
Comentário: Rodrigo Prieto (1965) é um cineasta mexicano. Um dos mais notórios diretores de fotografia da atualidade, trabalhou com realizadores como Ang Lee, Martin Scorsese, Alejandro González Iñárritu, Oliver Stone, Pedro Almodóvar e Spike Lee, e teve seu trabalho premiado em festivais como os de San Sebastián e Veneza. Foi indicado ao Oscar quatro vezes, por “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005), “Silêncio” (2016), “O Irlandês” (2019) e “Assassinos da Lua das Flores” (2023). Prieto dirigiu os curtas-metragens “Semblante” (2013) e “R&R” (2019). “Pedro Páramo” é seu primeiro longa-metragem.
Thales de Menezes da Folha SP nos conta que “Para a cultura mexicana, ‘Pedro Páramo’ é uma obra literária incontornável. Único livro de ficção escrito por Juan Rulfo, foi publicado em 1955 e soube acomodar o realismo fantástico impregnado nos livros latino-americanos do século 20 em uma história delirante e assustadora. (...) Quando a Netflix anunciou que estava se associando a produtores mexicanos para levar o romance ao streaming, parecia pouco provável que um diretor estreante assumisse uma tarefa tão importante. No entanto, Rodrigo Prieto, 68, assumiu a direção, mesmo sem nunca ter comandado um set de filmagem. Mas é impossível tratá-lo com alguém que ainda tenha muita coisa para aprender no cinema.
Prieto tem uma carreira de enorme sucesso no cinema americano como diretor de fotografia, com quatro indicações ao Oscar. (...) Ele acredita ter se divertido mais na direção. ‘Estava brincando em um playground muito maior. Não precisava mais brincar apenas com a minha equipe de fotografia. Agora eu estava com os atores, com quem faz os cenários, traz as roupas, enfim, muito mais gente para brincar. Mas, em compensação, cada dia de trabalho foi mais desafiador’.
Como chefe da brincadeira, Prieto escalou como diretor de fotografia o jovem Nico Aguilar. (...) A princípio, o diretor pensou em acumular a fotografia à direção geral, mas ‘Pedro Páramo’ se mostrou um projeto grandioso em muitos aspectos. Ele percebeu que precisaria se concentrar na condução de uma história que é originalmente bem fragmentada. As variações de espaço e tempo no filme remetem diretamente ao livro, no qual Juan Rulfo muda a narração de primeira para terceira pessoa constantemente e não deixa claro quem está contando cada trecho da história.
O filme conta a jornada de Juan Preciado, um homem que, para cumprir o último desejo de sua mãe antes de morrer, parte para a cidadezinha de Comala, no deserto mexicano. Quando Juan era pequeno, ela foi expulsa de lá pelo marido. Ao chegar à cidade, ou pelo menos o que resta dela, quase abandonada, Juan logo descobre que seu pai já morreu e praticamente todas as pessoas que ele encontra no local foram próximas dele e têm muito a reclamar de sua figura. Como define um personagem, Páramo é o rancor e o ódio na forma de um homem.
As conversas de Juan com os moradores começam a se alterar com imagens de tempos passados, mostrando um Páramo jovem se transformando nessa figura tão odiada. Enquanto Juan percorre a cidade, o clima angustiante vai se transformando numa ambientação de filme de terror. Logo quem assiste percebe que o verdadeiro personagem do livro é a cidade de Comala, uma espécie de purgatório, com mortos andando pelas ruas e conversando com Juan.
Fica evidente no filme que Prieto não quis tratar Páramo apenas como um homem mau, como um vilão; ele se preocupa em destrinchar um personagem complexo. (...) ‘Minha procura em ‘Pedro Páramo’ foi descobrir em que momento um jovem, que tinha namorada e era um sonhador, passou a fazer coisas terríveis. Como se transformou em alguém que manda matar uma pessoa com a mesma tranquilidade com a qual pede ovos no café da manhã’”.
O que disse a crítica: Victor Russo do site Filmes & Filmes avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Disse: “Sem o deslumbre visual de muitos filmes que fotografou, Rodrigo Prieto tem estreia com bom controle das atuações e domínio da fantasia realista com flertes no terror, mas sem deslanchar totalmente por ficar preso a uma estrutura meio literária”.
O site The Guardian também avaliou com 3 estrelas. Escreveram: “A multiplicidade gradualmente sobrecarrega esta versão (...). Não passamos tempo suficiente com o capataz blefador de Páramo, Fulgor (Hector Kotsifakis), a mendiga que virou cafetão Dorotea (Giovanna Zacarías) ou qualquer outro personagem para entender completamente o que eles representam neste afresco de degradação espiritual. E um Manuel García-Rulfo de pouca potência parece mal escalado como o buraco negro em seu centro; ele captura a triste ausência que é Páramo, mas não seu lado autocrático desenfreado. Estranhamente, dada a perspicácia visual de Prieto, o filme também é um pouco sem graça visualmente, exceto por um prólogo chamativo iniciado pela câmera afundando nas entranhas da terra”.
O que eu achei: O filme é uma adaptação do romance “Pedro Páramo” escrito em 1955 por Juan Rulfo, um dos autores mais importantes da literatura mexicana. O romance conta a história de um rapaz chamado Juan Preciado que, para cumprir o último desejo de sua mãe no leito de morte, sai em direção à cidade de Comala, no México, em busca de conhecer melhor seu pai Pedro Páramo, um implacável tirano da região. Esse livro é bastante cultuado pois, na verdade, mais do que contar a saga de Juan Preciado ou de Pedro Páramo, o que o livro nos traz é uma enorme parábola da vida mexicana ou, mais do que isso, da vida latino-americana. Quem leu o livro sabe que a história não é contada através de uma narrativa linear, mas sim através de fragmentos de vozes, seja na primeira pessoa de Juan Preciado, seja em terceira pessoa, nas inúmeras intervenções dos personagens com os quais Preciado vai cruzando nessa cidade entregue a fantasmas. É um livro que precisa de muita atenção, alguns retornos a páginas anteriores e releituras de trechos para ir compondo o pano de fundo dessa saga, pois presente e passado caminham juntos, assim como vivos e mortos. Isso explica a dificuldade que se tem em acompanhar o filme, pois aqui não existem retornos a páginas anteriores nem releituras de trechos. Sabemos que adaptar livros para as telas requer adaptar mídias, e aqui você pode assistir ao filme disposto, munido de toda a atenção do mundo, que a narrativa literária oriunda da mídia impressa transposta para o cinema simplesmente não funcionou. É como se a estrutura do livro não fizesse muito sentido na mídia audiovisual, faltando ao diretor e ao roteirista saber que de nada adianta seguir um livro à risca para que tudo dê certo. Então não se pode culpar o fato da narrativa de origem não ser linear, quantos filmes são apresentados assim e resultam excelentes. Enquanto no livro tudo funciona, no filme as tarefas de juntar as pontas e preencher as lacunas para criar sua própria percepção individual, acabam definhando ao longo de uma trama que se arrasta em sussurros. Com a fruição comprometida, o filme termina cansativo. Nem as boas fotografia e direção de arte, nem a ótima trilha sonora são suficientes. A alma do livro se perdeu na tradução para o cinema, finalizando numa divagação que tem pouco a dizer. Leia o livro que com certeza você sairá mais satisfeito pois em termos de cinema o resultado deixa muito a desejar. Mediano no máximo.
Thales de Menezes da Folha SP nos conta que “Para a cultura mexicana, ‘Pedro Páramo’ é uma obra literária incontornável. Único livro de ficção escrito por Juan Rulfo, foi publicado em 1955 e soube acomodar o realismo fantástico impregnado nos livros latino-americanos do século 20 em uma história delirante e assustadora. (...) Quando a Netflix anunciou que estava se associando a produtores mexicanos para levar o romance ao streaming, parecia pouco provável que um diretor estreante assumisse uma tarefa tão importante. No entanto, Rodrigo Prieto, 68, assumiu a direção, mesmo sem nunca ter comandado um set de filmagem. Mas é impossível tratá-lo com alguém que ainda tenha muita coisa para aprender no cinema.
Prieto tem uma carreira de enorme sucesso no cinema americano como diretor de fotografia, com quatro indicações ao Oscar. (...) Ele acredita ter se divertido mais na direção. ‘Estava brincando em um playground muito maior. Não precisava mais brincar apenas com a minha equipe de fotografia. Agora eu estava com os atores, com quem faz os cenários, traz as roupas, enfim, muito mais gente para brincar. Mas, em compensação, cada dia de trabalho foi mais desafiador’.
Como chefe da brincadeira, Prieto escalou como diretor de fotografia o jovem Nico Aguilar. (...) A princípio, o diretor pensou em acumular a fotografia à direção geral, mas ‘Pedro Páramo’ se mostrou um projeto grandioso em muitos aspectos. Ele percebeu que precisaria se concentrar na condução de uma história que é originalmente bem fragmentada. As variações de espaço e tempo no filme remetem diretamente ao livro, no qual Juan Rulfo muda a narração de primeira para terceira pessoa constantemente e não deixa claro quem está contando cada trecho da história.
O filme conta a jornada de Juan Preciado, um homem que, para cumprir o último desejo de sua mãe antes de morrer, parte para a cidadezinha de Comala, no deserto mexicano. Quando Juan era pequeno, ela foi expulsa de lá pelo marido. Ao chegar à cidade, ou pelo menos o que resta dela, quase abandonada, Juan logo descobre que seu pai já morreu e praticamente todas as pessoas que ele encontra no local foram próximas dele e têm muito a reclamar de sua figura. Como define um personagem, Páramo é o rancor e o ódio na forma de um homem.
As conversas de Juan com os moradores começam a se alterar com imagens de tempos passados, mostrando um Páramo jovem se transformando nessa figura tão odiada. Enquanto Juan percorre a cidade, o clima angustiante vai se transformando numa ambientação de filme de terror. Logo quem assiste percebe que o verdadeiro personagem do livro é a cidade de Comala, uma espécie de purgatório, com mortos andando pelas ruas e conversando com Juan.
Fica evidente no filme que Prieto não quis tratar Páramo apenas como um homem mau, como um vilão; ele se preocupa em destrinchar um personagem complexo. (...) ‘Minha procura em ‘Pedro Páramo’ foi descobrir em que momento um jovem, que tinha namorada e era um sonhador, passou a fazer coisas terríveis. Como se transformou em alguém que manda matar uma pessoa com a mesma tranquilidade com a qual pede ovos no café da manhã’”.
O que disse a crítica: Victor Russo do site Filmes & Filmes avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Disse: “Sem o deslumbre visual de muitos filmes que fotografou, Rodrigo Prieto tem estreia com bom controle das atuações e domínio da fantasia realista com flertes no terror, mas sem deslanchar totalmente por ficar preso a uma estrutura meio literária”.
O site The Guardian também avaliou com 3 estrelas. Escreveram: “A multiplicidade gradualmente sobrecarrega esta versão (...). Não passamos tempo suficiente com o capataz blefador de Páramo, Fulgor (Hector Kotsifakis), a mendiga que virou cafetão Dorotea (Giovanna Zacarías) ou qualquer outro personagem para entender completamente o que eles representam neste afresco de degradação espiritual. E um Manuel García-Rulfo de pouca potência parece mal escalado como o buraco negro em seu centro; ele captura a triste ausência que é Páramo, mas não seu lado autocrático desenfreado. Estranhamente, dada a perspicácia visual de Prieto, o filme também é um pouco sem graça visualmente, exceto por um prólogo chamativo iniciado pela câmera afundando nas entranhas da terra”.
O que eu achei: O filme é uma adaptação do romance “Pedro Páramo” escrito em 1955 por Juan Rulfo, um dos autores mais importantes da literatura mexicana. O romance conta a história de um rapaz chamado Juan Preciado que, para cumprir o último desejo de sua mãe no leito de morte, sai em direção à cidade de Comala, no México, em busca de conhecer melhor seu pai Pedro Páramo, um implacável tirano da região. Esse livro é bastante cultuado pois, na verdade, mais do que contar a saga de Juan Preciado ou de Pedro Páramo, o que o livro nos traz é uma enorme parábola da vida mexicana ou, mais do que isso, da vida latino-americana. Quem leu o livro sabe que a história não é contada através de uma narrativa linear, mas sim através de fragmentos de vozes, seja na primeira pessoa de Juan Preciado, seja em terceira pessoa, nas inúmeras intervenções dos personagens com os quais Preciado vai cruzando nessa cidade entregue a fantasmas. É um livro que precisa de muita atenção, alguns retornos a páginas anteriores e releituras de trechos para ir compondo o pano de fundo dessa saga, pois presente e passado caminham juntos, assim como vivos e mortos. Isso explica a dificuldade que se tem em acompanhar o filme, pois aqui não existem retornos a páginas anteriores nem releituras de trechos. Sabemos que adaptar livros para as telas requer adaptar mídias, e aqui você pode assistir ao filme disposto, munido de toda a atenção do mundo, que a narrativa literária oriunda da mídia impressa transposta para o cinema simplesmente não funcionou. É como se a estrutura do livro não fizesse muito sentido na mídia audiovisual, faltando ao diretor e ao roteirista saber que de nada adianta seguir um livro à risca para que tudo dê certo. Então não se pode culpar o fato da narrativa de origem não ser linear, quantos filmes são apresentados assim e resultam excelentes. Enquanto no livro tudo funciona, no filme as tarefas de juntar as pontas e preencher as lacunas para criar sua própria percepção individual, acabam definhando ao longo de uma trama que se arrasta em sussurros. Com a fruição comprometida, o filme termina cansativo. Nem as boas fotografia e direção de arte, nem a ótima trilha sonora são suficientes. A alma do livro se perdeu na tradução para o cinema, finalizando numa divagação que tem pouco a dizer. Leia o livro que com certeza você sairá mais satisfeito pois em termos de cinema o resultado deixa muito a desejar. Mediano no máximo.