6.4.25

“Lee” - Ellen Kuras (Reino Unido/EUA/Austrália/Singapura/Hungria, 2023)

Sinopse:
A história da fotógrafa e modelo Elizabeth 'Lee' Miller (Kate Winslet), que se tornou uma aclamada correspondente de guerra da revista Vogue durante a Segunda Guerra Mundial.
Comentário: Ellen Kuras (1959) é uma cineasta norte-americana que dirigiu diversos episódios em séries além de três longas: “The Betrayal – Nerakhoon” (2008), “Play Is Your Superpower” (2023) e “Lee” (2023) que é o primeiro filme que vejo dela.
O filme é um drama biográfico sobre a fotógrafa Lee Miller desenvolvido a partir de uma adaptação do livro “The Lives of Lee Miller” (As Vidas de Lee Miller) escrito pelo filho de Miller, Antony Penrose e publicado em 1985. O filme levou oito anos para ser feito e, a certa altura, devido ao financiamento precário, a atriz principal Kate Winslet - que também produziu o filme – chegou a pagar os salários de todo o elenco e da equipe técnica por duas semanas.
Luiza Lopes do site Aventuras na História nos conta que “Elizabeth 'Lee' Miller nasceu em 1907 em Poughkeepsie, Nova York, e desde cedo foi introduzida à fotografia por seu pai, Theodore, que a utilizava como modelo em seus trabalhos. Conforme conta Carolyn Burke no livro ‘Lee Miller – A Life’ (Lee Miller – Uma Vida), durante a adolescência, ela se interessou por teatro, estudando iluminação, figurino e design de cenários em Paris, e posteriormente ingressou em um grupo de teatro experimental no Vassar College, em Nova York. Sua carreira como modelo começou após ser descoberta nas ruas de Manhattan, culminando com sua primeira capa na Vogue americana em 1927. Em 1929, mudou-se para Paris, onde se tornou musa e colaboradora do fotógrafo surrealista Man Ray. (...)
Quando a Segunda Guerra Mundial eclodiu, Miller vivia em Londres, após períodos em Paris, Nova York e Cairo, onde morava com seu primeiro marido. Em 1939, ela se envolveu com o artista surrealista britânico Roland Penrose e deu início a sua carreira como fotojornalista. Durante os intensos bombardeios da Luftwaffe [nome dado aos ataques aéreos realizados pela força aérea alemã] entre 1940 e 1941, conhecidos como Blitz, Miller documentou a destruição de Londres para a Vogue britânica. (...)
Cerca de um mês e meio após o Dia D [nome dado à invasão da Normandia, na França, que aconteceu em 6 de junho de 1944], Miller estava na França devastada pela guerra, acompanhando a 83ª Divisão de Infantaria do Exército dos EUA. Enquanto outros jornalistas se concentravam em batalhas e operações militares, ela focava nas histórias humanas, especialmente nas experiências dos civis e das mulheres, cujas vidas foram profundamente afetadas pelo conflito (...). Conforme os Aliados avançavam pela Europa, Miller se aproximava das linhas de frente, testemunhando, por meio de sua câmera, a libertação de Paris e os horrores dos campos de concentração na Alemanha. Seu trabalho desse período é amplamente reconhecido, oferecendo evidências das atrocidades do Holocausto.
Um dos momentos mais icônicos de sua carreira ocorreu [em 1945] quando ela entrou no apartamento de Munique de Adolf Hitler e, em uma cena famosa, tomou um banho em sua banheira. A fotografia, tirada por seu amigo e correspondente de guerra da Life, David E. Scherman, mostra Miller sentada na banheira, com o rosto impassível e o cabelo úmido, como se tivesse acabado de sair do banho. Suas botas, cobertas de lama, estão sobre o tapete de banho, enquanto um retrato de Hitler repousa atrás dela. Essa imagem, capturada no mesmo dia em que o ditador cometeu suicídio em seu bunker em Berlim, se tornou um símbolo marcante da queda do regime nazista e uma das imagens mais emblemáticas da guerra. (...)
Em 1947, Miller casou-se com Roland Penrose, teve um filho, Antony, e se estabeleceu na Farley Farm House, em Sussex, que se tornou um ponto de encontro para artistas e intelectuais, como Pablo Picasso e Joan Miró.
Apesar de seu sucesso como correspondente de guerra, Miller enfrentou dificuldades nos anos seguintes. O impacto emocional do que ela testemunhou, combinado com a frustração de ver algumas das suas fotografias mais importantes não publicadas, causou um profundo desânimo. A Vogue britânica, por exemplo, se recusou a publicar suas imagens dos campos de concentração, consideradas gráficas demais para seu público, embora a revista tivesse apoiado seu trabalho durante a guerra. Ela acabou falecendo em 1977, aos 70 anos, vítima de câncer”.
Eli Wizevich do site Smithsonian Magazine nos conta que o filho dela, Antony Penrose, que escreveu o livro no qual o filme foi baseado, viveu muitos anos sem conhecer todo esse histórico de sua mãe. Ele sabia que ela era fotógrafa, até porque quando ele era jovem Miller “o ensinou a usar sua câmera Rolleiflex quadrada , e ele a acompanhou quando ela visitou e fotografou outros artistas em seu círculo, incluindo Pablo Picasso, Joan Miró e Man Ray. Mas havia lacunas no conhecimento de Penrose [sobre ela]. Ele nunca soube, por exemplo, que Miller era uma lendária correspondente de guerra da Vogue, que estava inserida nas linhas de frente durante a Segunda Guerra Mundial e que ela havia tirado algumas das imagens mais definidoras do conflito. Ela simplesmente nunca falou sobre esse período de sua vida com ele”. 
Apenas um tempo depois da morte de sua mãe em 1977, foi que ele e sua esposa Suzanna, “subiram até o sótão de Miller e abriram caixas há muito fechadas para rastrear fotos de Penrose quando bebê para comparar com seu recém-nascido” e acabaram tropeçando “em uma pilha de páginas finas contendo um manuscrito intitulado ‘The Siege of St. Malo’ (O Cerco de St. Malo). Ele perguntou ao pai (...)se o autor daquele texto era de fato Miller. Roland riu e deu ao filho uma cópia do artigo em uma edição anterior da Vogue. Foi aí que Penrose percebeu que ele tinha muito a aprender sobre as muitas vidas de sua mãe”.
Daí pra frente, Penrose passou a dedicar a maior parte de sua vida adulta a administrar o legado notável de sua mãe. Ele é o autor dessa biografia que inspira o filme e é codiretor, juntamente com sua filha, Ami Bouhassane, do Lee Miller Archives, sediado na antiga fazenda e casa da fotógrafa em East Sussex, Inglaterra.
O que disse a crítica: Jorge Pereira Rosa do site C7nema avaliou com 2,5 estrelas, ou seja, regular. Ele disse tratar-se de “um filme convencional sobre alguém que não o era”. Escreveu: “Quando se prepara um filme sobre uma modelo transformada em fotógrafa que passou boa parte da sua vida registrando um conflito como a 2ª Guerra Mundial, o mais óbvio que podemos esperar é um tratamento estético exemplar que se afaste das convenções como a vida e a obra da própria fotógrafa o fez. Se adicionarmos a isto o fato de na realização termos uma antiga diretora de fotografia transformada em realizadora, Ellen Kuras, e um diretor de fotografia, Pawel Edelman, que, entre muitas colaborações, trabalhou exaustivamente no cinema de Roman Polanski, então a exigência estética para levar a vida de Lee ao cinema eleva-se. Porém (...) seja nesse componente estético, seja num roteiro que transforma diálogos em segmentos de frases feitas, o filme resulta tão convencional e rotineiro que nada, além da história biográfica que encontramos melhor no reino da literatura, sobrevive na memória do espectador”.
Matilde Sousa do site Magazine HD avaliou com 4 estrelas, ou seja, muito bom. Ela disse que “’Lee’ não é um filme que nos conta a história, é um filme que nos mostra a história. Não perde tempo em explicar a timeline, focando-se em mostrar uma perspectiva nunca antes vista, de uma mulher, correspondente de guerra, que presenciou horrores e que lutou para que essas informações também chegassem ao público”. Para ela o ponto alto do filme é “a atuação poderosa e realista de Kate Winslet, que retrata com autenticidade a complexidade emocional e a força de Lee Miller”.
O que eu achei: Em 1993 o diretor Sylvain Roumette lançou um documentário sobre essa mesma fotógrafa chamado "Lee Miller: Através do Espelho" que eu assisti e achei sensacional. A narração era feita pelo seu único filho Antony Penrose, fruto de seu casamento com o pintor Roland Penrose, contando o impacto que ele sofreu ao descobrir no sótão da casa onde Lee Miller havia residido, um baú cheio de fotografias da II Guerra tiradas pela sua mãe. Antony simplesmente não tinha ideia da existência desse material e pouco sabia sobre sua carreira como fotógrafa de guerra, assunto que ela evitou falar com o filho enquanto viva. Além do relato, no documentário há leituras de fragmentos do seu diário, mostrando que sua existência foi desconcertante pelo insólito e ousadia. No começo de carreira ela posa nua como modelo e é fotografada inclusive pelo célebre Man Ray, depois vira objeto estético de Jean Cocteau e Picasso e, no auge, aparece como modelo de capa das revistas Vogue e Blitz. Posteriormente ela se torna fotógrafa de moda com estúdio próprio e, mais tarde, correspondente da II Guerra Mundial onde avança pelas trincheiras com uma Rolleiflex nas mãos e uma máquina de escrever na qual compunha os trabalhos que enviava sobre as cidades bombardeadas e os campos de concentração. Essa descoberta de quem havia sido sua mãe levou Antony a escrever uma biografia sobre ela que ele publicou em 1985. Aqui em “Lee” (2023) com direção de Ellen Kuras, o que vamos ver é um drama biográfico baseado justamente nesse livro escrito por Antony, chamado “The Lives of Lee Miller” (As Vidas de Lee Miller). No papel principal está a atriz Kate Winslet que deu uma declaração contando que sua relação com a fotografia mudou depois que ela fez o filme, pois ela precisou aprender a mexer numa câmera de médio formato e teve que tirar muitas fotos para adquirir confiança em interpretar essa mulher. O filme começa mostrando um Antony adulto conversando com sua mãe já idosa. A mesa da sala de visitas está repleta de fotografias e textos de Miller. Conforme a conversa entre mãe e filho avança, enveredamos para o filme propriamente dito mostrando Miller conhecendo o pai de Antony e iniciando seu trabalho como correspondente de guerra da revista Vogue, documentando eventos como a libertação de Paris e os campos de concentração de Buchenwald e Dachau, mostrando inclusive como foi feita a famosa fotografia de Miller sentada na banheira de Hitler, foto essa tirada pelo seu amigo David E. Scherman, correspondente de guerra da Life. Essa foto virou um símbolo da queda do regime nazista e uma das imagens mais emblemáticas da guerra. Entretanto, se compararmos o documentário de 1993 com este drama de 2023, o documentário é muito superior, pois este, apesar de ser um bom filme, possui uma edição bem convencional, excessivamente acadêmica e com uma encenação burocrática que nem um talento como Kate Winslet conseguiu salvar. Então até dá pra ver, com certeza você termina sabendo mais sobre quem foi Lee Miller, a fotografia agradece, mas a fotógrafa merecia mais, até porque de convencional ela não tinha nada.