
Comentário: Todd Phillips (1970) é um roteirista e diretor de cinema norte-americano que ficou muito conhecido pelo sucesso de “Coringa” (2019), que lhe rendeu indicações ao Oscar de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Adaptado. Assisti dele apenas dois filmes: a obra-prima “Coringa” (2019) e o bom "Starsky & Hutch: Justiça em Dobro" (2004).
Desta vez vou conferir “Coringa: Delírio a Dois” (2024). O filme é uma continuação de “Coringa” (2019), ou seja, para assistir “Coringa: Delírio a Dois” (2024) é necessário que você tenha assistido ao primeiro.
O primeiro filme nos mostrou uma versão de como surgiu o supervilão dos quadrinhos Coringa, um personagem criado originalmente pela editora DC Comics, que apareceu pela primeira vez em 1940 em “Batman” #1. Ele fez tanto sucesso que acabou ganhando vida própria passando a protagonizar suas próprias graphic novels, além de seriados de tv e filmes.
Para refrescar a memória e nos preparar para o novo longa, segue abaixo um resumo do que aconteceu no primeiro filme.
Arthur Fleck (Joaquin Phoenix, que ganhou o Oscar de Melhor Ator por esse papel) é apresentado como um palhaço que realiza diversos trabalhos temporários enquanto tenta se tornar um comediante de stand-up famoso. Tentando fazer seu sonho dar certo, ele também precisa dividir o tempo para cuidar da mãe, Penny (Frances Conroy), que vive doente no hospital.
A falta de estabilidade e a dificuldade em administrar a própria vida se complicam mais por Arthur ter um distúrbio neurológico que faz com que ele tenha acessos de risos em momentos de nervosismo, deixando qualquer um ao seu redor assustado quando as gargalhadas incessantes ganham vez em momentos inoportunos. Devido a sua condição, Arthur se vê excluído pela sociedade.
Sua única “amiga” é Sophie (Zazie Beetz), uma mãe solteira que mora no prédio de Arthur e com a qual ele estabelece, em suas alucinações, um relacionamento. Sophie retorna no segundo filme como testemunha no seu julgamento.
A cidade onde a história se passa, Gotham City, vive um caos político e social. Estamos no meio das eleições municipais onde Thomas Wayne (Brett Cullen) faz campanha para prefeito e está ocorrendo uma greve de profissionais do saneamento básico. A criminalidade ascende na cidade, algo que acaba respingando em Arthur que acaba sendo agredido por jovens arruaceiros enquanto trabalha como palhaço.
Em meio a isso, Arthur também acaba demitido do emprego de palhaço, tem o tratamento médico para a sua condição cortado pelo governo, e desvenda a verdade por trás de sua origem, descobrindo que sua mãe mentiu para ele por todos esses anos, já que ele não era seu filho legítimo, mas sim adotado e vítima de abusos na infância. Essa descoberta faz com ele resolva assassiná-la.
A grande reviravolta começa a ganhar forma quando Arthur é novamente atacado, só que dessa vez no metrô, onde ele acaba matando seus agressores, que eram jovens funcionários de Wayne. Isso despertou a revolta da população contra os 1% mais ricos de Gotham, que começa a usar a maquiagem de palhaço de Arthur em forma de protesto.
Arthur recebe então a visita de Randall (Glenn Fleshler) e Gary (Leigh Gill), dois palhaços de sua trupe, que tentam alinhar suas histórias, uma vez que detetives de Gotham estão investigando a verdadeira identidade do palhaço assassino. No fim do encontro, Arthur mata Randall, mas decide deixar Gary viver. Em “Delírio a Dois” Gary retorna como testemunha no julgamento de Arthur.
Nesse mesmo período, uma gravação de uma apresentação de stand-up na qual Arthur é zombado pela plateia durante uma de suas crises de riso, chega às mãos de seu maior ídolo: Murray Franklin (Robert De Niro), apresentador do principal talk show da cidade. Achando que seria elogiado por Murray, Fleck acaba surpreendido com as zombarias do apresentador, que o chama de “Coringa”.
Apesar das zombarias, Arthur é chamado para o talk show de Franklin, onde ele admite que foi ele quem matou os três homens no metrô. Ele realiza um discurso sobre a sociedade que o marginalizou, culpando também shows televisivos como aquele. Na ocasião ele assume o codinome “Coringa” e mata o apresentador ao vivo, tendo a cena transmitida na TV para todos os cidadãos de Gotham.
A ação de Fleck leva diversos moradores da cidade a saírem pelas ruas cometendo crimes, e dentre esses, está o assassinato de Thomas e Martha Wayne (Carrie Louise Putrello), responsável por deixar órfão o jovem Bruce Wayne (Dante Pereira-Olson) - que na história em quadrinhos viria a se tornar o Batman.
Nesse meio tempo, Arthur, que apreciava o caos generalizado em cima do capô de um carro, é capturado e levado para o Asilo Elizabeth Arkham para os Criminalmente Insanos, encerrando o filme encarcerado em uma sala ao lado de diversos criminosos com distúrbios psicológicos.
“Coringa: Delírio a Dois” segue a partir daí, dedicando-se ao julgamento de Arthur pelos crimes cometidos, com boa parte da narrativa se passando na sala de júri ou focando em seu convívio com os guardas dessa instituição e os demais pacientes.
No elenco, além de Joaquim Phoenix, temos Lady Gaga no papel de Harleen "Lee" Quinzel, também conhecida como Arlequina.
O que disse a crítica: O filme teve avaliações das mais variadas, a maioria negativas. João Paes do site IGN Brasil avaliou com 1 estrela, ou seja, sofrível. Disse: “Contrariando a lógica das sequências, ‘Coringa: Delírio a Dois’ não tenta ser maior que o primeiro. Na verdade, o novo filme não acrescenta nada de substancial e toda sua trama é baseada nas consequências dos atos praticados em ‘Coringa’ (2019). Até mesmo a atuação de Phoenix é prejudicada por momentos musicais tenebrosos, que também não justificam a escalação de Gaga para uma versão da Arlequina que é mais problemática do que a do (horrível) primeiro ‘Esquadrão Suicida’. Todd Phillips tentou fazer algo artístico e diferente do original - e infelizmente falhou em quase tudo”.
Thiago Romariz do site Omelete avaliou com 3 estrelas, ou seja, ficou no meio termo. Disse: “’Delírio a Dois’ acrescenta pouco ou quase nada ao que foi discutido antes, por mais que gaste seus quase 140 minutos nisso. O roteiro de Phillips e Scott Silver acredita que a trilha escolhida, combinada com os números musicais que transportam o espectador para a mente instável do protagonista, são o suficiente para justificar toda uma história. Em termos estéticos é difícil discordar. Ótimos em cena, Gaga e Phoenix internalizam a loucura e confusão dos personagens, por menos envolvente que seja a trama em si. Mas ainda que exista o tradicional final de impacto dos filmes deste diretor, há pouco para se sustentar, já que a ideia do musical se sobrepõe à história contada, pois a repetição dos temas torna ‘Delírio a Dois’, em suma, um filme com uma ideia atraente, mas sem uma jornada para executá-la”.
Já Bruno Carmelo do site Meio Amargo avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Ele disse que o filme começa com uma excelente animação 2D que mostra a sombra do Coringa se dissociando dele dando a ideia de que o “delírio a dois” do título não é do Arthur com a Arlequina, mas dele com ele mesmo. Ele elogiou a atuação do Joaquim Phoenix. Disse que o filme é um musical, o que gera uma possibilidade de escapismo e de delírios, enquanto paralelamente é um drama de tribunal que nos traz de volta à realidade. A Lady Gaga é uma coadjuvante fundamental à trama, cantando e se apresentando bem à vontade. A seleção das músicas ele achou um pouco óbvia mas eficaz. Esteticamente ele elogiou a fotografia e a edição de som, dizendo haver equilíbrio entre a pegada comercial e a de apuro estético. O filme termina questionando o espectador: afinal o que sentimos por ele? Pena? Condescendência? Estamos nos divertindo com a figura de um monstro ou explorando uma vítima da sociedade? E conclui dizendo tratar-se de um estudo psicológico completo sobre o fascismo, a extrema direita e as masculinidades fracassadas”.
O que eu achei: “Coringa: Delírio a Dois” é todo ancorado no primeiro “Coringa” de 2019, uma obra-prima que mostrava uma versão de como esse vilão das histórias do Batman teria surgido: um homem doente, maltratado pela sociedade, que vai perdendo o controle de suas ações e se tornando um serial killer, terminando o filme com 6 assassinatos nas costas. Acaba capturado pela polícia e levado para o Asilo Elizabeth Arkham para os Criminalmente Insanos, encerrando o filme encarcerado em uma sala ao lado de diversos criminosos com distúrbios psicológicos. Em “Coringa: Delírio a Dois” ele será julgado pelos seus crimes enquanto, em paralelo, ele convive com guardas e detentos da instituição e se envolve com sua maior fã: Harleen "Lee" Quinzel ou Arlequina, interpretada pela Lady Gaga. O filme é tremendamente melancólico. A fotografia relativamente escura é muito bem executada em seus recortes precisos. A trilha sonora cantada pelos protagonistas é excelente com clássicos como “Fly Me To The Moon (In Other Words)”, “Close To You”, “When The Saints Go Marching In”, “Dancing in the Moonlight” e “If You Go Away” dentre outros. Tanto Lady Gaga como o sempre ótimo Joaquin Phoenix estão muito bem nos papéis. Ela cantando menos do que poderia para não obscurecer Phoenix que não é cantor, e ele se superando num sapateado. Apesar das qualidades o filme resulta um pouco arrastado, repetindo diversas cenas do primeiro já que se ancora diretamente nele para que o protagonista receba seu veredicto. A pergunta que fica é por que teria Todd Phillips feito esse filme tão radicalmente diferente do primeiro, já que o primeiro foi um sucesso estrondoso? A resposta parece estar no descontentamento do diretor com o fato do primeiro “Coringa” ter virado uma espécie de bandeira para grupos fascistas que fizeram do personagem seu ídolo do mal, um ícone, um herói que se manifesta através da violência e da misoginia. Observando o filme por esse viés, de fato o que “Coringa: Delírio a Dois” faz é desmontar esse ídolo. Mostrar que ele não é um ‘gênio do crime’, mas sim um homem doente chamado Arthur Fleck que precisa ser detido, evitado, julgado e condenado. Com certeza um balde de água fria nesse grupo de fãs tóxicos. Só não tenho certeza se isso seria necessário. Afinal, quando você coloca um trabalho no mundo - seja um livro, um filme, uma pintura, uma obra de arte qualquer - você não decide como ele será visto. Você simplesmente o coloca lá fora e espera o melhor. Então, apesar de eu não ter achado a sequência péssima como muita gente achou, eu a achei desnecessária, pois ela não se realiza nem como um excelente musical nem como um excelente drama de tribunal. É um filme bem intencionado que pretende mostrar que seu palhaço é produto de toda uma cultura que o precede, vítima de uma sociedade, mas que atinge pouca profundidade ao tentar desenvolver o estudo psicológico do personagem, ficando muito aquém do primeiro. Um filme bom porém morno que carece da audácia de seu antecessor.
Desta vez vou conferir “Coringa: Delírio a Dois” (2024). O filme é uma continuação de “Coringa” (2019), ou seja, para assistir “Coringa: Delírio a Dois” (2024) é necessário que você tenha assistido ao primeiro.
O primeiro filme nos mostrou uma versão de como surgiu o supervilão dos quadrinhos Coringa, um personagem criado originalmente pela editora DC Comics, que apareceu pela primeira vez em 1940 em “Batman” #1. Ele fez tanto sucesso que acabou ganhando vida própria passando a protagonizar suas próprias graphic novels, além de seriados de tv e filmes.
Para refrescar a memória e nos preparar para o novo longa, segue abaixo um resumo do que aconteceu no primeiro filme.
Arthur Fleck (Joaquin Phoenix, que ganhou o Oscar de Melhor Ator por esse papel) é apresentado como um palhaço que realiza diversos trabalhos temporários enquanto tenta se tornar um comediante de stand-up famoso. Tentando fazer seu sonho dar certo, ele também precisa dividir o tempo para cuidar da mãe, Penny (Frances Conroy), que vive doente no hospital.
A falta de estabilidade e a dificuldade em administrar a própria vida se complicam mais por Arthur ter um distúrbio neurológico que faz com que ele tenha acessos de risos em momentos de nervosismo, deixando qualquer um ao seu redor assustado quando as gargalhadas incessantes ganham vez em momentos inoportunos. Devido a sua condição, Arthur se vê excluído pela sociedade.
Sua única “amiga” é Sophie (Zazie Beetz), uma mãe solteira que mora no prédio de Arthur e com a qual ele estabelece, em suas alucinações, um relacionamento. Sophie retorna no segundo filme como testemunha no seu julgamento.
A cidade onde a história se passa, Gotham City, vive um caos político e social. Estamos no meio das eleições municipais onde Thomas Wayne (Brett Cullen) faz campanha para prefeito e está ocorrendo uma greve de profissionais do saneamento básico. A criminalidade ascende na cidade, algo que acaba respingando em Arthur que acaba sendo agredido por jovens arruaceiros enquanto trabalha como palhaço.
Em meio a isso, Arthur também acaba demitido do emprego de palhaço, tem o tratamento médico para a sua condição cortado pelo governo, e desvenda a verdade por trás de sua origem, descobrindo que sua mãe mentiu para ele por todos esses anos, já que ele não era seu filho legítimo, mas sim adotado e vítima de abusos na infância. Essa descoberta faz com ele resolva assassiná-la.
A grande reviravolta começa a ganhar forma quando Arthur é novamente atacado, só que dessa vez no metrô, onde ele acaba matando seus agressores, que eram jovens funcionários de Wayne. Isso despertou a revolta da população contra os 1% mais ricos de Gotham, que começa a usar a maquiagem de palhaço de Arthur em forma de protesto.
Arthur recebe então a visita de Randall (Glenn Fleshler) e Gary (Leigh Gill), dois palhaços de sua trupe, que tentam alinhar suas histórias, uma vez que detetives de Gotham estão investigando a verdadeira identidade do palhaço assassino. No fim do encontro, Arthur mata Randall, mas decide deixar Gary viver. Em “Delírio a Dois” Gary retorna como testemunha no julgamento de Arthur.
Nesse mesmo período, uma gravação de uma apresentação de stand-up na qual Arthur é zombado pela plateia durante uma de suas crises de riso, chega às mãos de seu maior ídolo: Murray Franklin (Robert De Niro), apresentador do principal talk show da cidade. Achando que seria elogiado por Murray, Fleck acaba surpreendido com as zombarias do apresentador, que o chama de “Coringa”.
Apesar das zombarias, Arthur é chamado para o talk show de Franklin, onde ele admite que foi ele quem matou os três homens no metrô. Ele realiza um discurso sobre a sociedade que o marginalizou, culpando também shows televisivos como aquele. Na ocasião ele assume o codinome “Coringa” e mata o apresentador ao vivo, tendo a cena transmitida na TV para todos os cidadãos de Gotham.
A ação de Fleck leva diversos moradores da cidade a saírem pelas ruas cometendo crimes, e dentre esses, está o assassinato de Thomas e Martha Wayne (Carrie Louise Putrello), responsável por deixar órfão o jovem Bruce Wayne (Dante Pereira-Olson) - que na história em quadrinhos viria a se tornar o Batman.
Nesse meio tempo, Arthur, que apreciava o caos generalizado em cima do capô de um carro, é capturado e levado para o Asilo Elizabeth Arkham para os Criminalmente Insanos, encerrando o filme encarcerado em uma sala ao lado de diversos criminosos com distúrbios psicológicos.
“Coringa: Delírio a Dois” segue a partir daí, dedicando-se ao julgamento de Arthur pelos crimes cometidos, com boa parte da narrativa se passando na sala de júri ou focando em seu convívio com os guardas dessa instituição e os demais pacientes.
No elenco, além de Joaquim Phoenix, temos Lady Gaga no papel de Harleen "Lee" Quinzel, também conhecida como Arlequina.
O que disse a crítica: O filme teve avaliações das mais variadas, a maioria negativas. João Paes do site IGN Brasil avaliou com 1 estrela, ou seja, sofrível. Disse: “Contrariando a lógica das sequências, ‘Coringa: Delírio a Dois’ não tenta ser maior que o primeiro. Na verdade, o novo filme não acrescenta nada de substancial e toda sua trama é baseada nas consequências dos atos praticados em ‘Coringa’ (2019). Até mesmo a atuação de Phoenix é prejudicada por momentos musicais tenebrosos, que também não justificam a escalação de Gaga para uma versão da Arlequina que é mais problemática do que a do (horrível) primeiro ‘Esquadrão Suicida’. Todd Phillips tentou fazer algo artístico e diferente do original - e infelizmente falhou em quase tudo”.
Thiago Romariz do site Omelete avaliou com 3 estrelas, ou seja, ficou no meio termo. Disse: “’Delírio a Dois’ acrescenta pouco ou quase nada ao que foi discutido antes, por mais que gaste seus quase 140 minutos nisso. O roteiro de Phillips e Scott Silver acredita que a trilha escolhida, combinada com os números musicais que transportam o espectador para a mente instável do protagonista, são o suficiente para justificar toda uma história. Em termos estéticos é difícil discordar. Ótimos em cena, Gaga e Phoenix internalizam a loucura e confusão dos personagens, por menos envolvente que seja a trama em si. Mas ainda que exista o tradicional final de impacto dos filmes deste diretor, há pouco para se sustentar, já que a ideia do musical se sobrepõe à história contada, pois a repetição dos temas torna ‘Delírio a Dois’, em suma, um filme com uma ideia atraente, mas sem uma jornada para executá-la”.
Já Bruno Carmelo do site Meio Amargo avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Ele disse que o filme começa com uma excelente animação 2D que mostra a sombra do Coringa se dissociando dele dando a ideia de que o “delírio a dois” do título não é do Arthur com a Arlequina, mas dele com ele mesmo. Ele elogiou a atuação do Joaquim Phoenix. Disse que o filme é um musical, o que gera uma possibilidade de escapismo e de delírios, enquanto paralelamente é um drama de tribunal que nos traz de volta à realidade. A Lady Gaga é uma coadjuvante fundamental à trama, cantando e se apresentando bem à vontade. A seleção das músicas ele achou um pouco óbvia mas eficaz. Esteticamente ele elogiou a fotografia e a edição de som, dizendo haver equilíbrio entre a pegada comercial e a de apuro estético. O filme termina questionando o espectador: afinal o que sentimos por ele? Pena? Condescendência? Estamos nos divertindo com a figura de um monstro ou explorando uma vítima da sociedade? E conclui dizendo tratar-se de um estudo psicológico completo sobre o fascismo, a extrema direita e as masculinidades fracassadas”.
O que eu achei: “Coringa: Delírio a Dois” é todo ancorado no primeiro “Coringa” de 2019, uma obra-prima que mostrava uma versão de como esse vilão das histórias do Batman teria surgido: um homem doente, maltratado pela sociedade, que vai perdendo o controle de suas ações e se tornando um serial killer, terminando o filme com 6 assassinatos nas costas. Acaba capturado pela polícia e levado para o Asilo Elizabeth Arkham para os Criminalmente Insanos, encerrando o filme encarcerado em uma sala ao lado de diversos criminosos com distúrbios psicológicos. Em “Coringa: Delírio a Dois” ele será julgado pelos seus crimes enquanto, em paralelo, ele convive com guardas e detentos da instituição e se envolve com sua maior fã: Harleen "Lee" Quinzel ou Arlequina, interpretada pela Lady Gaga. O filme é tremendamente melancólico. A fotografia relativamente escura é muito bem executada em seus recortes precisos. A trilha sonora cantada pelos protagonistas é excelente com clássicos como “Fly Me To The Moon (In Other Words)”, “Close To You”, “When The Saints Go Marching In”, “Dancing in the Moonlight” e “If You Go Away” dentre outros. Tanto Lady Gaga como o sempre ótimo Joaquin Phoenix estão muito bem nos papéis. Ela cantando menos do que poderia para não obscurecer Phoenix que não é cantor, e ele se superando num sapateado. Apesar das qualidades o filme resulta um pouco arrastado, repetindo diversas cenas do primeiro já que se ancora diretamente nele para que o protagonista receba seu veredicto. A pergunta que fica é por que teria Todd Phillips feito esse filme tão radicalmente diferente do primeiro, já que o primeiro foi um sucesso estrondoso? A resposta parece estar no descontentamento do diretor com o fato do primeiro “Coringa” ter virado uma espécie de bandeira para grupos fascistas que fizeram do personagem seu ídolo do mal, um ícone, um herói que se manifesta através da violência e da misoginia. Observando o filme por esse viés, de fato o que “Coringa: Delírio a Dois” faz é desmontar esse ídolo. Mostrar que ele não é um ‘gênio do crime’, mas sim um homem doente chamado Arthur Fleck que precisa ser detido, evitado, julgado e condenado. Com certeza um balde de água fria nesse grupo de fãs tóxicos. Só não tenho certeza se isso seria necessário. Afinal, quando você coloca um trabalho no mundo - seja um livro, um filme, uma pintura, uma obra de arte qualquer - você não decide como ele será visto. Você simplesmente o coloca lá fora e espera o melhor. Então, apesar de eu não ter achado a sequência péssima como muita gente achou, eu a achei desnecessária, pois ela não se realiza nem como um excelente musical nem como um excelente drama de tribunal. É um filme bem intencionado que pretende mostrar que seu palhaço é produto de toda uma cultura que o precede, vítima de uma sociedade, mas que atinge pouca profundidade ao tentar desenvolver o estudo psicológico do personagem, ficando muito aquém do primeiro. Um filme bom porém morno que carece da audácia de seu antecessor.