16.3.25

“Motel Destino” - Karim Aïnouz (Brasil/França/Alemanha/Reino Unido, 2024)

Sinopse:
Heraldo (Iago Xavier) se refugia no Motel Destino para fugir da perseguição da chefona do crime para quem trabalha, após um trabalho que deu errado e custou a vida de seu irmão. O motel é um lugar perfeito para servir de esconderijo e é onde ele conhece Dayana (Nataly Rocha) e Elias (Fábio Assunção), casal que administra o local.
Comentário: Karim Aïnouz (1966) é um cineasta brasileiro, filho de mãe brasileira e pai argelino. Após estudar arquitetura, ele foi estudar cinema nos EUA. Seu primeiro longa foi “Madame Satã” (2002). Até o momento assisti três filmes do diretor: os bons "Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo" (2009) e “O Jogo da Rainha” (2023) e o excelente "A Vida Invisível" (2019). Desta vez vou conferir “Motel Destino” (2024).
José Geraldo Couto do IMS nos conta que “Desde as primeiras imagens duas coisas chamam a atenção do espectador de ‘Motel Destino’, de Karim Aïnouz: os corpos e as cores. Para além de sua trama, e das profundezas psicológicas e morais que o filme chega a sondar, é nesses dois elementos – e nas relações entre eles – que reside sua força.
O entrecho, reduzido a suas linhas básicas, é o mesmo de tantos clássicos da literatura e do cinema noir, em especial de ‘O Destino Bate à Sua Porta’, de James M. Cain, que teve nada menos que seis versões cinematográficas: um tenso triângulo amoroso entre uma mulher, seu amante mais jovem e seu marido mais velho, levando inexoravelmente ao crime.
No caso aqui, o terceiro vértice, aquele que vem trazer o desequilíbrio e o suspense, é Heraldo (Iago Xavier), rapaz de vinte anos que, em fuga de uma gangue de traficantes, refugia-se no motel do título, de propriedade do casal Dayana (Nataly Rocha) e Elias (Fábio Assunção).
A primeira novidade em relação ao esquema noir citado é que tudo se passa num trecho de litoral paradisíaco do Ceará, com suas praias, dunas e falésias. A segunda novidade é que boa parte da ação fica confinada num motel de beira de estrada, do qual o filme extrai seu título. Mas a grande originalidade dessa aclimatação tropical de um mote dramático clássico e universal está na forma: corpos e cores, como já foi dito.
A opção pela filmagem em película de 16 milímetros, com uma fotografia excepcional de Hélène Louvart, e a forte predominância de cores quentes na direção de arte conferem aos seres e ambientes uma pulsação quase palpável, realçada, nas cenas internas, pela iluminação feérica do motel. É um verdadeiro assalto ao sentido da visão, a ponto de um letreiro inicial alertar para o perigo de perturbação aos organismos mais sensíveis.
A par disso, há na relação entre os personagens a ênfase no físico, no carnal, sublinhada pela sonoplastia de suspiros e gemidos no motel e pela presença frequente e significativa de animais em cena: jumento, cobra, gato, bode, cavalo, pássaro, invadindo por vezes o espaço dos humanos. A certa altura, observando uma cópula entre jumentos no terreno atrás do motel, Elias comenta com Heraldo: ‘Que bom seria se a vida fosse só isso’. E no momento de clímax dramático, na ‘hora da verdade’, os personagens estão nus, à noite, no meio do nada, reduzidos a sua dimensão animal.
Claro que existe uma atenção à circunstância social em que se dá esse jogo entre pulsões de vida e de morte. O poder do dinheiro e das armas limita a movimentação dos corpos. Heraldo, rapaz negro e pobre, sabe disso como ninguém. Quando interrogado por um policial, ele resume: ‘Eu nasci. Desde então eu luto a cada dia pra não morrer’.
Mas o que impera é a lei do desejo. Nesse aspecto, a originalidade de ‘Motel Destino’ em face do triângulo clássico do noir está, a meu ver, na introdução de uma certa ambiguidade sexual, e não apenas na insinuação de uma atração do marido pelo amante de sua esposa. Desde a primeira cena, em que dois rapazes seminus brincam de lutar entre dunas desertas (...), todos os embates corpo a corpo do filme se dão no limiar entre o jogo – sobretudo sexual – e a agressão”.
O filme estreou na mostra competitiva do Festival de Cannes. Em entrevista ao portal DW, por ocasião da estreia, o diretor comentou: “O motel é um lugar onde tudo é permitido. É uma arena dramatúrgica muito brasileira. Sim, é algo que só tem no Brasil. Acho que só tem uns na Colômbia, em Tóquio. Mas o motel como instituição, com essa arquitetura toda especial, isso é uma coisa nossa. Uma verdadeira invenção brasileira. E que me permitiu usar muita fantasia neste filme”.
Outra declaração interessante do diretor foi: “Eu acho que sexo e comédia têm a ver com a vida. Não são questões morais, são sinais de vida. Depois desses quatro anos de tanto terror e energia de morte, cheguei no set querendo mostrar cor e vida. É um filme onde explode cor, explode tesão, explode humor. É um filme muito inspirado em pornochanchadas e naqueles programas policiais que passam na TV tipo meio dia. É um policial erótico”.
O que disse a crítica: Alexandre Figueirôa da Revista O Grito! avaliou com 3,5 estrelas, ou seja, muito bom. Disse: Quando o filme terminou “fiquei com a impressão de que se Aïnouz tivesse feito uma obra mais próxima ao estilo do que fez em ‘O Céu de Suely’ talvez o resultado fosse mais consistente. É muito válido um cineasta explorar novos caminhos e devemos respeitar suas escolhas estéticas como a opção de enveredar pelo nem sempre tão fácil cinema de gênero. Essa trilha, todavia, necessita talvez de um olhar e uma linguagem enraizada numa descoberta mais interior, inerente ao objeto narrado de modo a preservar sua originalidade”.
Caio Coletti do site Omelete avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “’Motel Destino’ não chega a se entregar ao fatalismo, até porque encontra vivacidade de sobra em seus personagens e performances, perversões de chavões do noir para uma realidade contemporânea muito mais complicada, e por vezes mais patética, do que Hollywood seria capaz de aceitar. O bom humor do filme está em contrastar seus momentos mundanos e suas jogadas mais teatrais - a dança desajeitada de Fábio Assunção se transformando na carranca ameaçadora, de olhos sombrios e cabelo bagunçado, de um vilão operático”.
O que eu achei: Impressionante o quanto Karim Aïnouz é versátil. Assisti dele três filmes. "Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo" (2009) foi o primeiro que eu vi. Era uma espécie de vídeo-arte que vai mostrando paisagens e personagens de um trajeto mesclando imagens de duas câmeras 16mm (Bolex), uma câmera super-8, uma mini-DV VX1000 (Sony) e uma câmera tcheca (Minockner) com um ator narrando a história e construindo a narrativa, configurando um filme que poderia ser exibido em galerias de arte. Daí assisti "A Vida Invisível" (2019), um drama familiar que se passa no Rio de Janeiro na década de 40 e conta a história de Eurídice Gusmão e sua irmã Guida, separadas pela violência que existia dentro de sua própria família, na figura de seu pai. E, por fim, vi “O Jogo da Rainha” (2023), um filme encomendado, de época, falado em inglês, sobre Catarina Parr, a sexta e última esposa do rei Henrique VIII. Daí vem “Motel Destino” (2024) com algo totalmente diferente dos anteriores: um filme bem contemporâneo, que abusa das cores saturadas do sol escaldante do Ceará e das luzes artificiais do motel, numa espécie de filme policial com pitadas de pornochanchada. A primeira metade, que apresenta os personagens e suas vidas, começa bem mas alcança a metade do filme já levemente desgastada, dando a impressão que nada mais vai ocorrer de relevante. Só que não, da metade pra frente os conflitos começam a surgir e aquilo que vinha se desenhando como um possível marasmo engrena virando um bom thriller, que acaba compensando seguir até o final. Terminei de ver pensando no quanto Fábio Assunção trabalha bem. Era um rosto na tv brasileira praticamente fadado a ser o eterno galã de novela ou o vilão de família bem sucedida como se apresenta atualmente na novela “Garota do Momento”. Mas que nada, aqui ele mostra sua competência reunindo em seus gestos, falas e olhares o típico macho brasileiro, violento e ao mesmo tempo inseguro com relação à sua própria sexualidade. Dos quatro filmes que vi ainda gostei mais de “A Vida Invisível”, mas este também é um bom longa com qualidades que valem o tempo dispendido retratando algo genuinamente brasileiro. Atenção à fotografia super bem executada de Hélène Louvart.