14.4.25

“Alemanha, Ano Zero” - Roberto Rossellini (Itália/França/Alemanha, 1948)

Sinopse:
 Em Berlim, após o final da 2ª Guerra Mundial, Edmund (Edmund Moeschke), um garoto de uma família muito pobre, trabalha para sustentar o pai doente, a irmã e o irmão, que servia o exército nazista e agora está sem documentos. Um dia, ao conversar com um antigo professor (Erich Gühne), ele fala do seu pai enfermo e entende ter recebido um conselho para matar seu pai, um peso morto. Ele começa a pensar na ideia.
Comentário: Roberto Rossellini (1906-1977) foi um diretor de cinema italiano com uma cinematografia extensa e diversas contribuições ao movimento chamado neorrealismo italiano. Assisti dele o excelente “Roma, Cidade Aberta” (1945) e o bom "Stromboli" (1950). Desta vez vou conferir o famoso “Alemanha, Ano Zero” (1948), um filme premiado no Festival de Locarno e em Cannes, onde recebeu o Grande Prêmio do Júri, que compõe a última parte da chamada trilogia da guerra, formada por “Roma, Cidade Aberta” e “Paisà”.
Inácio Araujo, crítico da Folha SP, nos conta que “Roberto Rossellini não era nenhum santo. Mas achava que a imagem podia salvar os homens, e fez filmes pensando nisso. Ou seja: não era o lucro nem a glória que o seduziam e o levavam a filmar. Era a imagem. Achava a imagem do cinema uma espécie de milagre do século 20, pois podia com ela tocar a todas as pessoas, ricas ou pobres, sábias ou analfabetas.
Talvez por isso tenha considerado o sucesso de seu "Roma, Cidade Aberta" (1945) um mal-entendido, tenha virado as costas aos produtores de Hollywood que lhe ofereciam fortunas (mas não o direito de controlar seus filmes) e tenha, por fim, concluído que o cinema, arte prostituída, merecia ser trocado pela TV. (...)
Estamos numa Berlim destruída pela guerra. A câmera passeia por ela, em longos planos, com frequência seguindo o menino Edmund. Berlim está esmagada. Parece não sobrar um prédio. Mas a questão desse caos é: o que mais se destruiu além de Berlim? Existe possibilidade de salvar a alma quando todo empenho está em salvar o corpo?
Edmund passeia por Berlim quase em desespero. O irmão que tanto admira, Karl-Heinz, é um nazi que recusa se entregar às novas autoridades. Com isso, na sua casa, é preciso dividir por quatro a comida de três. E a comida para três já é exígua. A irmã de Edmund sai com oficiais aliados para levantar um pouco de bem-estar material. O pai está preso a uma cama.
Como bem diz o comentário no início do filme, não se trata de recriminar ou perdoar os alemães. Isso não está ao alcance do cinema. O cinema constata: eis as coisas, é tudo que pode nos dizer. E Rossellini nos mostra o rosto intrigante de Edmund, um mistério que, quanto mais é perscrutado, mais se mostra fechado: é um monstro, ou um anjo, não se sabe. E, a rigor, podemos perguntar que diferença isso faz numa terra arrasada como a que vemos.
É o ano zero da Alemanha, quando tudo recomeça. Depois viriam a separação, o milagre econômico, a reunificação: a "Alemanha Nove Zero" que Godard fez em 1990, celebrando este novo zero alemão. Pois é o fascínio do zero, também, que anima este filme em que Deus parece ausente: nenhum movimento é ascendente; nenhuma salvação parece possível. Os caminhos que se fecham são os mesmos que se abrem. O ano um virá depois”.
O que disse a crítica: Roberto Honorato do site Plano Crítico avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “’Alemanha, Ano Zero’ é um desfecho apropriado para a série do diretor [trilogia da guerra], terminando em uma nota mais trágica e pessimista, que comprova como Rossellini não deixou de lado sua proposta em manter o realismo e continuar tocando na ferida enquanto ainda está fresca”.
O site Leitura Fílmica avaliou com o equivalente à 4,5 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: “Filmado imediatamente após o fim da guerra, ‘Alemanha, Ano Zero’ capta o sentimento dessa nação arrasada. Nesse sentido, ao se sentir culpada pela própria desgraça, a Alemanha caminhava para o mesmo destino trágico do personagem Edmund. Afinal, sem poder prever o futuro à época, o sentimento de Roberto Rossellini se limita à ausência de esperança retratada pelo neorrealismo italiano”.
O que eu achei: Este filme faz parte da chamada “trilogia da guerra” feita pelo Roberto Rossellini composta por “Roma, Cidade Aberta” (1945) e “Paisà” (1946). Se “Roma, Cidade Aberta” eu já havia achado um soco no estômago, este “Alemanha, Ano Zero” consegue ser ainda mais realista e mais contundente. A Segunda Guerra Mundial - que durou de 1939 a 1945 - já havia terminado quando Rossellini vai até Berlim rodar essa história. Estamos no verão de 1947, numa cidade em ruínas. Naquilo que seria o 'ano zero' na Alemanha. Não há um prédio em pé. A cidade é basicamente pó e pedras. É nesse contexto que se encontra o menino alemão Edmund, o jovem protagonista do filme. Ele tem 13 anos, não tem idade suficiente para ser aceito em algum emprego e reside num quarto alugado com o pai doente, a irmã que faz programas pra conseguir algum dinheiro e o irmão, um ex-soldado nazista que por medo de se apresentar à polícia está sem documentos. Na tentativa de ajudar a família Edmund vende o que pode, mas acaba empurrado pelas circunstâncias a refletir sobre a possibilidade de assassinar o próprio pai, por estar convencido de que a morte representará a libertação do progenitor além de representar uma boca a menos na residência. O movimento de Edmund rumo ao abismo é cruel. No elenco estão pessoas que Rossellini conheceu na rua. Ernst Pittschau, que interpreta o pai, foi encontrado pelo diretor sentado nos degraus à frente de uma casa de repouso. Ele havia sido ator de cinema mudo 40 anos antes. Ingetraud Hinze, a irmã de Edmund, ele viu em pé em uma fila de comida e ficou impressionado com o olhar de desespero em seu rosto. Ela era uma ex-dançarina de balé. Franz-Otto Krüger, que fez o papel do irmão de Edmund, era oriundo de uma família de acadêmicos e havia sido preso pela Gestapo durante a guerra. Já o menino Edmund, interpretado por Edmund Meschke, foi selecionado pela semelhança física que ele tinha com o filho recém falecido de Rossellini, chamado Romano Rossellini, a quem o filme é dedicado. Um filme importante do neorrealismo italiano, um holofote implacável sobre o nazismo, sobre o que resta depois de uma guerra, desconfortável, difícil de assistir, pessimista em todos os aspectos. Excelente, mas veja preparado.