7.4.25

“Jeanne Dielman” – Chantal Akerman (Bélgica/França, 1975)

Sinopse:
Três dias na vida de uma mulher (Delphine Seyrig), uma dona de casa viúva e solitária, cujas tarefas incluem arrumar as camas, preparar o jantar para seu filho adolescente (Jan Decorte) e alguns truques para sobreviver. Lentamente, sua ritualizada rotina diária começa a desmoronar.
Comentário: Chantal Akerman (1950–2015) foi uma cineasta belga. Era também artista, atriz, roteirista, produtora e professora de cinema. Segundo a pesquisadora Gwendolyn Audrey, seu trabalho teve grande influência para o cinema feminista e Avant-Garde. Seu filme mais conhecido é “Jeanne Dielman” (1975), o primeiro que vejo dela.
Segundo matéria publicada no jornal O Globo em 2022, pela primeira vez um longa-metragem de uma mulher foi eleito o melhor filme da história pela revista de cinema Sight & Sound, editada pelo British Film Institute. Essa lista é elaborada desde 1952, sendo reorganizada a cada 10 anos pela publicação com 1600 jurados, entre cineastas, escritores, críticos e técnicos de cinema.
O texto diz: “O longa-metragem de 1972 está longe de ser desconhecido - já foi inclusive chamado pelo jornal The Guardian de ‘a primeira obra-prima feminina da história do cinema’. Ainda assim, a escolha chocou cinéfilos mais acostumados a ver longas como ‘Cidadão Kane’, ‘Um Corpo Que Cai’ ou "A Regra do Jogo" no topo. Na última lista, publicada em 2012, ‘Jeanne Dielman’ estava apenas em 35º lugar. O que explica essa ascensão meteórica nos últimos 10 anos? Sem dúvida um maior reconhecimento do cinema feito por mulheres. Tudo indica que a indústria do cinema busca repensar o universo predominantemente masculino das últimas listas.
Akerman tinha apenas 25 anos quando dirigiu o filme. Ela se tornaria uma das mais importantes cineastas francófonas pós-nouvelle vague, influenciando diretores como Gus Van Sant. No Brasil, nenhum de seus filmes estreou comercialmente enquanto ela esteve viva. Filha de uma sobrevivente do Holocausto, Akerman se suicidou em 2015.
‘Eu acredito que seja um filme feminista porque dá espaço a coisas que nunca, ou quase nunca, foram mostradas dessa forma, como os gestos diários de uma mulher’, disse certa vez a cineasta.
‘Jeanne Dielman’ acompanha três dias na vida de uma viúva que vive com seu filho adolescente em um apartamento de Bruxelas. Ela organiza seu tempo de forma minuciosa e sabe o que vai fazer a cada hora do dia. Três vezes por semana, ela recebe um homem em casa para se prostituir em um determinado horário e, ao que tudo indica, não sabe o que é um orgasmo. No segundo dia em que o espectador a acompanha, porém, seus hábitos começam a se desregrar e o equilíbrio de sua rotina é quebrado até a sequência final.
Embora considerasse seu filme feminista, Akerman recusava esse papel para ela. De acordo com Evangelina Seiler, curadora da exposição ‘Tempo Expandido’, dedicada à cineasta no Oi Futuro do Flamengo em 2018, a belga preferia não se prender a qualquer rótulo que pudesse reduzir sua atuação.
‘Tudo na obra de Chantal veio na medida da sua experiência. Quando ela viveu em Nova York, o movimento feminista estava em seu auge, e ela traduziu essa vivência nos filmes’ - analisa Evangelina. ‘Da mesma forma, ela trouxe ao cinema sua visão pessoal sobre o racismo ou a questão da imigração’”.
No elenco estão Delphine Seyrig, Jan Decorte, Henri Storck, Jacques Doniol-Valcroze, Yves Bical. A diretora Chantal Akerman aparece na narração não creditada.
O que disse a crítica: Lucas Oliveira do site Cinematório avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Disse: “Para além da maestria da diretora, ‘Jeanne Dielman’ funciona muito em função da atuação magistral de Delphine Seyrig. O filme e a personagem estão em perfeita consonância com seu tempo histórico e com o estágio sócio cultural da humanidade nos idos dos anos 1970. O filme tanto pode ser lido à luz da segunda onda feminista, que problematizou o trabalho doméstico, como também se encaixa perfeitamente ao ano de 1975, quando foi declarado pela ONU o Ano Internacional da Mulher, em virtude das diversas mobilizações de mulheres que sacudiam o mundo. Já a personagem, associando-se a outras de sua época, tem algo da impassividade controladora da vilanesca enfermeira Ratched, eternizada por Louise Fletcher em ‘Um Estranho no Ninho’ (1975), de Milos Forman. E, ainda, o desfile de ações domésticas protagonizado por Delphine Seyrig é uma versão (muito) estendida e (bem) mais fria do importante trabalho ‘Semiotics of the Kitchen’ (EUA), dirigido, escrito e estrelado por Martha Rosler, também no ano de 1975”.
Pâmela Eurídice do site Cineset também avaliou com o equivalente à 5 estrelas. Escreveu: “O grande mérito de ‘Jeanne Dielman’ é dialogar com o público contemporâneo. É possível perceber o quanto ele é um representante notório do contra-cinema descrito por Clare Johnson, afinal estamos diante de um filme que quebra padrões clássicos, tanto por sua relação espaço-temporal, quanto pela escolha de ser uma perspectiva feminina em sua concretude. Estamos diante de uma heroína falha e independente, cuja jornada é focada no cotidiano de uma mulher dita comum e que vira um caos quando um de seus gestos ritualísticos sai dos trilhos. Por isso, seu final é tão simbólico e catártico, afinal há muito dito sem que haja palavras”.
O que eu achei: Assisti “Jeanne Dielman” (1975) curiosa, motivada especialmente pelo fato dele ter tido a honra de encabeçar, pela primeira vez, a respeitável lista dos melhores filmes da história, lista essa reelaborada a cada 10 anos, desde 1952, por 1600 jurados, entre cineastas, escritores, críticos e técnicos de cinema. Tudo com o aval da conceituada revista de cinema Sight & Sound e pelo British Film Institute. A diretora Chantal Akerman eu não conhecia. Foi uma mulher belga, filha de uma sobrevivente do Holocausto que, segundo li, fez uma contribuição importante para a causa feminista. “Jeanne Dielman” é um ótimo representante da ‘estética do confinamento’ tão explorada por ela. Mostra, em extensas 3h13m, o dia a dia da mulher e sua rotina maçante do trabalho doméstico cozinhando, comendo, limpando, deitando, levantando... enfim... aquilo que nós mulheres conhecemos bem, da sala para o quarto, do quarto para a cozinha, da cozinha para o banheiro... Lembrando que o filme é do ano de 1975, com o feminismo em alta e o enclausuramento e a saúde mental da mulher em casa ganhando questionamentos. Durante 3hs nessa repetição de atos e gestos, o corpo da protagonista vai-se tornando estranho a ela própria e nós, espectadores, ficamos igualmente estranhos, presos no mecanismo de olhar. São 3 dias na vida de Jeanne, são 3hs de filme que parecem 3 dias. Os minutos passam e ficamos ali num misto de canseira e perplexidade, esperando por um deleite, uma emoção, um horizonte. Difícil dizer que seja um filme ruim pois ele cumpre o que promete. Difícil é o ato de assistir ao filme que frustra quem cria expectativas em cima da personagem na esperança de um ato de revolta, insubordinação, rebeldia. Esse ato até vem ao fim do terceiro dia, após 3hs de filme, quando você já está esgotado pelo cinema demasiado lento, demasiadamente igual. Foi a mesma sensação de quando assisti ao filme “Dias” (2020) de Tsai Ming-Liang, que conta a história de Kang, um homem que mora sozinho e que através de uma fachada de vidro olha para as copas das árvores, açoitadas pelo vento e pela chuva. Por conta de uma dor no corpo ele conhece Non, um massagista que mora em um pequeno apartamento onde prepara metódica e lentamente pratos tradicionais de sua aldeia natal. Ambos são filmes bons, bem intencionados e bem elaborados, eficazes no que se propõem, mas cuja experiência de ver é deveras severa e cansativa. Veja se tiver disposição para tanto, sem esperar deleites, afinal não é todo dia que uma mulher fica no top 1 dos melhores filmes da história do cinema.