
Comentário: Guel Arraes (1953), é um cineasta e diretor de televisão brasileiro. Filho do ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes, e pai da atriz Luisa Arraes, o cineasta atuou até 2018 como diretor de dramaturgia da Rede Globo, sendo portanto responsável por diversos seriados e minisséries exibidos pela emissora, dentre eles “Armação Ilimitada” (1986-1988) e “TV Pirata” (1988). Desde então, continua contribuindo, escrevendo e dirigindo projetos para a casa. Na sua filmografia para o cinema constam diversos filmes, dentre eles “A Comédia da Vida Privada” (1997), “O Auto da Compadecida” (2000), “Lisbela e o Prisioneiro” (2003) e “O Auto da Compadecida 2” (2024).
“Grande Sertão” (2024) é o primeiro filme que vejo dele. A trama é uma nova adaptação do clássico romance da literatura brasileira “Grande Sertão: Veredas” do escritor Guimarães Rosa. Esse romance já havia sido adaptado em 2017 por Bia Lessa numa peça de teatro que tinha o mesmo nome do livro. Esse espetáculo rodou o Brasil por 2 anos. Em 2023, a diretora lançou uma nova adaptação, dessa vez nos cinemas, intitulada “O Diabo na Rua, no Meio do Redemunho”. E agora temos o filme do Guel Arraes.
Marina Toledo da CNN nos conta que “O cineasta Guel Arraes transforma o clássico brasileiro em uma história contemporânea e mostra como as questões abordadas pelo autor mineiro em 1956 continuam atuais.
O roteiro escrito pelo diretor pernambucano e Jorge Furtado transpõe o universo da violência dos jagunços do sertão para o território das organizações criminosas de uma periferia urbana, cercada por muros gigantescos, em um tempo indeterminado. Em busca de fazer jus ao texto de Guimarães Rosa, o filme usufrui de elementos do teatro e cinema.
A trama é toda contada sob a ótica de Riobaldo (Caio Blat), que atua como narrador. Em um cenário distópico da favela brasileira, a história começa em sua infância, quando conheceu [o amigo] Diadorim (Luisa Arraes). Anos depois, ele se tornou um professor de escola pública, que fica no meio da guerra entre a facção e a polícia. Em meio a um tiroteio, ele reencontra o amigo e acaba entrando para o grupo com o intuito de protegê-lo. A dupla vive um relacionamento conflituoso, em que se desejam, mas Diadorim se passa por um homem para poder participar da guerra. Confuso com seus sentimentos, Riobaldo ainda assim promete lealdade eterna ao amigo. (...)
Outros personagens que ganham destaque ao longo da trama são: Joca Ramiro (Rodrigo Lombardi), o líder da facção, e Zé Bebelo (Luís Miranda), o coronel, que são vistos ora em lados opostos ora em comunhão; e Hermogénes (Eduardo Sterblitch), que representa ‘tudo de mal que há no mundo’.
A produção é uma sequência de ‘tiro, porrada e bomba’. A tensão e a violência permeiam toda a trama enquanto os personagens trocam a prosódia de Guimarães Rosa”.
Numa entrevista concedida à CNN o cineasta declarou que como o livro tem mais de 500 páginas, com muitas reflexões e comentários filosóficos, foi necessário reduzir bastante o material original. Ele acredita que, ao final, o filme deve retratar cerca de 20% do livro.
O que disse a crítica: O filme teve as mais diversas avaliações, variando de sofrível à obra-prima.
Inácio Araujo da Folha SP avaliou com 1 estrela, ou seja, ruim. Escreveu: “Desde que o primeiro plano do filme irrompe na tela, a sensação é de que em ‘Grande Sertão’ tudo será feito para impressionar o espectador. Como se trata da adaptação de um livro de Guimarães Rosa, pode-se saber que estamos diante de um produto dito de prestígio. Ou um ‘filme de arte’. O que vem a seguir confirma e aprofunda os temores que o plano de abertura sugere. (...) O [resultado] parece um esforço no sentido de caminhar da televisão ao teatro, o que não seria mau, caso o cinema não servisse apenas de ponte. Mas também um esforço para passar das comédias ligeiras à tragédia, de onde resulta um espetáculo tão atrapalhado, tão equivocado quanto pirotécnico”.
Janda Montenegro do site Cine POP por outro lado avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Ela enumerou diversas qualidades: “A primeira delas é conseguir adaptar uma obra extensa para um formato fílmico com menos de duas horas. O longa também consegue traduzir a guerra do sertanejo, dos cangaceiros versus os jagunços, os coronéis, as milícias do imaginário comum do interior do país para uma linguagem contemporânea, urbana, traçando um paralelo com a violência que ocorre hoje nas capitais metropolitanas do país. A caracterização dos personagens impressiona, tanto no figurino quanto na maquiagem/cabelo. E tudo isso ganha uma roupagem de tirar o fôlego com a belíssima fotografia do diretor Gustavo Hadba”.
O que eu achei: Estava curiosa para assistir à mais essa adaptação do livro “Grande Sertão: Veredas” de Guimarães Rosa. Esse romance já havia sido adaptado em 2017 por Bia Lessa numa peça de teatro que eu tive a oportunidade de assistir e cujo resultado era bem interessante. Nessas duas adaptações o ator Caio Blat interpreta o personagem Riobaldo, sendo ao mesmo tempo Riobaldo novo e o narrador Riobaldo velho, gigantesco em suas dúvidas, forças e fraquezas. Já no papel de Diadorim, na peça tínhamos Luiza Lemmertz, enquanto no filme temos Luisa Arraes, ambas muito bem. Porém peça de teatro e filme possuem abordagens bem diferentes. Enquanto a peça estava mais ancorada no texto, propiciando um mergulho na obra original, com os personagens submersos no grande sertão, no filme a trama transpõe o universo da violência dos jagunços para o território das organizações criminosas de uma periferia urbana, cercada por muros gigantescos, em um tempo indeterminado, transformando a obra numa espécie de versão contemporânea do livro de 1956. Com isso a adaptação não é apenas mais uma ilustração audiovisual do romance, mas sim uma alteração do romance para um Brasil contemporâneo através de uma edição frenética e bem mais estridente do que no livro ou na peça de teatro. Se no livro temos a narração da história, os conflitos entre os jagunços do sertão e as reflexões filosóficas nas quais Guimarães Rosa consegue sustentar o insustentável, o filme mantém o interessante relato do Riobaldo já velho, mantém também as muitas cenas de ação nas guerras entre as facções, mas a tarefa mais difícil, que seria a de transpor as reflexões, apresenta uma perda significativa em comparação com o romance (ou mesmo com a peça), pois o ritmo narrativo rápido, fragmentado e brutal se assemelha mais à um filme da saga "Mad Max", prejudicando o caráter metafísico da obra. Se ainda assim for ver, vale prestar atenção no ator Eduardo Sterblitch que interpreta o vilão Hermógenes. Mais ligado à comédia, ele já havia surpreendido a todos na série “Os Outros”, e aqui ele encarna o Diabo de maneira assustadora.
O roteiro escrito pelo diretor pernambucano e Jorge Furtado transpõe o universo da violência dos jagunços do sertão para o território das organizações criminosas de uma periferia urbana, cercada por muros gigantescos, em um tempo indeterminado. Em busca de fazer jus ao texto de Guimarães Rosa, o filme usufrui de elementos do teatro e cinema.
A trama é toda contada sob a ótica de Riobaldo (Caio Blat), que atua como narrador. Em um cenário distópico da favela brasileira, a história começa em sua infância, quando conheceu [o amigo] Diadorim (Luisa Arraes). Anos depois, ele se tornou um professor de escola pública, que fica no meio da guerra entre a facção e a polícia. Em meio a um tiroteio, ele reencontra o amigo e acaba entrando para o grupo com o intuito de protegê-lo. A dupla vive um relacionamento conflituoso, em que se desejam, mas Diadorim se passa por um homem para poder participar da guerra. Confuso com seus sentimentos, Riobaldo ainda assim promete lealdade eterna ao amigo. (...)
Outros personagens que ganham destaque ao longo da trama são: Joca Ramiro (Rodrigo Lombardi), o líder da facção, e Zé Bebelo (Luís Miranda), o coronel, que são vistos ora em lados opostos ora em comunhão; e Hermogénes (Eduardo Sterblitch), que representa ‘tudo de mal que há no mundo’.
A produção é uma sequência de ‘tiro, porrada e bomba’. A tensão e a violência permeiam toda a trama enquanto os personagens trocam a prosódia de Guimarães Rosa”.
Numa entrevista concedida à CNN o cineasta declarou que como o livro tem mais de 500 páginas, com muitas reflexões e comentários filosóficos, foi necessário reduzir bastante o material original. Ele acredita que, ao final, o filme deve retratar cerca de 20% do livro.
O que disse a crítica: O filme teve as mais diversas avaliações, variando de sofrível à obra-prima.
Inácio Araujo da Folha SP avaliou com 1 estrela, ou seja, ruim. Escreveu: “Desde que o primeiro plano do filme irrompe na tela, a sensação é de que em ‘Grande Sertão’ tudo será feito para impressionar o espectador. Como se trata da adaptação de um livro de Guimarães Rosa, pode-se saber que estamos diante de um produto dito de prestígio. Ou um ‘filme de arte’. O que vem a seguir confirma e aprofunda os temores que o plano de abertura sugere. (...) O [resultado] parece um esforço no sentido de caminhar da televisão ao teatro, o que não seria mau, caso o cinema não servisse apenas de ponte. Mas também um esforço para passar das comédias ligeiras à tragédia, de onde resulta um espetáculo tão atrapalhado, tão equivocado quanto pirotécnico”.
Janda Montenegro do site Cine POP por outro lado avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Ela enumerou diversas qualidades: “A primeira delas é conseguir adaptar uma obra extensa para um formato fílmico com menos de duas horas. O longa também consegue traduzir a guerra do sertanejo, dos cangaceiros versus os jagunços, os coronéis, as milícias do imaginário comum do interior do país para uma linguagem contemporânea, urbana, traçando um paralelo com a violência que ocorre hoje nas capitais metropolitanas do país. A caracterização dos personagens impressiona, tanto no figurino quanto na maquiagem/cabelo. E tudo isso ganha uma roupagem de tirar o fôlego com a belíssima fotografia do diretor Gustavo Hadba”.
O que eu achei: Estava curiosa para assistir à mais essa adaptação do livro “Grande Sertão: Veredas” de Guimarães Rosa. Esse romance já havia sido adaptado em 2017 por Bia Lessa numa peça de teatro que eu tive a oportunidade de assistir e cujo resultado era bem interessante. Nessas duas adaptações o ator Caio Blat interpreta o personagem Riobaldo, sendo ao mesmo tempo Riobaldo novo e o narrador Riobaldo velho, gigantesco em suas dúvidas, forças e fraquezas. Já no papel de Diadorim, na peça tínhamos Luiza Lemmertz, enquanto no filme temos Luisa Arraes, ambas muito bem. Porém peça de teatro e filme possuem abordagens bem diferentes. Enquanto a peça estava mais ancorada no texto, propiciando um mergulho na obra original, com os personagens submersos no grande sertão, no filme a trama transpõe o universo da violência dos jagunços para o território das organizações criminosas de uma periferia urbana, cercada por muros gigantescos, em um tempo indeterminado, transformando a obra numa espécie de versão contemporânea do livro de 1956. Com isso a adaptação não é apenas mais uma ilustração audiovisual do romance, mas sim uma alteração do romance para um Brasil contemporâneo através de uma edição frenética e bem mais estridente do que no livro ou na peça de teatro. Se no livro temos a narração da história, os conflitos entre os jagunços do sertão e as reflexões filosóficas nas quais Guimarães Rosa consegue sustentar o insustentável, o filme mantém o interessante relato do Riobaldo já velho, mantém também as muitas cenas de ação nas guerras entre as facções, mas a tarefa mais difícil, que seria a de transpor as reflexões, apresenta uma perda significativa em comparação com o romance (ou mesmo com a peça), pois o ritmo narrativo rápido, fragmentado e brutal se assemelha mais à um filme da saga "Mad Max", prejudicando o caráter metafísico da obra. Se ainda assim for ver, vale prestar atenção no ator Eduardo Sterblitch que interpreta o vilão Hermógenes. Mais ligado à comédia, ele já havia surpreendido a todos na série “Os Outros”, e aqui ele encarna o Diabo de maneira assustadora.