4.3.25

“Todas as Manhãs do Mundo” - Alain Corneau (França, 1991)

Sinopse:
Século XVII. Após a morte da esposa, o músico Monsieur de Sainte-Colombe (Jean-Pierre Marielle) se isola e dedica sua vida à música e às suas filhas Madeleine (Anne Brochet) e Toinette (Carole Richert). Um dia, o jovem Marin Marais (Guilherme Depardieu/ Gérard Depardieu) chega com um pedido: que o músico o ensine a tocar viola da gamba. Logo ele começa um romance com a filha do tutor.
Comentário: Alain Corneau (1943-2010) foi um cineasta e escritor francês. Originalmente músico, trabalhou como assistente de diretores como Costa-Gavras, Marcel Camus e Jorge Semprún. Depois passou a dirigir seus próprio filmes, totalizando 16 ao longo de sua carreira. “Todas as Manhãs do Mundo” (1991) é o primeiro filme que vejo dele.
Trata-se da adaptação para as telas do livro homônimo do escritor Pascal Quignard cuja narrativa se dá através das memórias do musicista Marin Marais e seu convívio com o mestre Sainte-Colombe e suas filhas Madeleine e Toinette, na região bucólica de Creuse, na França. Na trama, Monsieur de Sainte-Colombe (Jean-Pierre Marielle) perde sua esposa e, após o ocorrido, resolve se isolar passando a dedicar sua vida apenas à música e às suas filhas. Marin Marais surge na vida dele pois ele espera que Colombe o ensine a tocar viola da gamba.
Ruth Silviano Brandão da UFMG nos conta que esse escritor Pascal Quignard é “pouco conhecido no Brasil” e que o romance é “sobre um músico e sua enorme melancolia por uma perda sem remédio e sem esquecimento: a morte de sua amada, sua mulher, mãe de suas filhas. Assim começa o livro e essa é uma das primeiras imagens do filme (...)”.
A história começa então nos contando desse falecimento dizendo: “Na primavera de 1650, Madame de Sainte-Colombe morreu. Ela deixou duas filhas de dois e seis anos. Monsieur de Sainte-Colombe nunca se consolou da morte de sua esposa. Ele a amava. Foi nesta ocasião que ele escreveu ‘O Túmulo das Lamúrias’”.
Brandão comenta que “Em Pascal Quignard, a música é marca, destino de sua escrita, lugar de continua ruminação sobre os mesmos temas: a solidão, o silêncio, a perda de um som, de uma palavra, de algo nunca mais reencontrado. Talvez seja possível afirmar que, antes da música, haja o silêncio e esse silêncio seja a ausência de uma voz, de uma determinada voz. Monsieur de Sainte-Colombe, mudo de dor pela presença de uma ferida mortal na alma, tornou-se cada vez mais taciturno, fechou-se em casa e consagrou-se totalmente à música, diz o romance, exibe o filme. A descrição desse homem estende-se por várias páginas do romance, construindo-se para o leitor a imagem de um personagem, cujo traço mais forte era o silêncio - o silêncio na música; o silêncio, condição da música”.
Apesar dessa história ser fictícia os dois personagens - Monsieur de Sainte-Colombe (1640-1700) e Marin Marais (1656-1728) – realmente existiram. Foram dois compositores franceses do final do século XVII e virtuosos instrumentistas de viola da gamba. Outro musicista citado no filme é Jean-Baptiste Lully (1632–1687) um compositor italiano, naturalizado francês, que passou a maior parte da vida trabalhando na corte de Luís XIV. Dizem que o pouco que se sabe sobre suas vidas é retratado no filme com precisão.
O blog A Janela Encantada nos conta que “Monsieur de Sainte-Colombe é ainda hoje um compositor envolto nalgum mistério, não se conhecendo exatamente as suas origens. Sabe-se que vivia uma vida de reclusão, tendo ficado célebre pela suposta adição de uma sétima corda à sua viola da gamba (um antecessor do moderno violoncelo), que lhe dava um som mais intenso, e por ter sido o tutor do célebre compositor e intérprete, Marin Marais. O filme explora principalmente a interação entre estes dois homens, tentando lançar um pouco de luz sobre o que seria a relação de Monsieur de Sainte-Colombe com a sua música”.
Além da perfeita reconstituição histórica, a trilha sonora do filme - que revisita as obras de Sainte-Colombe e Marais - ficou a cargo do célebre virtuoso Jordi Savall (interpretada pelo próprio e pelos solistas do Ensemble Le Concert des Nations).
No elenco temos Jean-Pierre Marielle, Gérard Depardieu, Anne Brochet, Guillaume Depardieu (filho de Gérard), Caroline Sihol e Carole Richert.
O filme foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, ao Urso de Ouro em Berlim e venceu sete prêmios César: Melhor Filme, Direção, Fotografia, Trilha Sonora, Figurino, Som e Melhor Atuação Coadjuvante (Anne Brochet).
O que disse a crítica: Roger Ebert do Chicago Sun-Times gostou do filme. Disse que "É sobre um homem a quem a vida deve ter parecido uma vez ilimitada e cujas manhãs estão agora contadas. Esta é uma história simples, composta de três coisas: música, amor e arrependimento".
Mary Ann Johanson do Flick Filosopher também gostou. Escreveu: "Há uma melancolia assustadora na retrospectiva lamentável da sua história de Marain Marais (...) envolvendo também um caso tórrido com a filha de Sainte-Colombe".
O que eu achei: Que filme lindo, tanto visualmente como musicalmente! A fotografia ficou a cargo de Yves Angelo, que ganhou um prêmio Cesar por ela. Praticamente durante todo o filme o que vemos é um quadro em movimento, muito de acordo com os mestres holandeses do século XVII, época em que se passa a história. A música, que é o tema central do filme, é outro arraso, pois ficou a cargo do talentoso gambista, regente e compositor catalão Jordi Savall, especialista em música antiga, tendo já traduzido inúmeros manuscritos de origens várias: mourisca, turca, grega e espanhola. Essas escolhas fizeram toda a diferença já que a trama gira em torno de dois compositores e virtuosos instrumentistas de viola da gamba do século XVII, o mestre Monsieur de Sainte-Colombe (1640-1700) e Marin Marais (1656-1728), músico da Corte Real de Versalhes. Há longas passagens embaladas pelo som melancólico da viola da gamba que nos transporta para o que de mais sublime possa haver na música de câmara espiritual. Apesar dos dois musicistas retratados terem realmente existido, pouco se sabe sobre eles, especialmente sobre Monsieur de Sainte-Colombe. Então a história contada é um misto do pouco que se sabe deles com ficção. Termina com os dois musicistas filosofando sobre o significado e o propósito da música. Sublime resume.