
Comentário: RaMell Ross (1982) é um produtor e cineasta americano. Ele foi nomeado ao Oscar em 2019 na categoria de Melhor Documentário em Longa-Metragem por "Hale County This Morning, This Evening" (2018). "O Reformatório Nickel" (2024) é o primeiro filme que vejo dele.
Trata-se de uma adaptação do romance homônimo de Colson Whitehead, que rendeu ao autor seu segundo prêmio Pulitzer.
Trata-se de uma adaptação do romance homônimo de Colson Whitehead, que rendeu ao autor seu segundo prêmio Pulitzer.
Tais Zago do site Café História nos conta que “O filme explora as experiências angustiantes de dois jovens afro-americanos, Elwood Curtis (Ethan Herisse) e Jack Turner (Brandon Wilson), na chamada Nickel Academy, uma escola para ‘endireitar’ jovens rebeldes e/ou que cometiam pequenos delitos, na Flórida dos anos 1960.
O romance de Colson Whitehead é baseado nos horrores reais da infame Dozier School for Boys na Flórida, os quais vieram à tona em sua totalidade somente após seu fechamento, apesar das práticas desumanas que imperavam no dia a dia do reformatório serem de conhecimento de todos, principalmente dos governantes e administradores da região.
A escola Dozier, considerada oficialmente uma academia para a reabilitação de jovens infratores, foi fundada em 1900 na cidade de Marianna, no estado norte-americano da Flórida, e operou por mais de um século até ser fechada em 2011. Porém, em realidade, Dozier virou sinônimo de abusos extremos, racismo e mortes injustificadas de jovens internos. Com a justificativa de reeducar ‘meninos problemáticos’ o local se tornou um centro de abuso sistemático.
A escola era também segregada racialmente – tinha uma ala para jovens negros, pardos e imigrantes e outra para os brancos. Os alunos negros sofriam punições infinitamente mais severas e a escola contava com um cemitério clandestino onde as suas milhares de vítimas dos abusos eram secretamente enterradas.
Os tipos de abusos praticados eram variados e iam de espancamentos, confinamento solitário por dias, abuso sexual e até mesmo experimentos médicos ilegais onde era forçado o teste de drogas nos meninos. Em especial, era corriqueiro o uso do espancamento em um local chamado ‘White House’ onde os meninos eram brutalmente chicoteados.
Em 2012, cientistas forenses descobriram 55 túmulos não identificados de alunos nos entornos da instituição. Muitos desses corpos nunca foram identificados. Os túmulos não identificados desempenham um papel central na exposição do passado sombrio da instituição.
A falta de responsabilização pelos crimes ainda perdura e sobreviventes lutaram pelo reconhecimento do Estado das atrocidades cometidas, somente em 2019 o governo da Flórida fez um pedido formal de desculpas aos familiares dos desaparecidos e aos sobreviventes, porém, até hoje, nenhum funcionário foi julgado ou condenado pelos seus crimes. Temos aqui mais um capítulo de uma história de horror sendo varrida para debaixo do tapete por políticos, não raramente, brancos.
Em sua representação da Nickel Academy, RaMell Ross incorporou diversos fatos e situações reais ocorridos na Dozier School. Usando a base sólida oferecida pela obra de Colson Whitehead, Ross adaptou o roteiro (...). Optando por um espaço limitado de tempo em sua exposição do reformatório fictício o filme se concentra na década de 1960 e inclui a era das lutas pela igualdade de Direitos Civis e o fim da segregação, a presença inspiracional de Martin Luther King Jr. e os protestos norte-americanos que inflamaram uma reação abjeta e violenta da polícia da Flórida.
Em ‘Nickel Boys’, Ross utilizou vários elementos de relatos reais de sobreviventes (...), como a chamada ‘White House’, a casa de tortura dos jovens, os locais de isolamento como punição e os desaparecimentos sem explicação. Porém, fez a opção de não abordar os abusos sexuais e a parte das alegações de testes clínicos de uma forma abrangente, o que contraria os extensos depoimentos de sobreviventes da Dozier. Por outro lado, Ross não falhou em nos passar a situação real da impotência dos alunos diante de seus algozes e mostra de forma realista o limbo legal onde os jovens eram abandonados à sua própria sorte”.
O filme foi nomeado um dos 10 melhores filmes de 2024 pelo American Film Institute e recebeu inúmeras honrarias, incluindo uma indicação para Melhor Filme Drama no Globo De Ouro. Agora ele segue em direção ao Oscar concorrendo nas categorias de Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado.
O que disse a crítica: Vitor Veloso do site Vertentes do Cinema avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Disse: “’O Reformatório Nickel’ é um projeto relativamente ambicioso pela escolha estética e formal, mas parece buscar um diálogo facilitado por meio desse próprio recorte, seja em seu caráter político, seja em seu viés social. À medida que os olhos de Elwood e Turner guiam a objetiva, o filme se encaminha para o encerramento de discussões, ainda que sua narrativa seja capaz de abordar uma gama temática bastante complexa. Por fim, trata-se de um filme que surpreende na forma, por uma ousadia pouco comum à indústria, mas que, em todas as outras frentes, prefere assegurar que todas as arestas estarão cobertas, evitando grandes polêmicas ou questões que possam prejudicar seu encaminhamento comercial”.
Marcelo Müller do site Papo de Cinema também avaliou com 3 estrelas. Escreveu: “É forte a denúncia das instituições formadoras de uma nação que perpetuava práticas escravagistas secretamente enquanto Martin Luther King, Malcolm X e os Panteras Negras marchavam pelas cidades em busca de dignidade. A trama contém vários episódios indicativos da continuidade da opressão branca sobre membros da população afro-americana: ‘erros judiciais’, tortura física/psicológica, exploração de mão de obra não remunerada, aniquilação da autoestima e das possibilidades de um futuro menos subalterno, etc. No meio disso, surge a amizade, felizmente não idealizada como solução milagrosa para suportar o sofrimento. E a persistência do subjetivismo como forma de emoldurar a realidade aterradora é somente parcialmente bem-sucedida [já que] a insistência nesse dispositivo causa uma interferência que diminui o vigor em prol de uma poesia melancólica. (...) Nos seus demorados quase 140 minutos, o filme entrega suas mensagens, mas com certa indolência”.
O que eu achei: “Nickel Boys” é uma excelente oportunidade de se conhecer os horrores ocorridos na Escola Dozier, um reformatório para jovens infratores que existiu na Flórida e funcionou de 1900 a 2011, ou seja, por 111 anos. O local foi inaugurado com um determinado propósito - ser um centro de reeducação – mas, com o tempo, foi-se tornando mais parecido com uma prisão onde ocorriam inúmeras atrocidades contra esses meninos. Basta ver o filme - ou ler o livro no qual o filme foi baseado - que todas essas atrocidades estão lá listadas, com a única diferença que o livro trata dos abusos sexuais sofridos pelos jovens e o filme não. Aliás fica aqui a pergunta do que porque o filme teria omitido isso. Essa história trágica veio à tona apenas em 2013, com a escola já fechada, quando foram descobertos 55 enterros nos terrenos da escola e 27 "possíveis túmulos". Então o filme tem essa qualidade de denunciar, apesar de até o momento nenhuma denúncia (inclusive ações coletivas de ex-internos) ter resultado em condenações contra qualquer um dos acusados. No filme, o diretor condensou as ocorrências em dois personagens fictícios - Elwood e Turner - juntando relatos reais de vários meninos que lá estiveram. O problema do filme é a forma como a história é contada. Uma câmera é colocada no lugar de Elwood. Então tudo o que ele está vendo: as pessoas com as quais ele está conversando, a comida que ele come... tudo é visto como se nós fossemos ele. É uma opção diferente e bastante interessante mas que acaba atrapalhando a fruição da narrativa. Demora um tanto de tempo para vermos seu rosto e isso só se dá quando uma outra câmera é colocada no lugar do Turner. O resultado esteticamente falando é lindo e poeticamente potente, pois junta as imagens dessa câmera “subjetiva” com imagens de arquivos e fotos de objetos encontrados nos terrenos da escola, formando um verdadeiro quebra-cabeças todo fragmentado. Mas, em contrapartida, a assimilação fica comprometida, camuflando informações que seriam facilmente assimiladas se a filmagem fosse mais convencional. O filme é bom, a trilha sonora é incrível, conta uma história relevante merecedora de toda nossa atenção, mas hoje eu ainda vou ter que rever uns trechos, especialmente o final, para entender melhor aquele desfecho.
O romance de Colson Whitehead é baseado nos horrores reais da infame Dozier School for Boys na Flórida, os quais vieram à tona em sua totalidade somente após seu fechamento, apesar das práticas desumanas que imperavam no dia a dia do reformatório serem de conhecimento de todos, principalmente dos governantes e administradores da região.
A escola Dozier, considerada oficialmente uma academia para a reabilitação de jovens infratores, foi fundada em 1900 na cidade de Marianna, no estado norte-americano da Flórida, e operou por mais de um século até ser fechada em 2011. Porém, em realidade, Dozier virou sinônimo de abusos extremos, racismo e mortes injustificadas de jovens internos. Com a justificativa de reeducar ‘meninos problemáticos’ o local se tornou um centro de abuso sistemático.
A escola era também segregada racialmente – tinha uma ala para jovens negros, pardos e imigrantes e outra para os brancos. Os alunos negros sofriam punições infinitamente mais severas e a escola contava com um cemitério clandestino onde as suas milhares de vítimas dos abusos eram secretamente enterradas.
Os tipos de abusos praticados eram variados e iam de espancamentos, confinamento solitário por dias, abuso sexual e até mesmo experimentos médicos ilegais onde era forçado o teste de drogas nos meninos. Em especial, era corriqueiro o uso do espancamento em um local chamado ‘White House’ onde os meninos eram brutalmente chicoteados.
Em 2012, cientistas forenses descobriram 55 túmulos não identificados de alunos nos entornos da instituição. Muitos desses corpos nunca foram identificados. Os túmulos não identificados desempenham um papel central na exposição do passado sombrio da instituição.
A falta de responsabilização pelos crimes ainda perdura e sobreviventes lutaram pelo reconhecimento do Estado das atrocidades cometidas, somente em 2019 o governo da Flórida fez um pedido formal de desculpas aos familiares dos desaparecidos e aos sobreviventes, porém, até hoje, nenhum funcionário foi julgado ou condenado pelos seus crimes. Temos aqui mais um capítulo de uma história de horror sendo varrida para debaixo do tapete por políticos, não raramente, brancos.
Em sua representação da Nickel Academy, RaMell Ross incorporou diversos fatos e situações reais ocorridos na Dozier School. Usando a base sólida oferecida pela obra de Colson Whitehead, Ross adaptou o roteiro (...). Optando por um espaço limitado de tempo em sua exposição do reformatório fictício o filme se concentra na década de 1960 e inclui a era das lutas pela igualdade de Direitos Civis e o fim da segregação, a presença inspiracional de Martin Luther King Jr. e os protestos norte-americanos que inflamaram uma reação abjeta e violenta da polícia da Flórida.
Em ‘Nickel Boys’, Ross utilizou vários elementos de relatos reais de sobreviventes (...), como a chamada ‘White House’, a casa de tortura dos jovens, os locais de isolamento como punição e os desaparecimentos sem explicação. Porém, fez a opção de não abordar os abusos sexuais e a parte das alegações de testes clínicos de uma forma abrangente, o que contraria os extensos depoimentos de sobreviventes da Dozier. Por outro lado, Ross não falhou em nos passar a situação real da impotência dos alunos diante de seus algozes e mostra de forma realista o limbo legal onde os jovens eram abandonados à sua própria sorte”.
O filme foi nomeado um dos 10 melhores filmes de 2024 pelo American Film Institute e recebeu inúmeras honrarias, incluindo uma indicação para Melhor Filme Drama no Globo De Ouro. Agora ele segue em direção ao Oscar concorrendo nas categorias de Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado.
O que disse a crítica: Vitor Veloso do site Vertentes do Cinema avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Disse: “’O Reformatório Nickel’ é um projeto relativamente ambicioso pela escolha estética e formal, mas parece buscar um diálogo facilitado por meio desse próprio recorte, seja em seu caráter político, seja em seu viés social. À medida que os olhos de Elwood e Turner guiam a objetiva, o filme se encaminha para o encerramento de discussões, ainda que sua narrativa seja capaz de abordar uma gama temática bastante complexa. Por fim, trata-se de um filme que surpreende na forma, por uma ousadia pouco comum à indústria, mas que, em todas as outras frentes, prefere assegurar que todas as arestas estarão cobertas, evitando grandes polêmicas ou questões que possam prejudicar seu encaminhamento comercial”.
Marcelo Müller do site Papo de Cinema também avaliou com 3 estrelas. Escreveu: “É forte a denúncia das instituições formadoras de uma nação que perpetuava práticas escravagistas secretamente enquanto Martin Luther King, Malcolm X e os Panteras Negras marchavam pelas cidades em busca de dignidade. A trama contém vários episódios indicativos da continuidade da opressão branca sobre membros da população afro-americana: ‘erros judiciais’, tortura física/psicológica, exploração de mão de obra não remunerada, aniquilação da autoestima e das possibilidades de um futuro menos subalterno, etc. No meio disso, surge a amizade, felizmente não idealizada como solução milagrosa para suportar o sofrimento. E a persistência do subjetivismo como forma de emoldurar a realidade aterradora é somente parcialmente bem-sucedida [já que] a insistência nesse dispositivo causa uma interferência que diminui o vigor em prol de uma poesia melancólica. (...) Nos seus demorados quase 140 minutos, o filme entrega suas mensagens, mas com certa indolência”.
O que eu achei: “Nickel Boys” é uma excelente oportunidade de se conhecer os horrores ocorridos na Escola Dozier, um reformatório para jovens infratores que existiu na Flórida e funcionou de 1900 a 2011, ou seja, por 111 anos. O local foi inaugurado com um determinado propósito - ser um centro de reeducação – mas, com o tempo, foi-se tornando mais parecido com uma prisão onde ocorriam inúmeras atrocidades contra esses meninos. Basta ver o filme - ou ler o livro no qual o filme foi baseado - que todas essas atrocidades estão lá listadas, com a única diferença que o livro trata dos abusos sexuais sofridos pelos jovens e o filme não. Aliás fica aqui a pergunta do que porque o filme teria omitido isso. Essa história trágica veio à tona apenas em 2013, com a escola já fechada, quando foram descobertos 55 enterros nos terrenos da escola e 27 "possíveis túmulos". Então o filme tem essa qualidade de denunciar, apesar de até o momento nenhuma denúncia (inclusive ações coletivas de ex-internos) ter resultado em condenações contra qualquer um dos acusados. No filme, o diretor condensou as ocorrências em dois personagens fictícios - Elwood e Turner - juntando relatos reais de vários meninos que lá estiveram. O problema do filme é a forma como a história é contada. Uma câmera é colocada no lugar de Elwood. Então tudo o que ele está vendo: as pessoas com as quais ele está conversando, a comida que ele come... tudo é visto como se nós fossemos ele. É uma opção diferente e bastante interessante mas que acaba atrapalhando a fruição da narrativa. Demora um tanto de tempo para vermos seu rosto e isso só se dá quando uma outra câmera é colocada no lugar do Turner. O resultado esteticamente falando é lindo e poeticamente potente, pois junta as imagens dessa câmera “subjetiva” com imagens de arquivos e fotos de objetos encontrados nos terrenos da escola, formando um verdadeiro quebra-cabeças todo fragmentado. Mas, em contrapartida, a assimilação fica comprometida, camuflando informações que seriam facilmente assimiladas se a filmagem fosse mais convencional. O filme é bom, a trilha sonora é incrível, conta uma história relevante merecedora de toda nossa atenção, mas hoje eu ainda vou ter que rever uns trechos, especialmente o final, para entender melhor aquele desfecho.