
Comentário: Payal Kapadia (1986) é uma cineasta indiana que estudou direção cinematográfica no Instituto de Cinema e Televisão da Índia. Seus curtas-metragens “Afternoon Clouds” (2017) e “And What Is the Summer Saying” (2018) estrearam respectivamente na Cinéfondation do Festival de Cannes e no Festival de Berlim. Estreou na direção de longas com “Uma Noite sem Saber Nada” (2021), exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, onde ganhou o prêmio de Melhor Documentário. “Tudo que Imaginamos como Luz” é seu segundo longa-metragem e o primeiro filme que vejo dela.
Maria Eduarda dos Anjos do site Vertovina nos conta que “O primeiríssimo personagem ao qual a plateia é apresentada em ‘Tudo Que Imaginamos Como Luz’ é Mumbai. Luzes fluorescentes e o vai-e-vem do povo fazem a noite parecer dia enquanto uma voz onisciente conta dos sonhos e as muitas promessas de uma vida melhor que dão alma àquela maré de gente. Do outro lado do mundo, é como se descrevessem São Paulo, Nova Iorque, ou Buenos Aires . É de se imaginar que alguém, na plateia (...) em uma outra cidade cosmopolita, também viu sua cidade em tela nos primeiros minutos da narrativa dirigida por Payal Kapadia.
Prabha é a enfermeira-chefe na cidade e está há mais de um ano sem falar com o marido, que foi para Alemanha trabalhar em uma fábrica. Ela divide apartamento com Anu, estudante interna do hospital que esconde um romance com um jovem muçulmano enquanto seus pais tentam arranjar o homem hindu perfeito para ela. Parvaty, amiga de Prabha há anos, entre milhares de papéis acumulados com os anos, não consegue achar nenhum documento que alegue que o terreno onde morou a vida toda é de fato de seu marido quando uma empreiteira ameaça tomá-lo.
Problemas materiais se misturam a conflitos pessoais conforme a cultura patriarcal da Índia ecoa na vida de três mulheres que batalham para se manter em uma das cidades mais populosas do mundo. Todas lidam com as consequências de estarem atreladas aos homens que escolhem como parceiros, um fator decisivo tanto nas miudezas da rotina quanto nos grandes acontecimentos da vida de cada uma, atravessando diferentes contextos e gerações.
Anu, jovem e no começo de um romance, esconde da família e dribla a ciência da companheira de apartamento para continuar seu namoro com um homem de outra fé; Prabha, já casada, foi abandonada pelo marido que seus pais lhe arranjaram, e caminha na linha tênue entre a dor e o ressentimento por, mesmo depois ceder às normas sociais, não ganhar o matrimônio que a prometeram. Parvaty, aparentemente mais velha, se tornou viúva após 22 anos e tem que lidar com a possibilidade de demolirem a casa que morou a vida toda porque seu marido não se preocupou em como a esposa ficaria uma vez que não estivesse mais lá. Aparecendo pouco ou sequer tendo rosto, esses homens são o símbolo de uma cultura patriarcal indiana que consegue se infiltrar pelas beiradas em qualquer situação e delimitar de forma significativa a vida de uma mulher, seja pelo pai, namorado ou marido – estando ele vivo ou não.
É interessante como as crenças misóginas ainda mediam até mesmo a relação das três indianas entre si, especialmente por parte de Prabha. Apesar de gostar de Anu, a julga pelo seu relacionamento e, quando questionada se não achava estranho se casar com alguém que nem conhecia, retruca dizendo que é como as coisas sempre foram. Presa na ambivalência de estar casada sem um marido, ela nega uma maior proximidade com um dos médicos do hospital e se resigna a esperar um homem com quem só fala em sua mente. Os resquícios desse machismo internalizado são sintomáticos, mas ineficazes quando comparados à lealdade e ao acolhimento nutridos quando não podem contar com ninguém para apoiá-las além delas mesmas. É em um local ensolarado e calmo, diferente da Mumbai exibida durante todo o filme, que as protagonistas exploram seus desejos de forma catártica e solidificam essa confiança que, mesmo que insuficiente para ser revolucionária, amortece a vida em uma sociedade que lhes nega uma vida de autonomia.
‘Tudo Que Imaginamos Como Luz’ conta de uma Índia fora do retrato orientalista, ultra colorido e focado na miséria, e tenta alcançar a audiência pela veia universalista da vida cosmopolita, que ganha individualidade por suas protagonistas, contexto cultural e localidade”.
O filme foi ganhou o Grande Prêmio no Festival de Cannes 2024. Maria Eduarda dos Anjos do site Vertovina nos conta que “O primeiríssimo personagem ao qual a plateia é apresentada em ‘Tudo Que Imaginamos Como Luz’ é Mumbai. Luzes fluorescentes e o vai-e-vem do povo fazem a noite parecer dia enquanto uma voz onisciente conta dos sonhos e as muitas promessas de uma vida melhor que dão alma àquela maré de gente. Do outro lado do mundo, é como se descrevessem São Paulo, Nova Iorque, ou Buenos Aires . É de se imaginar que alguém, na plateia (...) em uma outra cidade cosmopolita, também viu sua cidade em tela nos primeiros minutos da narrativa dirigida por Payal Kapadia.
Prabha é a enfermeira-chefe na cidade e está há mais de um ano sem falar com o marido, que foi para Alemanha trabalhar em uma fábrica. Ela divide apartamento com Anu, estudante interna do hospital que esconde um romance com um jovem muçulmano enquanto seus pais tentam arranjar o homem hindu perfeito para ela. Parvaty, amiga de Prabha há anos, entre milhares de papéis acumulados com os anos, não consegue achar nenhum documento que alegue que o terreno onde morou a vida toda é de fato de seu marido quando uma empreiteira ameaça tomá-lo.
Problemas materiais se misturam a conflitos pessoais conforme a cultura patriarcal da Índia ecoa na vida de três mulheres que batalham para se manter em uma das cidades mais populosas do mundo. Todas lidam com as consequências de estarem atreladas aos homens que escolhem como parceiros, um fator decisivo tanto nas miudezas da rotina quanto nos grandes acontecimentos da vida de cada uma, atravessando diferentes contextos e gerações.
Anu, jovem e no começo de um romance, esconde da família e dribla a ciência da companheira de apartamento para continuar seu namoro com um homem de outra fé; Prabha, já casada, foi abandonada pelo marido que seus pais lhe arranjaram, e caminha na linha tênue entre a dor e o ressentimento por, mesmo depois ceder às normas sociais, não ganhar o matrimônio que a prometeram. Parvaty, aparentemente mais velha, se tornou viúva após 22 anos e tem que lidar com a possibilidade de demolirem a casa que morou a vida toda porque seu marido não se preocupou em como a esposa ficaria uma vez que não estivesse mais lá. Aparecendo pouco ou sequer tendo rosto, esses homens são o símbolo de uma cultura patriarcal indiana que consegue se infiltrar pelas beiradas em qualquer situação e delimitar de forma significativa a vida de uma mulher, seja pelo pai, namorado ou marido – estando ele vivo ou não.
É interessante como as crenças misóginas ainda mediam até mesmo a relação das três indianas entre si, especialmente por parte de Prabha. Apesar de gostar de Anu, a julga pelo seu relacionamento e, quando questionada se não achava estranho se casar com alguém que nem conhecia, retruca dizendo que é como as coisas sempre foram. Presa na ambivalência de estar casada sem um marido, ela nega uma maior proximidade com um dos médicos do hospital e se resigna a esperar um homem com quem só fala em sua mente. Os resquícios desse machismo internalizado são sintomáticos, mas ineficazes quando comparados à lealdade e ao acolhimento nutridos quando não podem contar com ninguém para apoiá-las além delas mesmas. É em um local ensolarado e calmo, diferente da Mumbai exibida durante todo o filme, que as protagonistas exploram seus desejos de forma catártica e solidificam essa confiança que, mesmo que insuficiente para ser revolucionária, amortece a vida em uma sociedade que lhes nega uma vida de autonomia.
‘Tudo Que Imaginamos Como Luz’ conta de uma Índia fora do retrato orientalista, ultra colorido e focado na miséria, e tenta alcançar a audiência pela veia universalista da vida cosmopolita, que ganha individualidade por suas protagonistas, contexto cultural e localidade”.
O que disse a crítica: Luiz Santiago do site Plano Crítico avaliou com 3,5 estrelas, ou seja, muito bom. Disse: “O ato final do filme, quando a libertação (...) deveria assumir o protagonismo da narrativa, a diretora se estabelece em meias-palavras, numa composição e sequenciamento de cenas que confundem a ordem narrativa e deixam o espectador pensando na veracidade ou mentira daquilo que está se passando na tela. É um jogo perigoso de percepção, que é compensado com o passo adiante da protagonista, a definição de um limite e a escolha por romper com o grilhão pessoal que a prendia. A abordagem poética (...) guia o espectador até a saída definitiva desse ambiente, agora não mais num cenário urbano, mas em uma pequena cidade litorânea. O contato mais longo com a natureza, a diminuição do barulho, do número de pessoas, e a forma como as relações se reestabelecem ali, trazendo muitas surpresas, indicam um futuro positivo para todos. Como se a ‘luz do fim do túnel’ passasse da imaginação para a realidade, e então guiasse cada um para uma nova Era em suas vidas”.
Bruno Carmelo do site Meio Amargo avaliou com 4 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: “A maneira de observar mulheres e imaginar uma emancipação através da fantasia estabelece diálogo com inúmeras obras sul-americanas, (...) [mas] utiliza recursos próprios para estabelecer uma poesia simples e rigidamente calculada. Ela dissocia o som da imagem durante as conversas entre namorados; opta por uma trilha sonora lúdica em instantes cotidianos, aparentemente banais, e permite à montagem interromper as cenas sempre que alguma interação ameaça sublinhar emoções evidentes. O tempo e ritmo impressos pela edição se mostram exemplares. Além disso, nesta história, os homens são os verdadeiros tolos e ingênuos, que escrevem poemas e fazem juras de amor eterno, enquanto as mulheres, pragmáticas, escolhem o melhor futuro para si próprias”.
O que eu achei: O filme tem um ritmo um pouco mais lento do que eu gostaria, especialmente na sua primeira metade, mas é repleto de qualidades ao tentar mostrar, através da vida de três mulheres indianas, a tradição e os problemas dessa sociedade patriarcal. Uma delas mal conhece o marido com quem se casou num matrimônio arranjado; a outra está apaixonada por um muçulmano com quem tem que se encontrar às escondidas; e a mais velha, cujo marido já faleceu, não encontra um único documento feito por ele dizendo que a casa onde ela mora lhe pertence, o que a faz ter que deixar Mumbai, que é a quarta protagonista dessa história: uma cidade muito parecida com São Paulo ou outras grandes metrópoles, que ao mesmo tempo que oferece inúmeras oportunidades de emprego, massacra a existência de seus moradores com sua rotina sufocante. Um filme bastante contemplativo, feito por uma diretora mulher, que além de ter ganho o Grande Prêmio em Cannes, recebeu duas indicações ao Globo de Ouro (Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Diretor) e uma indicação ao Prêmio BAFTA na categoria Melhor Filme em Língua Não Inglesa. Uma pena as autoridades indianas não terem enviado o filme como seu representante no Oscar 2025, mas agora assistindo fica fácil entender que personagens mulheres que usam anticoncepcionais, que namoram ou mantém relações sexuais com homens de outra religião, que assumem cargos de liderança ou que questionam casamentos arranjados pelos pais, não passariam. O ritmo é extremamente lento, mas ainda assim vale ver pelos temas abordados e para se conhecer um pouco mais desse país tão distante.
Bruno Carmelo do site Meio Amargo avaliou com 4 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: “A maneira de observar mulheres e imaginar uma emancipação através da fantasia estabelece diálogo com inúmeras obras sul-americanas, (...) [mas] utiliza recursos próprios para estabelecer uma poesia simples e rigidamente calculada. Ela dissocia o som da imagem durante as conversas entre namorados; opta por uma trilha sonora lúdica em instantes cotidianos, aparentemente banais, e permite à montagem interromper as cenas sempre que alguma interação ameaça sublinhar emoções evidentes. O tempo e ritmo impressos pela edição se mostram exemplares. Além disso, nesta história, os homens são os verdadeiros tolos e ingênuos, que escrevem poemas e fazem juras de amor eterno, enquanto as mulheres, pragmáticas, escolhem o melhor futuro para si próprias”.
O que eu achei: O filme tem um ritmo um pouco mais lento do que eu gostaria, especialmente na sua primeira metade, mas é repleto de qualidades ao tentar mostrar, através da vida de três mulheres indianas, a tradição e os problemas dessa sociedade patriarcal. Uma delas mal conhece o marido com quem se casou num matrimônio arranjado; a outra está apaixonada por um muçulmano com quem tem que se encontrar às escondidas; e a mais velha, cujo marido já faleceu, não encontra um único documento feito por ele dizendo que a casa onde ela mora lhe pertence, o que a faz ter que deixar Mumbai, que é a quarta protagonista dessa história: uma cidade muito parecida com São Paulo ou outras grandes metrópoles, que ao mesmo tempo que oferece inúmeras oportunidades de emprego, massacra a existência de seus moradores com sua rotina sufocante. Um filme bastante contemplativo, feito por uma diretora mulher, que além de ter ganho o Grande Prêmio em Cannes, recebeu duas indicações ao Globo de Ouro (Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Diretor) e uma indicação ao Prêmio BAFTA na categoria Melhor Filme em Língua Não Inglesa. Uma pena as autoridades indianas não terem enviado o filme como seu representante no Oscar 2025, mas agora assistindo fica fácil entender que personagens mulheres que usam anticoncepcionais, que namoram ou mantém relações sexuais com homens de outra religião, que assumem cargos de liderança ou que questionam casamentos arranjados pelos pais, não passariam. O ritmo é extremamente lento, mas ainda assim vale ver pelos temas abordados e para se conhecer um pouco mais desse país tão distante.