racista.
Sobre a contratação do brasileiro Wagner Moura para um dos papéis principais, Alex Garland disse que o viu pela primeira vez em “Narcos”, a série da Netflix na qual Wagner interpreta Pablo Escobar. Ele disse que quando o conheceu pessoalmente, logo se deram bem e que ele não teve dúvidas que era dele o papel. Seu jeito brincalhão e despojado e, ao mesmo tempo, caloroso e inteligente, era perfeito para o papel.
Duas curiosidades: o nome Lee dado à jornalista interpretada pela Kirsten Dunst é uma referência à Lee Miller, famosa fotojornalista da Segunda Guerra Mundial e o nome Jessie Cullen dado à aspirante a fotógrafa interpretada pela Cailee Spaeny é uma referência ao fotógrafo britânico Don McCullin.
O que disse a crítica: O filme recebeu as mais diversas avaliações. O site Público.PT deu nota 1 (sofrível); o site Omelete deu nota 2 (regular); o Plano Crítico deu 3 (bom); o site Cinematório deu nota 3,5 (muito bom); os sites Adoro Cinema e Cinema com Rapadura deram 4,5 (excelente) e, por fim, o site Esqueletos no Armário avaliou com 5 estrelas (obra-prima). Vamos ver o que disseram os dois extremos:
Luís Miguel Oliveira do site Público.PT, que avaliou com 1 estrela, ou seja, sofrível, escreveu: “Espalhafatoso e oportunista, ‘Guerra Civil’, de Alex Garland, só oferece sensacionalismo oco”. Para ele, o filme é como uma “atração de feira” que explora o voyeurismo.
Yuri Cesar Lima Correa do site Esqueletos no Armário, que avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima, disse que o filme recebeu diversas críticas negativas por terem achado que a trama não se mostrava “claramente posicionada no espectro político”, entretanto Correa acredita que não há necessidade disso pois uma obra deve “confiar na capacidade do espectador” de tirar suas conclusões. Ele elogiou o filme e o diretor e disse que achou o trabalho “coeso, tematicamente rico e energizante”, concluindo que a mensagem está clara: é um “filme antiguerra”.
O que eu achei: Assistir à “Guerra Civil” foi uma experiência e tanto. O filme terminou e eu fiquei me perguntando: afinal este é ou não um bom filme? Valeu a pena ter visto? Uma coisa que a princípio me incomodou - e cuja explicação fiquei buscando até o último minuto - foi não saber exatamente o motivo pelo qual os EUA estão em guerra. Alguns estados lutam para serem independentes, e isso é basicamente tudo o que você vai saber sobre esse conflito. O filme termina e o que fica claro é que o diretor evitou deliberadamente desenvolver esse tema por um único motivo: o filme não é sobre a guerra em si, mas sim sobre imprensa e jornalismo. Então essa decisão de manter tudo meio cifrado até o final, apesar de incômoda para quem assiste, me pareceu acertada, já que colocar tudo às claras faria o espectador se envolver ideologicamente com o filme, passando a torcer por um lado ou pelo outro, coisa que ele claramente queria evitar. Sendo um filme sobre jornalismo, eu creio que ele cumpre bem esse papel. A trama é organizada no formato de um road movie mostrando a vida do profissional de imprensa, seja ele repórter ou fotógrafo. No carro que segue viagem de Nova York até Washington estão quatro exemplares desses profissionais: uma veterana fotojornalista de guerra, um repórter aficionado em adrenalina, um idoso mas experiente jornalista e uma novata aspirante a fotógrafa. A viagem será longa já que eles terão que evitar as rodovias principais. Ao longo do trajeto você verá uma amostra daquilo que poderíamos chamar de “cidadão contemporâneo”: veremos os fanáticos extremistas que se organizam em grupos para eliminar os que não compartilham da mesma opinião, os indiferentes que vivem como se nada estivesse acontecendo e os malucos de pedra que se aproveitam do calor do momento para exercer sua agressividade, dentre outros tipos, devidamente ambientados numa situação de grande polarização como a que vivemos no mundo hoje. Sabemos que o jornalismo é essencial para a democracia, mas ao final do filme, depois de ver tudo o que eles passaram, fica a pergunta: se quem vai veicular essas informações tem interesses particulares a serem preservados e se quem vai consumir essas notícias é essa mesma população retratada no filme, será que valeu a pena? Vale a reflexão.