9.2.25

“A Garota da Agulha” - Magnus von Horn (Dinamarca/Polônia/Suécia, 2024)

Sinopse:
Copenhague, 1919. A jovem grávida Karoline (Vic Carmen Sonne) assume o cargo de ama de leite de uma mulher mais velha chamada Dagmar (Trine Dyrholm) para ajudar a se sustentar. Dagmar opera uma agência de adoção clandestina sob o disfarce de uma loja de doces, ajudando mães desfavorecidas a colocar seus recém-nascidos indesejados em lares adotivos. Karoline se aproxima de Dagmar, mas logo se depara com a realidade de um pesadelo em que entrou involuntariamente.
Comentário: Magnus von Horn (1983) é um cineasta e autor sueco-polonês. Ele trabalha com audiovisual desde 2007 tendo realizado quatro curtas, uma série de TV e três longas. Seu primeiro longa-metragem, falado em sueco, é de 2015, chama-se “Efterskalv” (em inglês traduziram como “The Here After”). Seu trabalho seguinte, falado em polonês, é “Suor” (2020), foi incluído na seleção oficial do Festival de Cannes. O terceiro é “A Garota da Agulha” que tem o dinamarquês como idioma e será o representante da Dinamarca no Oscar 2025. Este é o primeiro filme que vejo dele.
O filme é ambientado em Copenhague, capital da Dinamarca, pós-Primeira Guerra Mundial e acompanha Karoline (Victoria Carmen Sonne), uma jovem que trabalha em uma fábrica de costuras. Sem notícias do marido que foi lutar na guerra, Karoline se envolve com outro homem e termina com uma gravidez indesejada. Nesse meio tempo, também conhece Dagmar (Trine Dyrholm), uma mulher que trabalha clandestinamente com adoções de bebês. No caso, mães que desejam que seus filhos tenham condições de vida melhores o entregam a Dagmar por um valor e em troca ela encaminhará as crianças para boas famílias - pelo menos é isso que essas mulheres acreditam.
Samara Barboza do site IGN nos conta que o filme se baseou em eventos reais. Daqui pra frente, o que Barboza vai nos contar sobre o caso real implica em sabermos o final do filme. Então não prossiga a leitura caso prefira ver primeiro o filme.
Segundo ela, “Dagmar é inspirada em uma famosa assassina em série de bebês da Dinamarca, Dagmar Overbye, que utiliza o mesmo trabalho de fachada para mães desesperadas e assim como é revelado ao final do filme, as crianças não são encaminhadas para outras famílias. Na verdade, são mortas pela mulher. O caso chocou o país na época e Dagmar foi acusada de nove mortes, apesar de ter admitido 16. No geral, acredita-se que foram 25 vítimas em um período de sete anos (1913 a 1920) e seus métodos incluíam estrangulamento e afogamento. Posteriormente, os cadáveres eram cremados, enterrados ou escondidos no sótão.
Assim como no filme, os crimes foram descobertos após a denúncia de uma mãe arrependida de ter entregado sua filha. Na história real, o nome da mulher era Karoline, como a protagonista e também deu à luz a uma menina. No fim, Dagmar foi condenada à morte e, posteriormente, sua sentença foi alterada para prisão perpétua, mas morreu na prisão aos 42 anos em 1929”.
O que disse a crítica: Marcio Sallem do site Cinema com Crítica achou mediano. Ele disse que a fotografia, a direção de arte e a edição de som possuem uma “estilização envolvente [que] esbarra na narrativa mal desenvolvida e na jornada torturante da protagonista que não permite ao espectador um minuto sequer de respiro.(...) Já o excesso de violências a que o espectador está submetido provoca um efeito alienatório, que não é muito diferente do que o ópio que Karoline ingere por conta de Dagmar. Fora isso, apesar de ideias visuais atraentes, é frustrante que Magnus não desenvolva algumas delas de modo satisfatório”.
Letícia Alassë do Cine POP avaliou com 4 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: “’A Garota da Agulha’ revela um mundo cruel e implacável, como a personagem da ‘fada madrinha’ descreve. Ao retratar esse universo sem espaço para esperança ou cura, onde só restam destruidores e destroços, o filme afunda o espectador em uma lama sufocante, sem respiro. Magnus von Horn constrói uma fábula aterradora que, se você tem receio de confrontar o lado mais sombrio da natureza humana, pode ser melhor evitar essa experiência catártica”.
O que eu achei: Eu gostei bastante do filme. Vi como ponto positivo, de cara, a fotografia arrebatadora, assinada por Michał Dymek, num P&B com aspecto 4:3 que, além de acentuar o clima claustrofóbico da narrativa, evoca a tela de cinema dos anos 1920, período no qual o filme se passa. Gostei muito também do excesso de contraste e dos rostos que aparecem logo no começo, em cima dos quais são feitas projeções de outras faces, gerando distorções muito típicas dos filmes expressionistas que também eram filmes da época. Aliás esse movimento expressionista do qual faziam parte diretores que eu amo como F. W. Murnau, Fritz Lang, Robert Wiene, Paul Wegener, Paul Leni e outros, em geral eles tinham um monstro ou alguém com alguma deficiência ou deformidade física como protagonista e aqui, apesar de haver um personagem que volta da guerra com o rosto deformado, o verdadeiro monstro da história ainda está por se revelar. A trilha sonora hipnotizante de Frederikke Hoffmeier é outro ponto forte que embala de forma precisa a história tétrica, densa, sem respiro, baseada em um caso real ocorrido na Dinamarca entre 1913 e 1920. O longa concorre ao Oscar de Melhor Filme Internacional. Fiquei até me perguntando se poderia tirar a estatueta do filme brasileiro “Ainda Estou Aqui” que também concorre, mas creio que não, pois é uma trama pesada demais para o gosto dos americanos. De qualquer forma é um excelente filme sobre as mazelas deixadas pela guerra e a perversidade humana. Veja preparado. Em tempo, uma curiosidade: na cena em que as duas protagonistas vão ao cinema uma música brasileira ecoa como que fazendo parte do filme que está sendo visto. Trata-se de "Sublime Provação" de Eduardo Souto.