
Comentário: Roberto Rossellini (1906-1977) foi um diretor de cinema italiano com uma cinematografia extensa e diversas contribuições ao movimento chamado neorrealismo italiano. Assisti dele o excelente “Roma, Cidade Aberta” (1945) e o bom "Stromboli" (1950). Desta vez vou conferir o famoso “Alemanha, Ano Zero” (1948), um filme premiado no Festival de Locarno e em Cannes, onde recebeu o Grande Prêmio do Júri, que compõe a última parte da chamada trilogia da guerra, formada por “Roma, Cidade Aberta” e “Paisà”.
Inácio Araujo, crítico da Folha SP, nos conta que “Roberto Rossellini não era nenhum santo. Mas achava que a imagem podia salvar os homens, e fez filmes pensando nisso. Ou seja: não era o lucro nem a glória que o seduziam e o levavam a filmar. Era a imagem. Achava a imagem do cinema uma espécie de milagre do século 20, pois podia com ela tocar a todas as pessoas, ricas ou pobres, sábias ou analfabetas.
Talvez por isso tenha considerado o sucesso de seu "Roma, Cidade Aberta" (1945) um mal-entendido, tenha virado as costas aos produtores de Hollywood que lhe ofereciam fortunas (mas não o direito de controlar seus filmes) e tenha, por fim, concluído que o cinema, arte prostituída, merecia ser trocado pela TV. (...)
Estamos numa Berlim destruída pela guerra. A câmera passeia por ela, em longos planos, com frequência seguindo o menino Edmund. Berlim está esmagada. Parece não sobrar um prédio. Mas a questão desse caos é: o que mais se destruiu além de Berlim? Existe possibilidade de salvar a alma quando todo empenho está em salvar o corpo?
Edmund passeia por Berlim quase em desespero. O irmão que tanto admira, Karl-Heinz, é um nazi que recusa se entregar às novas autoridades. Com isso, na sua casa, é preciso dividir por quatro a comida de três. E a comida para três já é exígua. A irmã de Edmund sai com oficiais aliados para levantar um pouco de bem-estar material. O pai está preso a uma cama.
Como bem diz o comentário no início do filme, não se trata de recriminar ou perdoar os alemães. Isso não está ao alcance do cinema. O cinema constata: eis as coisas, é tudo que pode nos dizer. E Rossellini nos mostra o rosto intrigante de Edmund, um mistério que, quanto mais é perscrutado, mais se mostra fechado: é um monstro, ou um anjo, não se sabe. E, a rigor, podemos perguntar que diferença isso faz numa terra arrasada como a que vemos.
É o ano zero da Alemanha, quando tudo recomeça. Depois viriam a separação, o milagre econômico, a reunificação: a "Alemanha Nove Zero" que Godard fez em 1990, celebrando este novo zero alemão. Pois é o fascínio do zero, também, que anima este filme em que Deus parece ausente: nenhum movimento é ascendente; nenhuma salvação parece possível. Os caminhos que se fecham são os mesmos que se abrem. O ano um virá depois”.
O que disse a crítica: Roberto Honorato do site Plano Crítico avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “’Alemanha, Ano Zero’ é um desfecho apropriado para a série do diretor [trilogia da guerra], terminando em uma nota mais trágica e pessimista, que comprova como Rossellini não deixou de lado sua proposta em manter o realismo e continuar tocando na ferida enquanto ainda está fresca”.
O site Leitura Fílmica avaliou com o equivalente à 4,5 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: “Filmado imediatamente após o fim da guerra, ‘Alemanha, Ano Zero’ capta o sentimento dessa nação arrasada. Nesse sentido, ao se sentir culpada pela própria desgraça, a Alemanha caminhava para o mesmo destino trágico do personagem Edmund. Afinal, sem poder prever o futuro à época, o sentimento de Roberto Rossellini se limita à ausência de esperança retratada pelo neorrealismo italiano”.
O que eu achei: Este filme faz parte da chamada “trilogia da guerra” feita pelo Roberto Rossellini composta por “Roma, Cidade Aberta” (1945) e “Paisà” (1946). Se “Roma, Cidade Aberta” eu já havia achado um soco no estômago, este “Alemanha, Ano Zero” consegue ser ainda mais realista e mais contundente. A Segunda Guerra Mundial - que durou de 1939 a 1945 - já havia terminado quando Rossellini vai até Berlim rodar essa história. Estamos no verão de 1947, numa cidade em ruínas. Naquilo que seria o 'ano zero' na Alemanha. Não há um prédio em pé. A cidade é basicamente pó e pedras. É nesse contexto que se encontra o menino alemão Edmund, o jovem protagonista do filme. Ele tem 13 anos, não tem idade suficiente para ser aceito em algum emprego e reside num quarto alugado com o pai doente, a irmã que faz programas pra conseguir algum dinheiro e o irmão, um ex-soldado nazista que por medo de se apresentar à polícia está sem documentos. Na tentativa de ajudar a família Edmund vende o que pode, mas acaba empurrado pelas circunstâncias a refletir sobre a possibilidade de assassinar o próprio pai, por estar convencido de que a morte representará a libertação do progenitor além de representar uma boca a menos na residência. O movimento de Edmund rumo ao abismo é cruel. No elenco estão pessoas que Rossellini conheceu na rua. Ernst Pittschau, que interpreta o pai, foi encontrado pelo diretor sentado nos degraus à frente de uma casa de repouso. Ele havia sido ator de cinema mudo 40 anos antes. Ingetraud Hinze, a irmã de Edmund, ele viu em pé em uma fila de comida e ficou impressionado com o olhar de desespero em seu rosto. Ela era uma ex-dançarina de balé. Franz-Otto Krüger, que fez o papel do irmão de Edmund, era oriundo de uma família de acadêmicos e havia sido preso pela Gestapo durante a guerra. Já o menino Edmund, interpretado por Edmund Meschke, foi selecionado pela semelhança física que ele tinha com o filho recém falecido de Rossellini, chamado Romano Rossellini, a quem o filme é dedicado. Um filme importante do neorrealismo italiano, um holofote implacável sobre o nazismo, sobre o que resta depois de uma guerra, desconfortável, difícil de assistir, pessimista em todos os aspectos. Excelente, mas veja preparado.
Inácio Araujo, crítico da Folha SP, nos conta que “Roberto Rossellini não era nenhum santo. Mas achava que a imagem podia salvar os homens, e fez filmes pensando nisso. Ou seja: não era o lucro nem a glória que o seduziam e o levavam a filmar. Era a imagem. Achava a imagem do cinema uma espécie de milagre do século 20, pois podia com ela tocar a todas as pessoas, ricas ou pobres, sábias ou analfabetas.
Talvez por isso tenha considerado o sucesso de seu "Roma, Cidade Aberta" (1945) um mal-entendido, tenha virado as costas aos produtores de Hollywood que lhe ofereciam fortunas (mas não o direito de controlar seus filmes) e tenha, por fim, concluído que o cinema, arte prostituída, merecia ser trocado pela TV. (...)
Estamos numa Berlim destruída pela guerra. A câmera passeia por ela, em longos planos, com frequência seguindo o menino Edmund. Berlim está esmagada. Parece não sobrar um prédio. Mas a questão desse caos é: o que mais se destruiu além de Berlim? Existe possibilidade de salvar a alma quando todo empenho está em salvar o corpo?
Edmund passeia por Berlim quase em desespero. O irmão que tanto admira, Karl-Heinz, é um nazi que recusa se entregar às novas autoridades. Com isso, na sua casa, é preciso dividir por quatro a comida de três. E a comida para três já é exígua. A irmã de Edmund sai com oficiais aliados para levantar um pouco de bem-estar material. O pai está preso a uma cama.
Como bem diz o comentário no início do filme, não se trata de recriminar ou perdoar os alemães. Isso não está ao alcance do cinema. O cinema constata: eis as coisas, é tudo que pode nos dizer. E Rossellini nos mostra o rosto intrigante de Edmund, um mistério que, quanto mais é perscrutado, mais se mostra fechado: é um monstro, ou um anjo, não se sabe. E, a rigor, podemos perguntar que diferença isso faz numa terra arrasada como a que vemos.
É o ano zero da Alemanha, quando tudo recomeça. Depois viriam a separação, o milagre econômico, a reunificação: a "Alemanha Nove Zero" que Godard fez em 1990, celebrando este novo zero alemão. Pois é o fascínio do zero, também, que anima este filme em que Deus parece ausente: nenhum movimento é ascendente; nenhuma salvação parece possível. Os caminhos que se fecham são os mesmos que se abrem. O ano um virá depois”.
O que disse a crítica: Roberto Honorato do site Plano Crítico avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “’Alemanha, Ano Zero’ é um desfecho apropriado para a série do diretor [trilogia da guerra], terminando em uma nota mais trágica e pessimista, que comprova como Rossellini não deixou de lado sua proposta em manter o realismo e continuar tocando na ferida enquanto ainda está fresca”.
O site Leitura Fílmica avaliou com o equivalente à 4,5 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: “Filmado imediatamente após o fim da guerra, ‘Alemanha, Ano Zero’ capta o sentimento dessa nação arrasada. Nesse sentido, ao se sentir culpada pela própria desgraça, a Alemanha caminhava para o mesmo destino trágico do personagem Edmund. Afinal, sem poder prever o futuro à época, o sentimento de Roberto Rossellini se limita à ausência de esperança retratada pelo neorrealismo italiano”.
O que eu achei: Este filme faz parte da chamada “trilogia da guerra” feita pelo Roberto Rossellini composta por “Roma, Cidade Aberta” (1945) e “Paisà” (1946). Se “Roma, Cidade Aberta” eu já havia achado um soco no estômago, este “Alemanha, Ano Zero” consegue ser ainda mais realista e mais contundente. A Segunda Guerra Mundial - que durou de 1939 a 1945 - já havia terminado quando Rossellini vai até Berlim rodar essa história. Estamos no verão de 1947, numa cidade em ruínas. Naquilo que seria o 'ano zero' na Alemanha. Não há um prédio em pé. A cidade é basicamente pó e pedras. É nesse contexto que se encontra o menino alemão Edmund, o jovem protagonista do filme. Ele tem 13 anos, não tem idade suficiente para ser aceito em algum emprego e reside num quarto alugado com o pai doente, a irmã que faz programas pra conseguir algum dinheiro e o irmão, um ex-soldado nazista que por medo de se apresentar à polícia está sem documentos. Na tentativa de ajudar a família Edmund vende o que pode, mas acaba empurrado pelas circunstâncias a refletir sobre a possibilidade de assassinar o próprio pai, por estar convencido de que a morte representará a libertação do progenitor além de representar uma boca a menos na residência. O movimento de Edmund rumo ao abismo é cruel. No elenco estão pessoas que Rossellini conheceu na rua. Ernst Pittschau, que interpreta o pai, foi encontrado pelo diretor sentado nos degraus à frente de uma casa de repouso. Ele havia sido ator de cinema mudo 40 anos antes. Ingetraud Hinze, a irmã de Edmund, ele viu em pé em uma fila de comida e ficou impressionado com o olhar de desespero em seu rosto. Ela era uma ex-dançarina de balé. Franz-Otto Krüger, que fez o papel do irmão de Edmund, era oriundo de uma família de acadêmicos e havia sido preso pela Gestapo durante a guerra. Já o menino Edmund, interpretado por Edmund Meschke, foi selecionado pela semelhança física que ele tinha com o filho recém falecido de Rossellini, chamado Romano Rossellini, a quem o filme é dedicado. Um filme importante do neorrealismo italiano, um holofote implacável sobre o nazismo, sobre o que resta depois de uma guerra, desconfortável, difícil de assistir, pessimista em todos os aspectos. Excelente, mas veja preparado.