
Comentário: Pedro Almodóvar (1949) é um cineasta espanhol de quem já assisti 18 filmes, dentre eles os ótimos “Maus Hábitos” (1983) , "A Lei do Desejo" (1986), “Kika” (1993), "A Flor do Meu Segredo" (1995), “Tudo Sobre Minha Mãe” (1999), “Volver” (2006), “Abraços Partidos" (2009), "A Pele que Habito" (2011), "Os Amantes Passageiros" (2013), "Julieta" (2016), o curta “A Voz Humana” (2020) e “Madres Paralelas” (2021). Desta vez vou conferir “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” (1988).
Luiz Carlos Merten do Estadão nos conta que “Em 1988, Pedro Almodóvar já era um autor reconhecido internacionalmente, mas os EUA ainda resistiam a assimilar sua estética ‘marginal’. Desde os curtas e, depois, através de ‘Pepi, Luci e as Outras’, ‘Labirinto de Paixões’, ‘Maus Hábitos’, ‘O Que Fiz para Merecer Isso?’, ‘Matador’ e ‘A Lei do Desejo’, entre 1974 e 87, ao longo de 13 anos de muita provocação, Almodóvar tornou-se a representação da ‘movida’ no cinema. O termo designa a euforia que se seguiu à derrocada do franquismo. De repente, a Espanha, inebriada, descobriu a democracia.
A liberação dos costumes permitiu que Almodóvar e toda uma geração de gays espanhóis saíssem do armário. Ele saiu ruidosamente e, em ‘Labirinto de Paixões’, além de diretor e roteirista, reservou-se um papel, invadindo a tela, invadindo a tela vestido de mulher, de brincos e meia-arrastão. Ay, Pedrito! Os excessos foram só uma fase, não importa quando tenha durado. No já citado ano de 1988, algo se passou, e foi o primeiro passo de Almodóvar no rumo de seu amadurecimento como ‘autor’.
‘Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos’ marcou uma nova etapa do diretor. Lançado na América como ‘Women on the Verge of a Nervous Breakdown’, o filme seduziu o público e os críticos. Jane Fonda comprou os direitos para uma refilmagem que nunca saiu, mas seria feita por Herbert Ross. Em seu guia de filmes, Leonard Maltin diz que se trata de ‘uma ultrajante e altamente estilizada comédia sobre como uma subestrela reage ao ser abandonada pelo amante’. Como alguém pode ser uma subestrela? É simples. Carmen Maura trabalha com dublagem e, como tal, dá voz às maiores divas nas telas e TVs da Espanha, mas ela, pessoalmente, é pouco conhecida e pode até ser desconhecida do público.
Ao redor de Carmen Maura, que processa com espalhafato a dor da perda, movimenta-se uma colorida fauna de amigas e admiradores gays. Julieta Serrano, Maria Serrano, Antonio Banderas e uma atriz de feições tão peculiares que muita gente passou a definir Rossy De Palma como a versão ‘live action’ de um quadro cubista de Pablo Picasso. Em todo o mundo, o público embarcou na viagem das mulheres histéricas de Almodóvar, e embarcou é bem o termo. O filme dá a impressão de nunca estar parando. Estão sempre ocorrendo coisas. A extravagância dá o tom, o humor é incorreto, as situações (e os mal-entendidos e subentendidos) de sexo compõem boa parte do relato, mas o melhor de tudo, melhor até que Maura e sua crise, é o motorista do táxi com estofamento de zebra.
Almodóvar admitiu que se inspirou no motorista de táxi interpretado por Robert De Niro no filme de Martin Scorsese, de 1976, mas foi além. O taxi driver de Almodóvar transforma seu carro numa mistura de bar e drogaria. Quer um drink? Tem. Quer droga? Tem. Sem o táxi driver, não seria fiel ao original”.
O que disse a crítica 1: Jake Cole do site Slant avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “Uma carta de amor ao cinema e à Espanha pós-Franco, ‘Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos’ é uma comédia efervescente impulsionada em um ritmo maníaco, encharcada de cores tão ricas que parecem comestíveis. O fato de tantas palhaçadas da história serem mordazes por natureza é um testamento das sensibilidades distorcidas do escritor e diretor Pedro Almodóvar, que postula que o esteticamente trash e o moralmente suspeito são tão endêmicos aos prazeres da vida quanto o elegante e o ético. (...) Almodóvar filma uma cavalgada de absurdos com o frenesi que ela merece. Vermelhos profundos e verdes verdejantes imitam o esplendor Technicolor dos melodramas clássicos de Hollywood; os personagens parecem estar competindo conscientemente com as cores do filme, que praticamente queimam em seu brilho”.
O que disse a crítica 2: O site Cinema com Rapadura avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Escreveram: “Este é um dos filmes mais bonitos da carreira de Pedro Almodóvar (...), em que o cineasta faz a mistura perfeita do seu humor original e escrachado com um drama bonito e tocante, o drama do mal de amor. Esse lado mais sensível é sustentado ainda mais pela trilha sonora, com as músicas ‘Soy Infeliz’ e ‘Puro Teatro’, nas vozes das divas Lola Beltran e La Lupe, respectivamente. Assim como o clássico ‘O Garoto’, de Charles Chaplin, este é um filme que oscila entre o riso e as lágrimas, de uma forma natural que só é possível ser realizada com mestria”.
O que eu achei: “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” (1988) é um verdadeiro turbilhão de criatividade, humor e energia, uma das obras mais irresistíveis de Pedro Almodóvar. As 1h35m de duração do filme são absolutamente frenéticas: tudo acontece o tempo todo, sem respiro, sem sobra, sem tempo para o tédio. Cada cena parece impulsionar a próxima em um crescendo caótico delicioso, como se estivéssemos presos dentro de um redemoinho de emoções à flor da pele. Almodóvar constrói uma comédia de erros vibrante, colorida e exagerada na medida certa, em que o melodrama encontra o pastelão e a histeria vira estilo. Pepa, magistralmente interpretada por Carmen Maura, é a âncora perfeita desse caos, uma mulher abandonada que transborda desespero, força e vulnerabilidade, tudo ao mesmo tempo. Em volta dela, uma galeria de personagens memoráveis circula, tropeça, entra em colapso e se reconstrói em meio a gaspachos dopados, malas esquecidas, armações, traições e revelações inesperadas. O filme é uma explosão estética: cores intensas, cenários estilizados, figurinos marcantes e uma trilha que acompanha o ritmo alucinante da narrativa, bem ao estilo Almodóvar de ser. Mas, por trás da superfície farsesca, há também uma leitura sagaz sobre relações amorosas, isolamento, abandono e identidade feminina, temas que o cineasta conduz com ironia, sensibilidade e inteligência. “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” é cinema em seu estado mais puro e divertido: exagerado, teatral, profundamente humano e absolutamente contagiante. Uma comédia que prende do primeiro ao último minuto e prova que, quando tudo 'está à beira', é justamente aí que o cinema encontra sua forma mais vibrante.
Luiz Carlos Merten do Estadão nos conta que “Em 1988, Pedro Almodóvar já era um autor reconhecido internacionalmente, mas os EUA ainda resistiam a assimilar sua estética ‘marginal’. Desde os curtas e, depois, através de ‘Pepi, Luci e as Outras’, ‘Labirinto de Paixões’, ‘Maus Hábitos’, ‘O Que Fiz para Merecer Isso?’, ‘Matador’ e ‘A Lei do Desejo’, entre 1974 e 87, ao longo de 13 anos de muita provocação, Almodóvar tornou-se a representação da ‘movida’ no cinema. O termo designa a euforia que se seguiu à derrocada do franquismo. De repente, a Espanha, inebriada, descobriu a democracia.
A liberação dos costumes permitiu que Almodóvar e toda uma geração de gays espanhóis saíssem do armário. Ele saiu ruidosamente e, em ‘Labirinto de Paixões’, além de diretor e roteirista, reservou-se um papel, invadindo a tela, invadindo a tela vestido de mulher, de brincos e meia-arrastão. Ay, Pedrito! Os excessos foram só uma fase, não importa quando tenha durado. No já citado ano de 1988, algo se passou, e foi o primeiro passo de Almodóvar no rumo de seu amadurecimento como ‘autor’.
‘Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos’ marcou uma nova etapa do diretor. Lançado na América como ‘Women on the Verge of a Nervous Breakdown’, o filme seduziu o público e os críticos. Jane Fonda comprou os direitos para uma refilmagem que nunca saiu, mas seria feita por Herbert Ross. Em seu guia de filmes, Leonard Maltin diz que se trata de ‘uma ultrajante e altamente estilizada comédia sobre como uma subestrela reage ao ser abandonada pelo amante’. Como alguém pode ser uma subestrela? É simples. Carmen Maura trabalha com dublagem e, como tal, dá voz às maiores divas nas telas e TVs da Espanha, mas ela, pessoalmente, é pouco conhecida e pode até ser desconhecida do público.
Ao redor de Carmen Maura, que processa com espalhafato a dor da perda, movimenta-se uma colorida fauna de amigas e admiradores gays. Julieta Serrano, Maria Serrano, Antonio Banderas e uma atriz de feições tão peculiares que muita gente passou a definir Rossy De Palma como a versão ‘live action’ de um quadro cubista de Pablo Picasso. Em todo o mundo, o público embarcou na viagem das mulheres histéricas de Almodóvar, e embarcou é bem o termo. O filme dá a impressão de nunca estar parando. Estão sempre ocorrendo coisas. A extravagância dá o tom, o humor é incorreto, as situações (e os mal-entendidos e subentendidos) de sexo compõem boa parte do relato, mas o melhor de tudo, melhor até que Maura e sua crise, é o motorista do táxi com estofamento de zebra.
Almodóvar admitiu que se inspirou no motorista de táxi interpretado por Robert De Niro no filme de Martin Scorsese, de 1976, mas foi além. O taxi driver de Almodóvar transforma seu carro numa mistura de bar e drogaria. Quer um drink? Tem. Quer droga? Tem. Sem o táxi driver, não seria fiel ao original”.
O que disse a crítica 1: Jake Cole do site Slant avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “Uma carta de amor ao cinema e à Espanha pós-Franco, ‘Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos’ é uma comédia efervescente impulsionada em um ritmo maníaco, encharcada de cores tão ricas que parecem comestíveis. O fato de tantas palhaçadas da história serem mordazes por natureza é um testamento das sensibilidades distorcidas do escritor e diretor Pedro Almodóvar, que postula que o esteticamente trash e o moralmente suspeito são tão endêmicos aos prazeres da vida quanto o elegante e o ético. (...) Almodóvar filma uma cavalgada de absurdos com o frenesi que ela merece. Vermelhos profundos e verdes verdejantes imitam o esplendor Technicolor dos melodramas clássicos de Hollywood; os personagens parecem estar competindo conscientemente com as cores do filme, que praticamente queimam em seu brilho”.
O que disse a crítica 2: O site Cinema com Rapadura avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Escreveram: “Este é um dos filmes mais bonitos da carreira de Pedro Almodóvar (...), em que o cineasta faz a mistura perfeita do seu humor original e escrachado com um drama bonito e tocante, o drama do mal de amor. Esse lado mais sensível é sustentado ainda mais pela trilha sonora, com as músicas ‘Soy Infeliz’ e ‘Puro Teatro’, nas vozes das divas Lola Beltran e La Lupe, respectivamente. Assim como o clássico ‘O Garoto’, de Charles Chaplin, este é um filme que oscila entre o riso e as lágrimas, de uma forma natural que só é possível ser realizada com mestria”.
O que eu achei: “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” (1988) é um verdadeiro turbilhão de criatividade, humor e energia, uma das obras mais irresistíveis de Pedro Almodóvar. As 1h35m de duração do filme são absolutamente frenéticas: tudo acontece o tempo todo, sem respiro, sem sobra, sem tempo para o tédio. Cada cena parece impulsionar a próxima em um crescendo caótico delicioso, como se estivéssemos presos dentro de um redemoinho de emoções à flor da pele. Almodóvar constrói uma comédia de erros vibrante, colorida e exagerada na medida certa, em que o melodrama encontra o pastelão e a histeria vira estilo. Pepa, magistralmente interpretada por Carmen Maura, é a âncora perfeita desse caos, uma mulher abandonada que transborda desespero, força e vulnerabilidade, tudo ao mesmo tempo. Em volta dela, uma galeria de personagens memoráveis circula, tropeça, entra em colapso e se reconstrói em meio a gaspachos dopados, malas esquecidas, armações, traições e revelações inesperadas. O filme é uma explosão estética: cores intensas, cenários estilizados, figurinos marcantes e uma trilha que acompanha o ritmo alucinante da narrativa, bem ao estilo Almodóvar de ser. Mas, por trás da superfície farsesca, há também uma leitura sagaz sobre relações amorosas, isolamento, abandono e identidade feminina, temas que o cineasta conduz com ironia, sensibilidade e inteligência. “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” é cinema em seu estado mais puro e divertido: exagerado, teatral, profundamente humano e absolutamente contagiante. Uma comédia que prende do primeiro ao último minuto e prova que, quando tudo 'está à beira', é justamente aí que o cinema encontra sua forma mais vibrante.