
Comentário: Dea Kulumbegashvili (1986) é uma cineasta e escritora nascida na Geórgia, um país situado na Europa Oriental. Assisti dela seu longa de estreia, o ótimo "O Começo" (Beginning), de 2020. Desta vez vou conferir "April" (2025).
Segundo Alexandra Ferraz do site IndieLisboa, "Depois de 'Beginning', o primeiro filme da cineasta georgiana Dea Kulumbegashvili que conquistou uma vitória histórica em San Sebastián (Melhor Filme, Melhor Realizadora, Melhor Argumento e Melhor Atriz), a expectativa era imensa e Kulumbegashvili maravilha de novo: com a sua segunda obra, 'April', arrecadou em Veneza o Prémio Especial do Júri.
O título do filme antecipa um simbolismo inexorável: Abril é o mês da renovação, mas também o mês mais cruel. Através de uma linguagem cinematográfica única e meticulosa, Kulumbegashvili filma a beleza rural da Geórgia, o florescer de árvores e a mudança das estações índices da jornada de autodescoberta da médica obstetra Nina; e mergulha o espectador no estado emocional da sua personagem principal, criando uma atmosfera claustrofóbica e imersiva, onde é tangível a tensão constante em que vive esta mulher que se recusa a ser silenciada pela sociedade patriarcal.
A mais recente obra cinematográfica de Dea Kulumbegashvili desafia convenções e faz uma reflexão profunda sobre o aborto e as ramificações que essa decisão representa, colocando em primeiro plano a autodeterminação do corpo das mulheres, luta que se revela constante e premente.
Produzido por Luca Guadagnino, 'April' é um filme verdadeiramente arrebatador que deixa uma marca indelével e convida o espectador a repensar a autonomia e o direito das mulheres em controlarem os seus próprios corpos e destinos".
O que disse a crítica: Christy Lemire do site Rober Ebert avaliou com o equivalente a 3,75 estrelas, ou seja, muito bom. Disse: "É o não dito que fala por si em 'April', muitas vezes em tomadas longas e isoladas que duram muito além do ponto de desconforto. Isso é especialmente verdadeiro durante uma cena em que Nina realiza um aborto na mesa da cozinha para uma adolescente surda-muda. A câmera se mantém firme no tronco da jovem e na mão direita que sua mãe segura para confortá-la. O fato de esse procedimento ser necessário em tal cenário soa tanto como um lamento de angústia quanto como um grito de guerra contra a sociedade. Mas também há beleza para ser encontrada aqui, seja um campo de papoulas vermelhas brilhantes, o cinza intenso de uma tempestade que se aproxima ou um céu rosa-púrpura antes do amanhecer após uma noite longa e difícil".
Robledo Milani do site Papo de Cinema avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: "Enquanto o drama oficial se desenrola, entre investigações burocráticas e acusações que servem mais para tirar a responsabilidade de si e jogar no colo daquela que, enfim, acredita estar fazendo alguma (...) diferença, 'April' vai chegando ao fim. E Nina, pelo muito que esconde em si, por vezes incapaz de revelar estes segredos até para si mesma, vai se afundando num vazio crescente, fazendo dela mesma o monstro que a persegue. (...) Não será um filme que mudará o mundo. Mas talvez seja o passo necessário para que ao menos a discussão tenha início, e desse enfrentamento não se possa mais fugir".
O que eu achei: Por ter gostado muito do primeiro longa da cineasta georgiana Dea Kulumbegashvili – "Beginning" (2020) – me aventurei em encarar seu segundo filme "April" (2025) – que conta a história de uma competente obstetra chamada Nina que, após perder uma criança em um parto, é acusada de negligência, podendo ter sua vida revirada trazendo à tona sua atividade paralela: ajudar meninas e mulheres grávidas pobres do interior a realizar abortos não autorizados. Um ponto importante neste filme da Geórgia é que lá o aborto é oficialmente legal. Uma mulher pode solicitar a interrupção da gravidez até 12 semanas após seu início, mas, dada a veemência da oposição pública e política à prática, é improvável que encontre uma clínica que concorde em realizá-la. Trata-se, portanto, de um direito ilusório; sua ilusão de 'sim, mas não' é apenas uma das múltiplas maneiras pelas quais a vida das mulheres é restringida e limitada por um mundo que promete mais liberdade do que concede. O filme possui tomadas longas que duram muito além do ponto de desconforto. São imagens de paisagens com flores – afinal abril é o mês da primavera onde tudo renasce -, da chuva caindo ou de Nina fazendo algum procedimento. Muita gente nessas horas vai pensar em desistir, mas essas tomadas longas e paradas não são gratuitas e sim um retrato do marasmo local propositadamente criado para trazer desconforto. Há também no filme a figura de um 'monstro de lama', uma figura enigmática que aparece eventualmente e que representa a lama não só das estradas não asfaltadas onde, em dia de chuva, os carros atolam, mas especialmente a comunidade atolada no machismo, na misoginia e nos preconceitos religiosos e especialmente a vida da própria Nina que está atolada em problemas das mais variadas espécies. Caso você resista e siga em frente será presenteado com uma reflexão inteligente, íntima, visceral e comovente da sexualidade, do desejo, das pressões e repressões, dos condicionamentos e dos mandatos sociais. Assim como no longa anterior, Kulumbegashvili levanta questões perturbadoras sem trazer respostas tranquilizadoras, e supera com sucesso os desafios significativos que se propõe em um filme com múltiplas nuances. Um filme para ser visto sem pressa, com paciência e concentração. Boa pedida.
Segundo Alexandra Ferraz do site IndieLisboa, "Depois de 'Beginning', o primeiro filme da cineasta georgiana Dea Kulumbegashvili que conquistou uma vitória histórica em San Sebastián (Melhor Filme, Melhor Realizadora, Melhor Argumento e Melhor Atriz), a expectativa era imensa e Kulumbegashvili maravilha de novo: com a sua segunda obra, 'April', arrecadou em Veneza o Prémio Especial do Júri.
O título do filme antecipa um simbolismo inexorável: Abril é o mês da renovação, mas também o mês mais cruel. Através de uma linguagem cinematográfica única e meticulosa, Kulumbegashvili filma a beleza rural da Geórgia, o florescer de árvores e a mudança das estações índices da jornada de autodescoberta da médica obstetra Nina; e mergulha o espectador no estado emocional da sua personagem principal, criando uma atmosfera claustrofóbica e imersiva, onde é tangível a tensão constante em que vive esta mulher que se recusa a ser silenciada pela sociedade patriarcal.
A mais recente obra cinematográfica de Dea Kulumbegashvili desafia convenções e faz uma reflexão profunda sobre o aborto e as ramificações que essa decisão representa, colocando em primeiro plano a autodeterminação do corpo das mulheres, luta que se revela constante e premente.
Produzido por Luca Guadagnino, 'April' é um filme verdadeiramente arrebatador que deixa uma marca indelével e convida o espectador a repensar a autonomia e o direito das mulheres em controlarem os seus próprios corpos e destinos".
O que disse a crítica: Christy Lemire do site Rober Ebert avaliou com o equivalente a 3,75 estrelas, ou seja, muito bom. Disse: "É o não dito que fala por si em 'April', muitas vezes em tomadas longas e isoladas que duram muito além do ponto de desconforto. Isso é especialmente verdadeiro durante uma cena em que Nina realiza um aborto na mesa da cozinha para uma adolescente surda-muda. A câmera se mantém firme no tronco da jovem e na mão direita que sua mãe segura para confortá-la. O fato de esse procedimento ser necessário em tal cenário soa tanto como um lamento de angústia quanto como um grito de guerra contra a sociedade. Mas também há beleza para ser encontrada aqui, seja um campo de papoulas vermelhas brilhantes, o cinza intenso de uma tempestade que se aproxima ou um céu rosa-púrpura antes do amanhecer após uma noite longa e difícil".
Robledo Milani do site Papo de Cinema avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: "Enquanto o drama oficial se desenrola, entre investigações burocráticas e acusações que servem mais para tirar a responsabilidade de si e jogar no colo daquela que, enfim, acredita estar fazendo alguma (...) diferença, 'April' vai chegando ao fim. E Nina, pelo muito que esconde em si, por vezes incapaz de revelar estes segredos até para si mesma, vai se afundando num vazio crescente, fazendo dela mesma o monstro que a persegue. (...) Não será um filme que mudará o mundo. Mas talvez seja o passo necessário para que ao menos a discussão tenha início, e desse enfrentamento não se possa mais fugir".
O que eu achei: Por ter gostado muito do primeiro longa da cineasta georgiana Dea Kulumbegashvili – "Beginning" (2020) – me aventurei em encarar seu segundo filme "April" (2025) – que conta a história de uma competente obstetra chamada Nina que, após perder uma criança em um parto, é acusada de negligência, podendo ter sua vida revirada trazendo à tona sua atividade paralela: ajudar meninas e mulheres grávidas pobres do interior a realizar abortos não autorizados. Um ponto importante neste filme da Geórgia é que lá o aborto é oficialmente legal. Uma mulher pode solicitar a interrupção da gravidez até 12 semanas após seu início, mas, dada a veemência da oposição pública e política à prática, é improvável que encontre uma clínica que concorde em realizá-la. Trata-se, portanto, de um direito ilusório; sua ilusão de 'sim, mas não' é apenas uma das múltiplas maneiras pelas quais a vida das mulheres é restringida e limitada por um mundo que promete mais liberdade do que concede. O filme possui tomadas longas que duram muito além do ponto de desconforto. São imagens de paisagens com flores – afinal abril é o mês da primavera onde tudo renasce -, da chuva caindo ou de Nina fazendo algum procedimento. Muita gente nessas horas vai pensar em desistir, mas essas tomadas longas e paradas não são gratuitas e sim um retrato do marasmo local propositadamente criado para trazer desconforto. Há também no filme a figura de um 'monstro de lama', uma figura enigmática que aparece eventualmente e que representa a lama não só das estradas não asfaltadas onde, em dia de chuva, os carros atolam, mas especialmente a comunidade atolada no machismo, na misoginia e nos preconceitos religiosos e especialmente a vida da própria Nina que está atolada em problemas das mais variadas espécies. Caso você resista e siga em frente será presenteado com uma reflexão inteligente, íntima, visceral e comovente da sexualidade, do desejo, das pressões e repressões, dos condicionamentos e dos mandatos sociais. Assim como no longa anterior, Kulumbegashvili levanta questões perturbadoras sem trazer respostas tranquilizadoras, e supera com sucesso os desafios significativos que se propõe em um filme com múltiplas nuances. Um filme para ser visto sem pressa, com paciência e concentração. Boa pedida.