
Comentário: Paul Wegener (1874-1948) foi um cineasta e ator polonês. Após fazer um pequeno papel em um filme despretensioso, ele foi convidado a atuar, com apenas 20 anos de idade, na companhia teatral de Max Reinhardt, a mais expressiva da Alemanha na época. Wegener teve importante papel nos primórdios do cinema alemão dos anos 1910. Foi roteirista e ator da primeira versão do filme “O Estudante de Praga” e realizou em 1917 o filme “O Flautista de Hamelin”, em que priorizou os acabamentos exteriores dos cenários no lugar da decoração abstrata usual nas artes desse período. Apesar de ter realizado grandes trabalhos como diretor, ele acabou sendo mais reconhecido como ator. Sua derrocada aconteceu nos anos 1930, quando realizou trabalhos para os nazistas, convertendo-se em um dos principais atores oficiais do regime totalitário implantado por Hitler. Morreu desacreditado em Berlim, três anos após a queda do regime. “O Golem” (1920) é o primeiro filme que vejo dele.
Em 2014 o SESC organizou uma mostra de cinema expressionista chamada "Sombras que Assombram" e publicou o seguinte texto - que contém spoilers - no catálogo da mostra: "Antes de qualquer análise é necessária uma breve explicação sobre o título do filme. Golem é um ser mítico, associado à tradição do judaísmo, particularmente à cabala, que pode ser trazido à vida por meio de um processo mágico. O filme de Wegener inicia com um imperador de certo reino, que parece ser da Idade Média, baixando um decreto contra os judeus que perturbavam a ordem pública com seus rituais místicos, ordenando que eles deixassem o reino urgentemente sob pena de serem severamente punidos. Enquanto isso, o líder espiritual judaico prevê, ao ler a cabala e os mapas astrais, que a posição das constelações mostra que se trata de um momento delicado para o seu povo e vê a necessidade de chamar o golem para defendê-lo. O líder espiritual, uma espécie de rabino, concebe rapidamente o ser de barro inanimado, e aguarda o instante favorável do alinhamento das constelações para poder dar vida ao seu monstro de barro, ao mesmo tempo que as negociações com o imperador não avançam.
Por meio de um ritual eles conseguem dar vida ao ser monstruoso, um servo do povo judeu. O rabino controla o sono do golem retirando a estrela de Davi de seu peito. O monstro passa então a circular pelas ruas, fazer compras e ajudar nas tarefas domiciliares. Até que o rabino resolve levá-lo a uma audiência com o imperador, que decidirá sobre o futuro do povo judeu. Na audiência, o rabino, com seus poderes mágicos, causa um desastre e o castelo começa a ruir. Com a ajuda do golem, o palácio é poupado e o decreto contra os judeus é anulado.
O golem percebe que quando a estrela de Davi é retirada de seu peito ele adormece, e passa a protegê-la. O problema acontece quando o monstro de barro perde o controle, não aceitando mais apenas seguir ordens alheias. Apesar de toda perseguição ao monstro de barro, Wegener nos brinda com um final sutil e singelo. O diretor não constrói seu golem com atributos de caráter, ele não é bom ou ruim, apenas irracional. ‘O Golem’ segue a tradição romântica alemã, herdada pelos artistas dos anos 1920. Reafirma o uso do estilo fantástico no cinema alemão, e como seu contemporâneo, “O Gabinete do Dr. Caligari” (1919), ratifica o gosto pela estética expressionista, pela história de terror fantástica, pela interpretação exagerada e pelo uso de cenários artificiais e assustadores, além de contar com a exuberante fotografia contrastada, feita pelo célebre artista expressionista Karl Freund”.
O que disse a crítica: Rafael Lima do site Plano Crítico avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Disse: “’O Golem’ não foi um filme que envelheceu tão bem quanto alguns dos seus pares do movimento expressionista. Mas ele ainda vale a visita pelo belo trabalho de fotografia de Karl Freund e de cenografia de Hans Poelzig, pelo seu valor histórico, e pelo próprio golem de Paul Wegener, um verdadeiro predecessor do monstro de Boris Karloff e outras criaturas que aterrorizaram o cinema de Hollywood na década de 1930 e 1940”.
David Parkinson do site Empire Online avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “Acusações de misoginia podem ser rebatidas, pois embora seja possível ver Miriam e o Golem como criações rebeldes do Rabino, a fúria climática do gigante pelo gueto sugere uma condenação do desejo masculino desenfreado (que é notavelmente restringido pela inocência de uma jovem em uma sequência com pronunciados tons marianos). O que está menos em questão, no entanto, é o legado do filme, pois influenciou ‘Metrópolis’, ‘Frankenstein’ e ‘King Kong’, entre muitos outros”.
O que eu achei: Curioso como o ator e diretor Paul Wegener se interessou por levar para as telas uma lenda judaica como o golem que aparece para salvar os judeus de uma ordem do imperador de que deixassem o reino por conta de estarem perturbando a ordem pública com seus rituais místicos e, dez anos depois, o cara virar um dos principais atores oficiais do regime totalitário implantado por Hitler. Sua boa vontade e seu desejo, aliás, de levar um filme digno para as telas, está nas três tentativas que ele fez de finalizar a película com qualidade: uma em 1915 e outra em 1918 que não o deixaram satisfeito, até chegar nessa maravilha que é a versão definitiva de 1920. Ele mesmo dirige, em parceria com Carl Boese, e ele mesmo interpreta a criatura: um golem, que é tipo um monstro tolo, encontrado em diversas histórias como por exemplo no “Frankenstein” de Mary Shelley. É um filme extremamente bem feito, mudo, mostrado num P&B colorizado, que super a vale a pena conhecer pois é um excelente exemplo do cinema expressionista alemão. Uma curiosidade: li que em 2018 a dupla de diretores Doron Paz e Yoav Paz fizeram uma nova versão dessa lenda chamada “A Lenda do Golem”. A premissa é um pouco diferente, pois nessa nova versão os moradores de uma vila judaica do século XIX vivem tranquilamente suas vidas enquanto seus vizinhos cristãos estão sendo consumidos pela peste. Isso desperta a inveja do outro povo que, cegos pelo desespero, invadem a vila judaica ameaçando-os. Com um sentimento de impotência uma mulher da comunidade judaica sugere que eles invoquem um golem para lhes proteger. O ser surge então no corpo de um menino coberto de lama, diferentemente do golem do filme do Wegener que é um adulto. A refilmagem eu não sei dizer se é boa, mas este do Wegener é obrigatório, especialmente para quem quer entender melhor a história do cinema. Vale ver.
Em 2014 o SESC organizou uma mostra de cinema expressionista chamada "Sombras que Assombram" e publicou o seguinte texto - que contém spoilers - no catálogo da mostra: "Antes de qualquer análise é necessária uma breve explicação sobre o título do filme. Golem é um ser mítico, associado à tradição do judaísmo, particularmente à cabala, que pode ser trazido à vida por meio de um processo mágico. O filme de Wegener inicia com um imperador de certo reino, que parece ser da Idade Média, baixando um decreto contra os judeus que perturbavam a ordem pública com seus rituais místicos, ordenando que eles deixassem o reino urgentemente sob pena de serem severamente punidos. Enquanto isso, o líder espiritual judaico prevê, ao ler a cabala e os mapas astrais, que a posição das constelações mostra que se trata de um momento delicado para o seu povo e vê a necessidade de chamar o golem para defendê-lo. O líder espiritual, uma espécie de rabino, concebe rapidamente o ser de barro inanimado, e aguarda o instante favorável do alinhamento das constelações para poder dar vida ao seu monstro de barro, ao mesmo tempo que as negociações com o imperador não avançam.
Por meio de um ritual eles conseguem dar vida ao ser monstruoso, um servo do povo judeu. O rabino controla o sono do golem retirando a estrela de Davi de seu peito. O monstro passa então a circular pelas ruas, fazer compras e ajudar nas tarefas domiciliares. Até que o rabino resolve levá-lo a uma audiência com o imperador, que decidirá sobre o futuro do povo judeu. Na audiência, o rabino, com seus poderes mágicos, causa um desastre e o castelo começa a ruir. Com a ajuda do golem, o palácio é poupado e o decreto contra os judeus é anulado.
O golem percebe que quando a estrela de Davi é retirada de seu peito ele adormece, e passa a protegê-la. O problema acontece quando o monstro de barro perde o controle, não aceitando mais apenas seguir ordens alheias. Apesar de toda perseguição ao monstro de barro, Wegener nos brinda com um final sutil e singelo. O diretor não constrói seu golem com atributos de caráter, ele não é bom ou ruim, apenas irracional. ‘O Golem’ segue a tradição romântica alemã, herdada pelos artistas dos anos 1920. Reafirma o uso do estilo fantástico no cinema alemão, e como seu contemporâneo, “O Gabinete do Dr. Caligari” (1919), ratifica o gosto pela estética expressionista, pela história de terror fantástica, pela interpretação exagerada e pelo uso de cenários artificiais e assustadores, além de contar com a exuberante fotografia contrastada, feita pelo célebre artista expressionista Karl Freund”.
O que disse a crítica: Rafael Lima do site Plano Crítico avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Disse: “’O Golem’ não foi um filme que envelheceu tão bem quanto alguns dos seus pares do movimento expressionista. Mas ele ainda vale a visita pelo belo trabalho de fotografia de Karl Freund e de cenografia de Hans Poelzig, pelo seu valor histórico, e pelo próprio golem de Paul Wegener, um verdadeiro predecessor do monstro de Boris Karloff e outras criaturas que aterrorizaram o cinema de Hollywood na década de 1930 e 1940”.
David Parkinson do site Empire Online avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “Acusações de misoginia podem ser rebatidas, pois embora seja possível ver Miriam e o Golem como criações rebeldes do Rabino, a fúria climática do gigante pelo gueto sugere uma condenação do desejo masculino desenfreado (que é notavelmente restringido pela inocência de uma jovem em uma sequência com pronunciados tons marianos). O que está menos em questão, no entanto, é o legado do filme, pois influenciou ‘Metrópolis’, ‘Frankenstein’ e ‘King Kong’, entre muitos outros”.
O que eu achei: Curioso como o ator e diretor Paul Wegener se interessou por levar para as telas uma lenda judaica como o golem que aparece para salvar os judeus de uma ordem do imperador de que deixassem o reino por conta de estarem perturbando a ordem pública com seus rituais místicos e, dez anos depois, o cara virar um dos principais atores oficiais do regime totalitário implantado por Hitler. Sua boa vontade e seu desejo, aliás, de levar um filme digno para as telas, está nas três tentativas que ele fez de finalizar a película com qualidade: uma em 1915 e outra em 1918 que não o deixaram satisfeito, até chegar nessa maravilha que é a versão definitiva de 1920. Ele mesmo dirige, em parceria com Carl Boese, e ele mesmo interpreta a criatura: um golem, que é tipo um monstro tolo, encontrado em diversas histórias como por exemplo no “Frankenstein” de Mary Shelley. É um filme extremamente bem feito, mudo, mostrado num P&B colorizado, que super a vale a pena conhecer pois é um excelente exemplo do cinema expressionista alemão. Uma curiosidade: li que em 2018 a dupla de diretores Doron Paz e Yoav Paz fizeram uma nova versão dessa lenda chamada “A Lenda do Golem”. A premissa é um pouco diferente, pois nessa nova versão os moradores de uma vila judaica do século XIX vivem tranquilamente suas vidas enquanto seus vizinhos cristãos estão sendo consumidos pela peste. Isso desperta a inveja do outro povo que, cegos pelo desespero, invadem a vila judaica ameaçando-os. Com um sentimento de impotência uma mulher da comunidade judaica sugere que eles invoquem um golem para lhes proteger. O ser surge então no corpo de um menino coberto de lama, diferentemente do golem do filme do Wegener que é um adulto. A refilmagem eu não sei dizer se é boa, mas este do Wegener é obrigatório, especialmente para quem quer entender melhor a história do cinema. Vale ver.