13.4.25

“O Castigo” - Matías Bize (Chile / Argentina, 2022)

Sinopse:
Deixado por dois minutos de castigo por mau comportamento, Lucas (Santiago Urbina), o filho de Ana (Antonia Zegers) e Mateo (Néstor Cantillana) desaparece. O casal precisará enfrentar vários sentimentos, tais como o medo e a culpa, para tentar encontrar o garoto entre a floresta e a estrada.
Comentário: Matías Bize (1979) é um cineasta chileno. Dirigiu seu primeiro longa-metragem, “Saturday” (2003), aos 23 anos. Na sequência, realizou “Na Cama” (2005) e “O Bom de Chorar” (2006), ambos aclamados em festivais internacionais. “A Vida dos Peixes” (2010) e “A Memória da Água” (2015) estrearam na Giornate degli Autori, em Veneza. Durante o confinamento da pandemia, fez “Mensagens Privadas” (2022). “O Castigo” (2022) é o primeiro filme que vejo dele.
Jonathan Holland do site Screen Daily nos conta que “O nono longa de Matías Bize continua suas investigações cinematográficas sobre as intimidades dos relacionamentos humanos, desta vez infundindo-os com uma nova urgência e suspense. A mão firme de Bize faz dele uma lição de tecnologia - uma que lhe rendeu o prêmio de direção em Málaga - enquanto o roteiro de Coral Cruz é uma viagem exaustiva, mas gratificante: os espectadores provavelmente tirarão mais proveito da experiência do que esperavam.
Grande parte do trabalho de Bize, como ‘A Memória da Água’ de 2015, que também lida com a perda de uma criança, se desenrola em tempo real. Como ‘Saturday’ de 2003, ‘O Castigo’ foi filmado em uma única tomada, usando uma única câmera. É uma estratégia de alto risco que surpreendentemente gera apenas alguns momentos longueurs e apressados; o filme foi filmado na íntegra em sete dias consecutivos (...).
Irritados com as artimanhas de seu filho de sete anos, Lucas (Santiago Urbina), seus pais Ana (Antonia Zegers) e Mateo (Nestor Cantillana) o deixaram em uma estrada rural e foram embora para assustá-lo e fazê-lo se comportar. Excessivo ou não, quando eles retornam depois de alguns minutos, o menino se foi. Por razões que mais tarde ficarão claras, Ana parece em choque e estranhamente passiva, mais do que em pânico, parada, enquanto Mateo mergulha na floresta, gritando inutilmente o nome de Lucas.
Sob a pressão dessa situação, as rachaduras rapidamente começam a aparecer. De quem foi a ideia de deixar Lucas lá? Há quanto tempo? Eles deveriam contar à mãe de Ana, com quem eles estão indo se encontrar? Por que Mateo sempre acaba sendo o policial bom, enquanto Ana é sempre a policial má? (Os espectadores que são pais podem estar familiarizados com esse debate em particular, e o filme fornece alguns bons momentos de contorcer as cadeiras.)
Os policiais de verdade aparecem, na forma da implacável e obstinada Sargento Salas (Catalina Saavedra), de modos lentos, mas cérebro rápido como um raio. Anna e Mateo, de forma patética, dão a ela uma versão falsa dos eventos para salvar a cara, preocupados em como a história pode se desenrolar nas notícias locais”. E isso obviamente terá consequências.
“A noite está chegando. As tensões que vêm se acumulando dentro de Ana, e portanto dentro do espectador, a empurram para um monólogo catártico e soberbamente entregue, com duração de cerca de dez minutos, revelando seus verdadeiros sentimentos sobre ser mãe - sentimentos confusos e complexos que são brilhantemente articulados pela roteirista Coral Cruz e renderizados por Antonia Zegers, as verdades caseiras estranhas saindo dos lábios de Ana de tal forma que atingem todos os tipos de acordes. (...) É um discurso que poderia facilmente parecer encenado, mas aqui ele emerge perfeitamente e naturalmente do momento anterior: fomos cuidadosamente preparados.
Juntar tudo isso em tempo real é um desafio, mas as cenas seguem umas às outras com tanta fluidez que nunca nos damos conta disso. A magia da tecnologia, enquanto isso, não é simplesmente exibicionista, porque empresta uma intensidade a ideias que são, afinal, dificilmente originais. Quando chegamos ao impressionante quadro final de ‘O Castigo’, estamos totalmente investidos na mãe de Lucas, em vez da criança em si, o que é uma grande conquista da parte de todos os envolvidos (...)”.
O que disse a crítica: Letícia Negreiros do site Vertentes do Cinema avaliou com 1 estrela, ou seja, sofrível. Disse: “Bize trabalha de forma arrastada as questões levantadas pelo roteiro de Coral Cruz. As nuances de feminilidade e maternidade se perdem também no plano sequência”.
O site Coletivo Crítico avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveram: “Adentrando camadas de diversos temas relacionados à maternidade (renúncias profissionais, divisão desigual de tarefas entre mulher e homem, amor incondicional), ‘O Castigo’ incomoda porque destapa dores profundas com as quais inúmeras mulheres se identificarão. (...) Um filme-desabafo que alerta o quanto nós, enquanto sociedade, precisamos desoprimir o papel das mães. Em qualquer configuração familiar, ser mãe é uma experiência única. Uma rede de apoio é extremamente necessária, mas uma realidade distante para muitas. Que pensemos em como podemos ajudar, ao invés de apontar o dedo, de longe, das nossas zonas de conforto”.
O que eu achei: Anunciado como tendo sido feito num único plano-sequência de 85 minutos, o longa conta a história de um casal que, para castigar o filho hiperativo, deixa o menino de 7 anos por dois minutos à beira de uma estrada. Quando eles voltam para resgatá-lo, o menino desapareceu. Difícil desgrudar os olhos desses 85 minutos de tensão que nos questiona, o tempo todo, se o castigo passou do ponto, se a culpa foi da mãe que teve a ideia de mandar ele descer do carro, se esse menino está vivo e vai voltar para casa ou não. Mas é no diálogo - muito bem escrito pela roteirista Coral Cruz e muito bem interpretado pela atriz Antonia Zegers (a mãe) - que se encontra a nata do filme: um oportuno debate sobre maternidade que nos faz refletir sobre como a sociedade machista se organizou jogando no colo da mulher a responsabilidade maior de cuidar da cria. É como se o fato dela engravidar, dar a luz e amamentar a condenasse a ser outra pessoa além de si mesma. Deixam-se gostos, preferências pessoais, empregos, carreiras, vontades, personalidades e passa-se a ser ‘mãe’, persona essa que deverá ser carregada para todo o sempre. Ao pai - excluindo-se aqui aqueles que desaparecem - cabe trabalhar fora, chegar em casa à noite quando a criança já está pronta pra dormir e passar os finais de semana levando ao cinema, ao jogo de futebol, ao passeio. O pai é um doce e a mulher a eterna carrasca culpada a quem cabe repreender e educar. Um filme obrigatório especialmente para quem tem filhos pois a vida doméstica precisa ser discutida urgentemente.