24.8.25

"Herege" - Scott Beck & Bryan Woods (EUA, 2024)

Sinopse:
Paxton (Chloe East) e Barnes (Sophie Thatcher) são duas jovens missionárias mórmons que dedicam seus dias a tentar atrair novos fiéis, encontram o Sr. Reed (Hugh Grant), um homem aparentemente receptivo e até mesmo inclinado a converter-se. Contudo, a acolhida amistosa logo se revela um engano, transformando a missão das jovens em uma perigosa armadilha.
Comentário: Scott Beck (1984) e Bryan Woods (1984) se conhecem desde o ensino fundamental em Bettendorf (Iowa), ficaram amigos e mais tarde experimentaram juntos a magia do cinema em uma série de filmes stop-motion com suas figuras de Star Wars. Já cursando o ensino médio, o trabalho em conjunto se intensificou e lançaram numerosos curtas-metragens e alguns longas. É deles a direção de "Nightlight" (2015), "A Casa do Terror" (2019) e "65: Ameaça Pré-Histórica" (2023), além do roteiro de "Um Lugar Silencioso" (2018) e "Boogeyman: Seu Medo é Real" (2023). "Herege" (2024) é o primeiro filme que vejo deles.
José Flávio Júnior da Gazeta do Povo nos conta que "'Herege' não é o típico terror psicológico que costuma sair dos estúdios da produtora A24 ('Hereditário', 'Pearl'). A começar pela escalação de Hugh Grant para o papel principal. O inglês de 64 anos fez fama estrelando comédias românticas, em papéis que não exigiam tanta carga dramática. Em 'Herege', ele encarna um - inicialmente - simpático e inofensivo senhor chamado Mr. Reed, que recebe duas missionárias da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e estabelece com elas uma conversa que evolui para situações de desespero. Definitivamente, não estamos falando de 'Um Lugar Chamado Nothing Hill' ou 'Um Grande Garoto'.
O que faz de 'Herege' um filme singular é a sua temática. Os diretores quarentões Scott Beck e Bryan Woods, que despontaram com [o roteiro do filme] 'Um Lugar Silencioso' (2018), almejavam criar uma obra que debatesse as religiões de maneira séria, porém dentro de um formato comercial, com a plateia se enchendo de pipoca. A maneira que eles encontraram de concretizar isso foi transformando as atrizes Sophie Tatcher e Chloe East nas missionárias Irmã Barnes e Irmã Paxton, que numa tarde chuvosa batem à porta de Mr. Reed e iniciam o papo teológico que sustenta o longa-metragem. Detalhe: tanto Sophie quanto Chloe cresceram como mórmons, o que empresta mais veracidade às personagens.
Quem está em busca de um horror convencional para passar o tempo tem tudo para se aborrecer com 'Herege'. Os cineastas realmente conceberam um filme que discute correntes religiosas e questões de fé como poucas vezes se viu no cinema - talvez porque a sala escura não seja o ambiente mais adequado para tais tópicos. Há alívios aqui e acolá durante o longo colóquio filosofal de 'Herege', como numa das primeiras cenas, quando Paxton reclama com Barnes que a crença delas foi ridicularizada pela turma de South Park no musical da Broadway 'The Book of Mormon' – o diretor Scott Beck é de Denver e ação do filme se passa na vizinha Boulder, duas cidades do Colorado, estado onde moram [os personagens de South Park] Stan, Kyle, Cartman e Kenny.
Os questionamentos de Mr. Reed vão indicando para as duas missionárias que elas estão diante de um estudioso das religiões. Pouco depois, de que aquele senhor tem profundo desdém pela forma como os fiéis escolhem o que seguir e até mesmo pela originalidade dos escritos presentes na Bíblia, Alcorão, Torá e no Livro dos Mórmons. Para exemplificar que um livro é meio que copiado do outro, ele usa a expressão 'iterações' (que seriam renovações baseadas em textos pré-existentes) e coloca para tocar um compacto de 'The Air that I Breathe', música que fez sucesso nos anos 1970 com a banda The Hollies, foi plagiada pelo Radiohead em 'Creep' nos anos 1990, que por sua vez foi plagiada por Lana del Rey em 'Get Free' recentemente. O mesmo processo macaqueado se daria com as religiões, defende o personagem de Hugh Grant.
À essa altura, Barnes e Paxton já sacaram que entraram numa fria e que precisarão cortar um dobrado para escapar da casa do esquisitão. (...)
Para embarcar na história, além de ter interesse no assunto, o espectador vai precisar comprar muita coisa e ser benevolente com o nível de conversa estabelecido entre Reed e as garotas. É compreensível que alguém não ache crível e sinta enorme enfado com o desenrolar dos diálogos e ações. Mas há detalhes que contribuem para o resultado final – a maioria das críticas tem sido superlativa com 'Herege', que também vem fazendo bonito nas bilheterias. Um capricho está na escolha de Sophie Tatcher para cantar o tema principal: 'Knockin’ on Heaven’s Door'. Além da composição de Bob Dylan ter tudo a ver com o enredo do filme, a versão interpretada pela atriz tem uma base muito semelhante à da canção 'Fade into You', do grupo indie Mazzy Star. Ou seja, é mais uma iteração dentro de uma obra que debate iterações".
O que disse a crítica: Alexandre Almeida do site Omelete avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Disse: "O suspense é muito bem construído em toda a primeira metade do filme, utilizando apenas três cenários da casa quase o tempo todo, e a excelente dinâmica entre Grant, East e Tatcher. Já na segunda parte, os diretores mergulham mais no terror e focam mais na busca das missionárias por respostas. O filme então perde um pouco da sua força, tentando se equilibrar em algumas reviravoltas que não são tão inventivas assim e abusando de elementos que exigem demais da suspensão de descrença do público sobre o mistério".
Rafael Felizardo do site Adoro Cinema avaliou com 4,5 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: "'Herege' é o roteiro mais desafiador que Beck e Woods já escreveram. O filme inicia com o pé em um debate religioso que de fato poderia ser repetitivo, mas o desenrolar rompe com as expectativas e mostra uma outra perspectiva em relação ao assunto. Aqui, não temos a religião mostrada sob o viés da irracionalidade, mas sim a irracionalidade de um homem que se julga descrente. E para finalizar, para não dizer que sou só elogios a 'Herege', posso testemunhar que há uma sequência de eventos no terceiro ato, mais especificamente no porão de Reed, que criativamente não me convence tanto. Ali, acredito que o longa destoe em relação ao resto da trama - mas não o suficiente para me deixar incomodado. Talvez, essa queda até faça com que a última cena do filme seja ainda mais especial - um desfecho que, ao meu ver, não poderia ser melhor".
O que eu achei: Curioso ver um filme de terror misturado com thriller psicológico protagonizado pelo Hugh Grant, que estamos acostumados a ver em comédias românticas. Aqui ele se mostra um excelente ator, fazendo o papel de um senhor simpático que vai receber em sua casa duas meninas missionárias da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, para lhe explicar melhor os preceitos dessa religião e, talvez, convertê-lo. O que elas não sabem é que ele é um herege, ou seja, uma pessoa que sustenta ideias, opiniões e doutrinas contrárias às admitidas por elas ou por qualquer outra religião. Descrente, ele não acredita em nada, e toda a verborragia da primeira metade do filme vem dele mostrando para as garotas que tudo é uma iteração pois cada sistema religioso foi criado como uma derivação do anterior, assim como uma música plagiada. Essa primeira metade do filme é ótima, pois além dela te fazer pensar muito, o clima de suspense vai crescendo já que as meninas começam a perceber que ele não é um senhor tão adorável assim. Uma pena que a segunda metade descambe para aquele típico filme de terror para adolescentes, com cenas inverossímeis e um final que fica aberto para interpretações, resultando num filme que até dá pra ver, mas que não é tão bom quanto a primeira parte prometia.