7.12.25

“Vermiglio: A Noiva da Montanha” - Maura Delpero (Itália/França/Bélgica, 2024)

Sinopse:
Durante a Segunda Guerra Mundial, a vida de uma família no vilarejo de Vermiglio, nos Alpes Italianos, muda completamente com a chegada de um soldado desertor chamado Pietro (Giuseppe De Domenico). Ele se apaixona pela filha mais velha (Martina Scrinzi) do professor local (Tommaso Ragno) e isso mudará a vida de todos.
Comentário: Maura Delpero (1975) é uma cineasta italiana. São dela os documentários "Signori Professori” (2008) e “Nadea e Sveta” (2012) e o longa de ficção “Maternal” (2019). “Vermiglio - A Noiva da Montanha” (2025) é o primeiro filme que vejo dela.
Beatriz Izumino do Estadão nos conta que "Em dois momentos de 'Vermiglio - A Noiva da Montanha', três irmãs compartilham uma mesma cama, uma pequena bolha de intimidade prestes a se romper. Quando Lucia, papel de Martina Scrinzi, se casar, ela trocará o leito das crianças pelo de adulta, com o marido.
É o inverno de 1944, e não fossem os ocasionais aviões rasgando o ar entre as montanhas Dolomitas, onde a Itália e a Áustria se confundem, a Segunda Guerra Mundial seria sentida somente pelas ausências que provoca. Numa vila sem jovens - foram todos para o front - Lucia, a filha mais velha da família Graziadei, age rapidamente, mas sem malícia, para conquistar a afeição de Pietro, interpretado por Giuseppe de Domenico, soldado siciliano desertor que chega a Vermiglio carregando o primo dela, Attilio, personagem de Santiago Fondevila Sancet, nos ombros.
Apesar dos arroubos de ousadia, Lucia não é mulher de grandes ambições. Mudar-se para o quarto ao lado com Pietro e começar uma família bastam para substituir sua expressão tímida por um sorriso constante. 'Lucia não é garota da cidade', diz seu pai, Cesare, vivido por Tommaso Ragno, 'ela precisa do céu'. Flavia a mais nova, curiosa e observadora, é escolhida pelo pai, professor, para continuar os estudos em Trento. Entre as duas, Ada, incapaz de se destacar apesar de todos os seus esforços, se dedica com igual fervor à devoção religiosa - diz não querer engravidar para não ter que ficar sem ir à igreja - e aos pequenos pecados ao seu dispor.
Maura Delpero, diretora e roteirista, conta ter encontrado inspiração para o filme em um sonho, em que seu pai, já morto, ia a Vermiglio e lhe trazia a história debaixo do braço. Para escrever o roteiro, Delpero diz ter passado meses na casa da avó no mesmo vilarejo, inventando e recriando as circunstâncias da infância do pai. O resultado é um filme bem vivido - pode-se imaginar trajetórias semelhantes nos diferentes povoados, famílias transformadas pela guerra sem nunca ter visto uma bomba - e tátil, cada canto da tela contando séculos de história.
(...) O elenco é quase todo totalmente inexperiente, à exceção de Ragno, De Domenico e Roberta Rovelli, que interpreta a matriarca da família. Scrinzi e principalmente Potrich, descoberta em uma escola rural, se destacam como duas jovens tomando o controle que podem sobre suas vidas ante as limitações socialmente impostas.
Talvez pela afinidade de Delpero por histórias femininas - seus dois longas anteriores, o documentário 'Nadea e Sveta' e o ficcional 'Maternal', têm protagonistas mulheres e a maternidade como foco -, Pietro é opaco a ponto não ter personalidade. É certo que o siciliano fala um dialeto diferente do restante da vila, mas nem o casamento revela nada sobre ele à audiência ou à esposa. Ao chegar ao final do filme, após um ano de história, só há uma nova informação, determinante e indiscretamente telegrafada, mas não menos trágica.
Premiado com o Leão de Prata do Festival de Veneza em 2024 por júri presidido por Isabelle Huppert e com Kleber Mendonça Filho, 'Vermiglio - A Noiva da Montanha' foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e escolhido para representar a Itália no Oscar. Também fez parte da programação da 48ª Mostra de Cinema de São Paulo.
O longa também conta entre seus fãs com a diretora neozelandesa Jane Campion, que publicou carta de apoio a sua campanha em janeiro passado. 'Este filme enfeitiçou-me', escreveu a autora de 'O Piano' e 'O Brilho de uma Paixão'. 'Vermiglio' é um presente'."
O que disse a crítica 1: Mattheus Goto da Revista Veja avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Escreveu: "É um belo retrato de costumes, que não surpreende, mas entrega boa verossimilhança, com figurinos de época e a emoção do romance".
O que disse a crítica 2: Bruno Carmelo do site Meio Amargo avaliou com 4,5 estrelas, ou seja, excelente. Disse: "Delpero foge às armadilhas do final feliz e do ensinamento por meio da tragédia, preferindo levantar questionamentos a respondê-los. Tudo e nada se resolve na vida destas mulheres - não há espaço nem para alívio, nem para o pesar. Qualquer emotividade resta presa na garganta, e aí reside o verdadeiro retrato da violência de gênero nesta Itália longínqua, que certamente dialoga com o país no século XXI. As redenções e reconstruções individuais permanecem no plano de um horizonte distante, graças à preocupação da autora em se ater a um realismo palpável (ao invés de uma idealização ou uma solução mágica dos conflitos). Deste modo, o posicionamento crítico reside na proposta de reflexão, ao invés de uma purificação via sentimentos e emoções. 'Vermiglio' cresce na recusa ao melodrama, e se fortalece na condução austera de seu posicionamento narrativo e ideológico, da primeira à última cena. Um filme de maestria ímpar na direção, além de impecável coesão e coerência".
O que eu achei: Esqueça as famílias desbocadas e barulhentas do sul da Itália pois este filme se passa em Vermiglio, uma vila alpina situada no Alto Trentino, norte da Itália, onde a neve é paisagem constante, as pessoas são calmas, introvertidas e a religião faz tudo parecer pecado. É nesse ambiente que se desenrola a história da noiva da montanha: Lucia, a filha mais velha da família Graziadei, que se apaixona por Pietro, um soldado desertor que chega à vila carregando seu primo Attilio nos ombros. A Segunda Guerra Mundial ainda não acabou, mas eles resolvem abandonar o front. A partir desse encontro aparentemente simples, Maura Delpero constrói um drama silencioso e profundamente humano, que observa com delicadeza as escolhas, os desejos contidos e as pressões morais que recaem, sobretudo, sobre as mulheres daquele lugar. Nem é preciso saber que o longa é dirigido por uma mulher para perceber a feminilidade e a sensibilidade que atravessam cada cena. Há um cuidado quase táctil no modo como a diretora acompanha Lucia, suas inquietações, seus silêncios e as pequenas rupturas diante das expectativas impostas pela família e pela religião. A fotografia é simplesmente maravilhosa: a paisagem gelada das montanhas, a rusticidade das casas e a luz suave dos interiores criam quadros de rara beleza, que por si só já justificariam a experiência. Cada plano parece composto para reforçar o contraste entre a grandiosidade da natureza e a pequenez dos dilemas humanos. O único problema do filme é que ele se arrasta um pouco mais do que deveria em alguns momentos. Os longos silêncios, que em muitos trechos são potentes e expressivos, às vezes passam do ponto, assim como os muitos sussurros que acabam suavizando demais certas tensões dramáticas. Não fosse isso, "Vermiglio: A Noiva da Montanha" seria perfeito. De qualquer forma é um encanto de filme: triste, contido, profundamente bonito e tocante, um filme sobre palavras não ditas e sobre verdades encobertas.