27.7.25

“Caminhos Cruzados” - Levan Akin (Suécia/Dinamarca/França/Turquia/Geórgia, 2024)

Sinopse:
Lia (Mzia Arabuli), uma professora aposentada da Geórgia, fica sabendo que sua sobrinha transgênero desaparecida (Tako Kurdovanidze) cruzou a fronteira e foi para a Turquia. Para encontrar a moça, Lia viaja para Istambul e explora as profundezas ocultas da cidade.
Comentário: Levan Akin (1979) é um cineasta sueco-georgiano. São dele os longas ”Katinkas Kalas” (2011) e “The Circle” (2015). Assisti dele o bom "E Então Nós Dançamos" (2019). Desta vez vou conferir “Caminhos Cruzados” (2024).
Alessandra Monterastelli da Folha SP nos conta que “Entre becos de predinhos coloridos e desbotados, uma senhora chamada Lia procura pela sua sobrinha. Suas roupas escuras e tradicionais chamam a atenção de algumas garotas que ocupam as vielas do bairro de Istambul, conhecido pela prostituição. O estranhamento é mútuo, assim como uma certa afeição disfarçada.
Tekla, a jovem procurada, é uma mulher transgênero que saiu de sua casa, na Geórgia, rumo à cidade turca em busca de liberdade. Ainda que nunca tenha sido aceita pela família, Lia prometeu no leito de morte de sua irmã, mãe de Tekla, que reencontraria a moça e a levaria de volta para casa. O desencontro geracional e a disputa pelas tradições culturais voltam a ser tema no novo filme de Levan Akin, ‘Caminhos Cruzados’ (...). ‘O ponto que quero passar com meu trabalho é que a tradição e a cultura não podem ser apropriadas por conservadores ou tradicionalistas. Elas são minhas tanto quanto suas’.
O frenesi causado por ‘E Então Nós Dançamos’, porém, levou o diretor a querer fugir da polarização entre personagens em ‘Caminhos Cruzados’. Foi assim que surgiu a ideia de narrar a jornada de Lia, que conforme busca pela sobrinha trans percebe que ela própria não se encaixa nos padrões sociais definidos para uma mulher de sua idade. Isso porque Lia não é casada e tampouco teve filhos. ‘Na Geórgia, a procriação é a coisa mais importante e mais divina que há’, diz o diretor. Mas, ao mesmo tempo, em que Lia tenta navegar com segurança por uma sociedade patriarcal, ela própria reproduz discursos preconceituosos aos quais foi submetida desde sempre. (...)
Retratar a prostituição foi uma escolha que surgiu após entrevistas de Akin com algumas mulheres transsexuais, que contaram ao diretor que a rota a Istambul era comum para muitas delas. ‘Estou apenas filmando o que vejo quando estou lá. Não foi uma escolha dramática ou narrativa. Elas estão ali e são vistas como cidadãs de segunda classe por muitas pessoas’.
Como fez em ‘E Então Nós Dançamos’, ao enquadrar os passos rápidos e delicados de Merab, que pingava suor para transmitir a virilidade requerida pela dança tradicional gregoriana, quase como se estivesse lutando contra si mesmo, Akin novamente se apega aos detalhes culturais e cotidianos para submergir quem assiste no contexto de seus personagens. Dessa vez são os formatos das janelas de vidros coloridos de habitações em Istambul, nos quais Lia entra e sai aflita, a mesa posta pelas prostitutas que vivem em comunidade, criando a própria família ou, ainda, na dança, que aparece novamente - mas, dessa vez, nos momentos em que Lia mais parece conectada à sua cultura, e não lutando contra ela.
‘Quando eu estava crescendo não havia filmes [LGBT] da região de onde sou’, diz Akin, que passou a adolescência assistindo às já poucas produções queer existentes, filmadas em sua maioria em países como França e Estados Unidos. ‘Eu exploro o tema de viver a vida como se deseja, sem dar importância ao que os outros pensam. E isso também é universal’”.
O que disse a crítica: Bruno Carmelo do site Meio Amargo avaliou com 3,5, ou seja, muito bom. Disse: “O roteiro demonstra certa maturidade ao explorar, da melhor maneira possível, o formato desgastado de world cinema aplicado à lógica LGBTQIA+. ‘Você tem certeza de que Tekla deseja ser encontrada?’, pergunta Evrim à dupla, que jamais havia cogitado a possibilidade de que a garota esteja muito bem, obrigado, em sua nova vida. Existe uma forma de respeito, ainda elegante e distanciado, neste mergulho entre o cinema popular e um cinema voltado à sensibilidade média da crítica internacional. Torna-se uma obra de poucos riscos estéticos, porém dotada de rara maestria dentro da fórmula proposta”.
Mattheus Goto da Veja SP avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “A força de ‘Caminhos Cruzados’ está nas sutilezas. O filme, dirigido pelo sueco Levan Akin (...) acompanha a busca de Lia (Mzia Arabuli) pela sobrinha Tekla. A senhora é encarregada de realizar o último desejo da finada irmã, de levar a jovem de volta para casa. (...) O longa aborda com delicadeza a realidade da transfobia e do arrependimento dos familiares. As diferentes camadas das personagens podem ser notadas graças às performances ricas, principalmente de Deniz e Mzia”.
O que eu achei: Se "E Então Nós Dançamos" (2019) era bom, este “Caminhos Cruzados” é ainda melhor. O sueco-georgiano Levan Akin acerta o tom ao mostrar a professora Lia, acompanhada do jovem vizinho Achi, fazendo de balsa o trajeto de Batumi, na Geórgia, a Istambul, na Turquia, para procurar Tekla, a sobrinha transgênero de Lia, que fugiu da mãe e da tia em busca de liberdade. De posse de um endereço falso eles terão que contar com a ajuda de uma advogada trans chamada Evrim para, quem sabe, levar a sobrinha de volta para a Geórgia. De uma delicadeza atroz, o filme termina numa espécie de delírio mostrando o preconceito como uma grande perda de tempo – e de pessoas – em nossas vidas. Um filme para ver e refletir.