28.4.25

“O Fundo do Coração” - Francis Ford Coppola (EUA, 1981)

Sinopse:
 
No dia quatro de julho, Frannie (Terri Garr) e Hank (Frederick Forrest), um casal que vive nos arredores de Las Vegas, completam cinco anos juntos. Eles planejam comemorar, só que ao invés disso, brigam e terminam tudo. Mesmo com o recente fim do relacionamento, os dois resolvem sair à procura de novos parceiros: Frannie conhece um cantor e garçom (Raul Julia) e Hank se envolve com uma bela artista de circo (Nastassja Kinski). O problema é que eles ainda se amam.
Comentário: Francis Ford Coppola (1963) é um produtor, roteirista e cineasta ítalo-norte-americano. É filho do compositor Carmine Coppola, pai da cineasta Sofia Coppola e avô da também cineasta Gia Coppola, além de ser tio do Nicolas Cage e irmão da atriz Talia Shire. Já foi indicado 14 vezes ao Oscar e venceu 5 vezes. Já assisti dele 9 filmes: as obras-primas "O Poderoso Chefão" (1972) e "Apocalypse Now" (1979), os excelentes "O Poderoso Chefão - Parte 2" (1974) e "Drácula de Bram Stocker" (1992), os bons "Agora Você é um Homem" (1966), "O Poderoso Chefão - Parte 3" (1990) e "O Poderoso Chefão – Desfecho: A Morte de Michael Corleone" (2020), o mediano "Demência 13" (1963) e o não tão interessante "Tetro" (2009).
Desta vez vou conferir “O Fundo do Coração” (1981) cuja trama se passa em Las Vegas, no dia 4 de julho. Frannie e Hank trocam presentes e preparam-se para comemorar o quinto ano da sua relação. Após uma discussão, Frannie sai de casa e instala-se no apartamento da sua amiga Maggie. Hank vai ter com Moe, o seu sócio na pequena empresa de ferro velho. Os dois passeiam pela cidade e Hank acaba se envolvendo com Leila, uma bela equilibrista de circo, enquanto Frannie se envolve com Ray. Na manhã seguinte, Hank tenta convencer Frannie a voltar para casa, mas ela está decidida a tomar o avião para Bora-Bora.
Segundo o site da RTP - Rádio e Televisão Portuguesa, “no início dos anos 80, Francis Ford Coppola quase foi à falência com a produção de ‘O Fundo do Coração’, um filme (...) que recria as velhas histórias românticas e encantadas da Era Dourada de Hollywood. Trata-se de uma fantasia romântica em tom de opereta moderna, mas profundamente alicerçada na nostalgia e na memória do clássico cinema americano. Coppola gastou uma fortuna em décors delirantes e criou uma das mais notáveis extravagâncias cinematográficas da década. Absolutamente deslumbrante na sua dimensão visual e estética e construída com tecnologia revolucionária para a época, ‘O Fundo do Coração’ é, no limite, um ato de pura paixão cinematográfica”.
André Cruz Martins do Diário de Notícias nos conta que assim como “Apocalipse Now” (1979) que teve duas remontagens; “O Fundo do Coração” (1981) também já conta hoje com três versões: a original com 103 minutos, a versão de 2003 com 98 minutos e uma nova versão restaurada em 4K datada de 2024 com 94 minutos.
Ele nos diz que na época da sua estreia, “O Fundo do Coração” era um verdadeiro OVNI industrial pois Coppola investiu nada mais nada menos que 26 milhões de dólares na produção do filme, “enquanto o mítico fenômeno de 1982 - ‘E.T., o Extraterrestre’ de Steven Spielberg - se fez com apenas 10,5 milhões”. Sendo que “o filme de Spielberg acumulou receitas equivalentes a 40 vezes o seu custo, enquanto ‘O Fundo do Coração’ rendeu 40 vezes menos do que o valor nele investido”. Isso nos mostra como Coppola não estava nem um pouco interessado em colocar números à frente da criação.
A Zoetrope Studios (originalmente chamada American Zoetrope), fundada em 1969 (e em funcionamento até hoje), em São Francisco, por Coppola e George Lucas, já havia ganho muito dinheiro com a saga “Star Wars”, iniciada em 1977, e já estava iniciando a franquia “Indiana Jones” (o primeiro filme data de 1981). Entretanto, já era claro que a Zoetrope era mais, muito mais, do que uma duplicação dos estúdios clássicos de Hollywood como MGM, Warner, Columbia, etc. Para Coppola, tratava-se mesmo de inventar um novo ambiente criativo, algo como uma grandiosa oficina artesanal, integrando os seus profissionais contratados (atores, argumentistas, realizadores) a trabalhar num espaço diversificado, cujos recursos de filmagem (também disponíveis para outros artistas) funcionariam como verdadeiros laboratórios experimentais com salas com exibições regulares, uma biblioteca e restaurantes.
Foi desse estúdio que saiu “uma coleção invejável de ‘filmes de autor’, materializando um conceito de pluralidade criativa capaz de atravessar as mais diversas fronteiras culturais e geográficas, como “THX 1138” (1971) do George Lucas, “Koyaanisqatsi” (1982) do Godfrey Reggio e “As Virgens Suicidas” (1999) da Sofia Coppola. Isto sem esquecer as participações em produções estrangeiras, por vezes assumindo também a sua distribuição nas salas dos EUA, como “Hitler: Um Filme da Alemanha” (1977) do Hans-Jürgen Syberberg, “Salve-se Quem Puder” (1980) do Godard e “Kagemusha” (1980) do Akira Kurosawa.
Então, investir em um filme como “O Fundo do Coração” fazia parte desse espírito de dar asas à imaginação e à criatividade, virasse isso um sucesso ou um desastre comercial. Uma pena que “O Fundo do Coração” caiu no segundo caso. Foi um desastre de bilheteria, fazendo o estúdio falir e entrar com pedido de concordata, passando os próximos dez anos trabalhando para pagar dívidas. Mas, pelo que diz a crítica, valeu a pena pois rendeu uma fábula moderna sobre os encontros e desencontros do amor, sob os reflexos feéricos do neon de Las Vegas e sob a inesquecível música de Tom Waits.
O que disse a crítica: Marcelo Müller do site Papo de Cinema avaliou com 4,5 estrelas, ou seja, excelente. Disse: “’O Fundo do Coração’ é uma celebração desbragada do amor. Coppola resvala no kitsch, banha seus personagens com os neons de uma Las Vegas ainda mais chamativa, fazendo-os transitar por cenários claramente fabricados. O casal protagonista vaga buscando felicidade em outros corpos, até finalmente entender que seguir os ditames do coração nem sempre é um caminho fácil e destituído de abdicação. (...) Em meio a alegorias, Coppola aborda as dificuldades de amar, contudo, ressaltando quão imprescindível e recompensador é o amor”.
João Lanari Bo do site Vertentes do Cinema avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Escreveu: “Alternando entre o banal e o sublime, a fita é absolutamente deslumbrante, iluminada, literal e metaforicamente, por uma luz que extrapola qualquer manual de fotografia – Vittorio Storaro, o genial iluminador – e embalada por uma soberba trilha sonora escrita por Tom Waits, cantada pelo áspero Waits e a límpida Crystal Gayle (...), como sugeriu um crítico, como Zeus e Hera fariam no Olimpo. O contraste entre personagens realistas e modestos com o cenário fantástico é a mola mestra que move a narrativa”.
O que eu achei: Interessante como Francis Ford Coppola é um cara versátil. Imaginar que “O Poderoso Chefão” (1972), "Apocalypse Now" (1979), "Drácula de Bram Stocker" (1992) e este musical romântico chamado “O Fundo do Coração” (1981) são do mesmo diretor é quase inacreditável, pois cada um desses filmes tem um estilo completamente diferente do outro. Mas Coppola, pelo que se conta, sempre gostou de assumir riscos - vide agora seu novo filme "Megalópolis" (2024) - e em “O Fundo do Coração” o que ele mais faz é se arriscar, criando uma história que fala de amor, investindo milhões para criar um cenário estilizado de Las Vegas, cheio de luz neon e muito colorido e promovendo um espetáculo musical que não tem medo de perder a adesão da plateia, como de fato ocorreu, amargando uma dívida milionária que quase levou seu estúdio Zoetrope à falência. O elenco também surpreende, pois como atores principais ele colocou os quase desconhecidos Frederick Forrest e Terri Garr, enquanto para os papéis coadjuvantes ele convocou astros de primeira linha como Raul Julia, Nastassja Kinski e Harry Dean Stanton. A trilha sonora ficou a cargo do ótimo Tom Waits, que divide os microfones com Crystal Gayle. Como eu não gosto tanto nem de musicais e muito menos de filmes românticos, não posso dizer que eu tenha achado esse longa um dos trabalhos mais notáveis do cineasta, mas a crítica especializada atualmente cultua esse filme. Li diversas críticas, todas muito elogiosas e acredito que ele só não tenha virado um hit constante da Sessão da Tarde pois há diversas cenas de nudez. O filme existe atualmente em três versões diferentes, assisti a de 2003 com duração de 98 minutos, mas dizem que há poucas diferenças entre elas. Se for ver, vale prestar atenção à cena em que Raul Julia coloca um vinil na vitrola: a música que toca é “The Carioca”, extraída do filme “Flying Down to Rio” (1933) que tinha no elenco Fred Astaire, Dolores del Rio e Gingers Rogers. Atenção também à cena do elevador pois os dois figurantes que aparecem são Carmine Coppola (compositor, pai do cineasta) e Italia Coppola (mãe do cineasta). Não é meu tipo preferido de filme, mas vai agradar quem gostar de romances açucarados. Se for seu caso se jogue.