6.12.25

"David Crosby: Esse É Meu Nome" - A. J. Eaton (EUA, 2019)

Sinopse:
Com honestidade, autoanálise, arrependimento, medo, exuberância e uma crença inabalável na família e na natureza transformadora da música, o cantor e compositor David Crosby compartilha sua jornada de vida.
Comentário: Ella Taylor do site NPR nos conta que "Se piscar, você pode perder um trecho precioso de uma reportagem (...) sobre o roqueiro David Crosby, das bandas The Byrds dos anos 60 e das intermináveis ​​e autodestrutivas combinações de Crosby, Stills, Nash & Young. Saindo da prisão por porte de arma e abuso de drogas em meados dos anos 80, Crosby - sem seu característico bigode de morsa, gorro de tricô e carisma arrogante - poderia facilmente ser confundido com um balconista de baixo escalão, de camisa social e calça discreta, com um cinto marcando uma barriga saliente. Acenando alegremente para a imprensa, Crosby lhes dá uma declaração sobre estar pronto para seguir em frente com sua música e uma vida mais saudável.
'David Crosby: Esse É Meu Nome' mostra principalmente Crosby contando como sua reabilitação não foi um processo linear. Mas o deslize no figurino que vemos naquele trecho é engraçado, chocante e revelador, e não apenas por expor que, no caso de estrelas pop, o guarda-roupa define o homem. Naquele momento, sem o apoio de seu estilo hippie, Crosby regride à criança desajeitada e ignorada que ele sempre tentou superar.
Como costuma acontecer (veja, entre muitos outros, 'Rocketman'), um pai distante e inflexível paira sobre a luta constante do músico contra a raiva e a dor. Floyd Crosby era um premiado diretor de fotografia que filmou 'Matar ou Morrer', mas, como seu filho nos conta sem qualquer sinal de autopiedade, ele nunca disse aos seus dois filhos que os amava. Felizmente, havia uma mãe amorosa e apaixonada por música para compensar essa ausência. O resto se transformou em uma raiva descontrolada que quase matou Crosby, feriu inúmeros amigos e familiares, mas raramente encontrou espaço na atmosfera extasiante e contracultural de suas bandas.
Nesse sentido, o filme segue de perto o arco familiar dos documentários de rock, desde a infância conturbada, passando pela fama e fortuna precoces, até o mergulho nas drogas, bebidas e sexo, e finalmente evoluindo para uma vida melhor através do amor de uma boa mulher, neste caso, Jan, esposa de Crosby por muitos anos. A diferença é que, para Crosby, a redenção está sempre pendente. Acometido por doenças graves que frequentemente acompanham uma vida desregrada, Crosby sabe que provavelmente morrerá em breve com muitas pontas soltas e dívidas emocionais por pagar. Esse é o fio condutor principal de um filme que minimiza a participação de outros entrevistados e permite ou força Crosby a falar. Seja qual for o caso - seu interlocutor fora das telas é o jornalista de rock e diretor de cinema Cameron Crowe, que começou a escrever sobre Crosby quando ele tinha dezesseis anos e agora se considera um amigo - o músico não precisa de muito incentivo para se libertar do medo, da culpa e do arrependimento por todos os anos mal vividos.
Apaixonado, irônico, muitas vezes belicoso, mas sempre um contador de histórias sincero e conciso, o agora barbudo Crosby parece estar escrevendo seu próprio obituário autodepreciativo. Ele anseia pelo perdão das inúmeras mulheres que magoou e deseja - com mais ambivalência - reconciliar-se com seus antigos companheiros de banda, nenhum dos quais fala com ele até hoje. O filme nos leva à recente turnê de Crosby com uma banda de jovens músicos (um dos quais é Marcus, irmão do diretor A. J.  Eaton) para apresentar suas novas composições mais experimentais, um esforço para compensar décadas de tempo criativo desperdiçado. Enquanto isso, os cineastas também levam um Crosby divertidamente relutante por seus antigos lugares favoritos, entre eles a charmosa casa de campo em Laurel Canyon que inspirou a canção 'Our House', de Graham Nash. Embora essa música, junto com 'Teach Your Children Well' e outras do famoso álbum 'Déjà Vu', possam parecer hoje apenas canções cativantes de soft rock, em seu contexto elas funcionavam como hinos adorados por uma geração igualmente entusiasmada com a resistência política e a utopia hippie.
A canção 'Our House', com sua atmosfera de êxtase, foi escrita por Nash enquanto morava com Joni Mitchell, logo após o término conturbado do relacionamento dela com Crosby. Seu relato, agora mais lúcido, sobre seu comportamento nesse relacionamento revela o lado sombrio da contracultura que produziu os assassinatos de Manson, juntamente com os protestos de amor livre. A verdadeira jornada que vale a pena conferir neste filme é o relato brutal de Crosby sobre seus anos de vício, as teorias da conspiração insanas que ele propagava para quem quisesse ouvir e para muitos que não queriam (um ex-companheiro de banda o descreve como 'insuportável', e Crosby não contesta), as mulheres que ele decepcionou e, pior, as que ele arrastou para seus próprios vícios.
A vida e uma esposa amorosa suavizaram as arestas de Crosby, mas, a seu favor, 'David Crosby: Esse É Meu Nome' não encerra a vida do músico com um final feliz e resignado. Perto do fim, há uma cena na cerimônia de iluminação da árvore de Natal de 2015 com o então presidente Obama, onde Crosby, Nash e Stephen Stills cantam 'Silent Night" completamente desafinados. A falta de sincronia é tão ridícula e tão comovente que você torce desesperadamente para que esses roqueiros afastados caiam na gargalhada ou se abracem em grupo, ou façam algo que os reúna novamente. Quando Crowe sugere aparecer na porta de Neil Young para pedir desculpas, a resposta impotente de Crosby pode te fazer chorar".
O que eu achei: Gostei muito do documentário “David Crosby: Esse É Meu Nome” (2019), dirigido por A. J. Eaton, sobretudo pela forma direta, íntima e quase confessional com que apresenta uma figura lendária do rock que, até então, eu só conhecia superficialmente. Ao término da sessão, não só me senti mais próxima de sua trajetória, como também impactada pela complexidade de sua vida pessoal, suas contradições e o peso de suas escolhas ao longo da vida. Crosby aparece como um personagem fascinante, às vezes difícil, mas impossível de ignorar diante de tudo o que construiu – e destruiu – no caminho. Quem conduz a entrevista é ninguém menos que Cameron Crowe, renomado jornalista de rock e diretor de cinema, o que já confere ao documentário um tom de conversa entre velhos conhecidos, com espaço para lembranças, confissões e reflexões. Crosby relembra sua passagem por bandas fundamentais da história da música, como The Byrds, nos anos 60, e Crosby, Stills, Nash & Young, que ajudaram a moldar os rumos do folk rock e do rock politizado. Uma das maiores surpresas para mim foi descobrir o relacionamento profundo e conturbado que ele teve com Joni Mitchell, algo que eu não fazia a menor ideia antes de ver o filme e que revela outra camada, tanto artística quanto emocional, de sua história. Talvez o aspecto mais espantoso do documentário seja o próprio corpo de Crosby como testemunha de uma vida no limite. Viciado em cocaína e heroína durante praticamente toda a vida, ele mesmo afirma não saber como ainda está vivo. Com oito stents no coração e diabetes, sua lucidez aos 78 anos, idade que ele tinha à época das filmagens, soa quase como um milagre médico e ao mesmo tempo como um alerta silencioso. Poucos anos depois, em 2023, ele morreu aos 81 anos, o que transforma o documentário em uma espécie de testemunho final, ainda mais valioso e significativo. “David Crosby: Esse É Meu Nome” não é apenas um retrato de uma lenda do rock, mas uma reflexão crua sobre fama, vícios, arrependimentos, talento e sobrevivência. Uma experiência potente e sincera que quem for fã não deve perder. Excelente.