23.3.25

“No Lugar da Outra” - Maite Alberdi (Chile, 2024)

Sinopse:
Chile, 1955. A escritora María Carolina Geel (Francisca Lewin) assassina seu amante e o caso cativa Mercedes (Elisa Zulueta), a tímida secretária do Ministério Público encarregada de defender o acusado. Após visitar o apartamento da escritora, Mercedes começa a questionar sua vida, identidade e o papel da mulher na sociedade ao encontrar naquele lar um oásis de liberdade.
Comentário: Maite Alberdi (1983) é uma cineasta chilena que dirigiu filmes como “El Salvavidas” (2011), “La Once” (2014), “The Grown-Ups” (2016), “Agente Duplo” (2020) - indicado ao Oscar de Melhor Documentário e “A Memória Infinita” (2023) - também indicado ao Oscar de Melhor Documentário e premiado no Goya e em Sundance. “No Lugar da Outra” (2024) é o primeiro filme que vejo dela.
Carlos Alberto Mattos do blog Carmattos nos conta que “Num fatídico dia de 1955, a escritora chilena María Carolina Geel (pseudônimo de Georgina Silva Giménez, 1913-1996) levantou-se diante do [namorado] numa mesa do hotel Crillón, em Santiago, e o matou com cinco tiros à queima-roupa. O crime e o julgamento ocuparam os tabloides por meses, repetindo o que já acontecera antes com outra escritora chilena, María Luisa Bombal”.
Esta história de fato ocorreu, mas o filme – que é uma adaptação do romance ‘Las Homicidas’, de Alia Trabucco Zerán – vai se focar numa outra pessoa: a tímida secretária Mercedes, uma funcionária do tribunal designada pela equipe judicial para investigar o cotidiano da escritora assassina. Ao ser confrontada com a vida da ré, Mercedes começa a questionar a realidade opressiva à sua volta, seu casamento e sua identidade.
Segundo Helena Oliveira da Revista Bula, a diretora “se aventura em uma narrativa que mistura romance policial e biografia, trazendo à tona a vida cheia de nuances da escritora María Carolina Geel. (...) O foco nas histórias de mulheres não é por acaso: sem cair em discursos panfletários, Alberdi e suas co-roteiristas, Inés Bortagaray e Paloma Salas, tecem uma crítica sutil à sociedade patriarcal, onde os homens, historicamente, têm a licença para cometer atos extremos em nome da honra, enquanto as mulheres são julgadas quando reagem de forma semelhante. É uma análise que expõe as contradições persistentes. (...)
Alberdi utiliza o tom dramático e envolvente de ‘No Lugar da Outra’ para criar um clima de tango andino distorcido, com toques de surrealismo. Ela ainda incorpora passagens que sugerem a interferência da poetisa Gabriela Mistral, laureada com o Nobel em 1945, junto ao presidente Carlos Ibáñez del Campo. A história ganha ares ainda mais intrigantes quando se lembra que, em 1941, a poetisa María Luisa Bombal também recorreu à violência contra um parceiro, no mesmo Hotel Crillón, mas com um desfecho mais favorável ao homem.
Na segunda parte, Alberdi deixa de lado o drama do triângulo amoroso para se concentrar em Mercedes, a secretária do juiz que acompanha o caso. Nessa virada, ‘No Lugar da Outra’ transforma-se em um estudo profundo de personagens, revelando a ironia contida em seu título. Antes submissa à monotonia de seu cotidiano, Mercedes aproveita seu acesso ao processo judicial para se aproximar da vida de Geel, passando a visitar o apartamento da escritora enquanto diz ao marido que está no tribunal. (...)
A interação entre as duas personagens [Mercedes e María Carolina Geel] cria um embate moral que enriquece a narrativa, fazendo emergir reflexões filosóficas inesperadas. Com isso, Alberdi oferece um filme repleto de sutileza e beleza, características que têm sido escassas em outras produções sul-americanas”.
O filme foi a indicação do Chile para uma vaga ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 2025, mas acabou não selecionado para competir.
O que disse a crítica: Cardoso Júnior do site Academia de Cinema avaliou com 2 estrelas, ou seja, fraco. Escreveu: “Tecnicamente bem feito com primorosa reconstituição de época, cenografia minuciosa e figurinos impecáveis assim como as atuações, ‘No Lugar da Outra’ nunca atinge seu potencial dramático por conta do seu roteiro imobilizado por uma ótica errônea. Ainda que o parco arco dramático da protagonista tenha seus bons momentos, são nas infinitas possibilidades de aproveitamento mais profundo da história verídica e nas motivações para o crime que, ao final, percebemos que é o que nos manteve muito mais interessados”.
Ivanildo Pereira do site Cineset avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Disse: “’No Lugar da Outra’ não é um filme ruim, e é perfeitamente satisfatório. No entanto, também falta algo para torná-lo de fato memorável. Parece que a diretora acabou resolvendo contar a história errada: talvez a narrativa da escritora bem sucedida que matou seu namorado, pelas razões apresentadas por ela, e toda a repercussão posterior do crime, fosse a mais interessante. A montagem de várias cenas ao final, com recortes de jornal da época, acaba apontando para isso. E ficamos com mais curiosidade para saber sobre essa figura do que sobre a dócil personagem que acompanhamos até então”.
O que eu achei: Quando você começa a assistir ao filme tudo o que você espera é saber porque a escritora chilena María Carolina Geel matou seu namorado à queima-roupa. Mas isso não será contado, até porque até hoje essa história real, ocorrida em 1955 no Chile, não ficou muito bem esclarecida, indicando que talvez tenha sido um crime passional motivado pela infidelidade do parceiro. No filme Geel está sendo julgada, testemunhas são interrogadas diariamente e a secretária do juiz do caso, Mercedes, acompanha toda essa história com um interesse além do habitual. Bendita a hora que ela é designada para ir até o apartamento de Geel investigar como era sua vida, pois é lá que Mercedes vai perceber como a vida de Geel é diferente da dela. Ao longo da trama observamos os opostos dessas duas mulheres. Mercedes é casada, Geel é uma solteira convicta. Mercedes mora numa casa minúscula com seu marido e filhos que a desprezam sacrificando-se em sua dupla jornada de secretária e dona de casa, Geel mora sozinha num apartamento amplo, organizado e silencioso onde ela passa os dias escrevendo romances. Mercedes tropeça todos os dias numa enceradeira quebrada cujo marido adia incessantemente o conserto, enquanto Geel, ao ganhar uma enceradeira do namorado, se dirige ao parque mais próximo e joga a enceradeira de uma ponte. Mercedes usa a máquina de escrever para datilografar processos, enquanto Geel usa a máquina de escrever para inventar histórias e publicar livros. Se por um lado o filme frustra expectativas em não esclarecer praticamente nada do crime, por outro ele traz a oportunidade de viajarmos nos questionamentos existenciais de Mercedes, se debruçando no papel da mulher na sociedade da época. O resultado não é a última bolacha do pacote, há problemas com a artificialidade dos cenários e com uma ou outra interpretação, mas tem seus méritos ao transmitir uma mensagem de empoderamento feminino. Dá pra encarar sem arrependimentos.