
Comentário: Samantha Nascimento do site e.urbanidade escreveu que “Quando mulheres se unem e se propõem a quebrar com estruturas vigentes, não há nada que as impeça. Isso no Ocidente. Mas, e quando se vive em um país do Oriente e com dominação masculina, principalmente sobre os meios de comunicação? Isto seria possível? A resposta é: sim.
O documentário ‘Escrevendo Com O Fogo’ é produzido pelos premiados Rintu Thomas e Sushmit Ghosh, e mostra a coragem feminina em romper padrões nos meios de comunicação indianos, tradicionalmente liderado por homens.
O filme acompanha a rotina das jornalistas do periódico Khabar Lahariya, primeiro e único meio de comunicação indiano integrado pelas mulheres dalit, a casta mais baixa do país. (...)
Para entender como funciona o sistema midiático indiano, é importante entender primeiramente como funcionam os sistemas de castas no país. O sistema de castas indiano é um dos modelos mais antigos de estratificação conhecido dentre as diversas civilizações. O sistema divide os hindus em uma hierarquia baseada em seu tipo de trabalho e religião, conhecidos como dharma e karma. No caso das mulheres retratadas no documentário, elas fazem parte do grupo dalit, uma das castas mais baixas do país. É considerada tão impura, que são excluídos do sistema e são nomeados pejorativamente de ‘intocáveis’, devido à sua natureza hereditária, que data do século 16. E é de uma imobilidade social disfuncional.
Durante o filme, acompanhamos a rotina das repórteres do Khabar Lahariya, primeiro e único meio de comunicação indiano totalmente formado por mulheres dalit. Assim, elas lutam por um jornalismo democrático e por uma sociedade mais justa.
O documentário inicia com o depoimento de uma vítima, que vive em uma zona rural dominada pela violência. Isso aconteceu de tal forma, que uma delas foi estuprada em diversas ocasiões por um grupo de homens que entrou em sua casa. ‘Khabar Lahariya é a nossa única esperança’, determina o marido da vítima. No entanto, no decorrer do filme, muitas outras histórias e denúncias são apresentadas: assassinatos, corrupção policial e política, violação de direitos humanos, mineração ilegal, entre muitas outras. Então, com esse pano de fundo, pode-se entender melhor a importância do jornal, que foi criado em 2002, sob as ameaças de outros meios midiáticos mais potentes.
O documentário também explora a transição da migração do Khabar Lahariya do papel para o digital. Para muitas das jornalistas que estão ali é o primeiro contato com telefone celular e com os meios digitais, evidenciando assim uma fragilidade nessa transição.
O trabalho das jornalistas é tão eficaz e causa tanta polêmica e resultados, que provoca incômodo nos grandes jornais liderados por homens. Isso tudo faz com o espectador compreenda melhor sobre as dificuldades do dia a dia jornalístico, em lidar com intimidações, menosprezo, sacrifícios e acusações. Hoje, o Khabar Lahariya conta com mais de meio milhão de seguidores no canal do YouTube.
O doc também mostra os bastidores e a pressão que as repórteres passam em seus lares, já que muitas delas lidam com maridos e com famílias que acreditam que elas não podem e não devem trabalhar. Outra dificuldade é a de formar outras profissionais para prosseguirem com veículo, já que a educação entre elas é basicamente nula, devido à casta em que se encontram.
‘Geralmente, em um filme jornalístico, temos um caso que se torna o coração da história. Aqui, a forma que a história é estruturada e contada é totalmente diferente. Sim, elas são jornalistas, mas elas também são mulheres determinadas e era isso que queríamos colocar como o centro do filme’, explica Thomas [diretor do filme].
É importante destacar que o documentário se passa em um ambiente extremamente turbulento, em que a democracia do país está transicionando a um nacionalismo extremista. Outro ponto de reflexão é o de retratar como a Índia não está tão distante do Brasil. Com profundos abismos sociais, com a mistura de religião e política em jogos de poderes e com a brutal violência contra a mulher, o documentário espelha a sociedade brasileira, mostrando que a Índia é logo aqui”.
O documentário foi indicado ao Oscar e foi o grande vencedor no Festival de Sundance.
O que disse a crítica: Inácio Araujo do Folhapress avaliou como bom. Ele gostou do documentário mas disse que: “questões incômodas têm de ser respondidas. Não invalida o bravo trabalho das jornalistas saber quem financia seu veículo. Sendo os dalit gente despossuída, seria necessário deixar claro como ele se rentabiliza, quem o financia, se são contribuições voluntárias etc”.
Ritter Fan do site Plano Crítico avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Disse: “’Escrevendo com Fogo’ é um importante instrumento para trazer à tona a prova inequívoca de que o sistema de castas indiano pode sim ser furado com persistência e paciência e por pessoas que estão tão lá embaixo na hierarquia sócio-política, que sua própria existência é ignorada e, diria, negada. O Khabar Lahariya é como uma ponta de lança que abre espaço para que essa inacreditável injustiça sistêmica, um dia, seja pelo menos mitigada, de forma que uma mulher não precise lutar contra seus próprios parentes para conseguir fazer algo tão ‘simples’ quanto perseguir seus sonhos. O caminho ainda é longo, mas o documentário de Sushmit Ghosh e Rintu Thomas é mais um aceno para essa possibilidade sem jamais emudecer a linha de contrabaixo que permanentemente aborda a questão macro sobre os problemas do jornalismo gigante moderno”.
O que eu achei: Só mesmo vendo um documentário como esse pra gente conhecer algo tão extraordinário quanto um jornal indiano composto apenas por mulheres de uma casta baixíssima da Índia chamada dalit. Ele já começa explicando esse sistema de castas, que é algo muito específico daquele país, estabelecido por volta de 1500 AC, que divide os humanos em uma hierarquia social de quatro castas: os sacerdotes, os guerreiros, os comerciantes e os trabalhadores. Ocorre que, além dessas quatro castas oficiais, existem paralelamente outras duas classes que estão fora da ordem estabelecida: os dalit e os jatis. Essas mulheres que compõem o jornal tema do documentário são dalit, pessoas consideradas párias que violaram o sistema de castas por meio da infração de alguma regra social e que só poderiam realizar trabalhos considerados desprezíveis, como a limpeza de esgotos, o recolhimento do lixo e o manejo com os mortos. Uma vez rebaixado como dalit não tem mais como sair dali, a pessoa coloca todos seus descendentes nesta mesma posição. E lógico que, por serem mulheres, a coisa piora pois são elas que sofrem a maior brutalidade dessa hierarquia. Então você ver um jornal criado por mulheres dalits é tipo algo inimaginável. Assim que o jornal foi criado o que mais se esperava era que elas fracassassem pois muitas nem no celular sabiam mexer. Só que, ao contrário, elas provocaram uma revolução. Seu jornal, Khabar Lahariya (em português seria algo como Ondas de Notícias) está firme e forte há anos e continua sendo (pelo menos até o lançamento desse documentário em 2021) o único jornal da Índia dirigido inteiramente por mulheres, gerando notícias do país como um todo mas especialmente dando voz à questões referentes ao entorno delas. Só pra se ter uma ideia o canal do YouTube delas já ultrapassou 150 milhões de visualizações, ou seja, é um sucesso. O doc termina e você tem vontade de se levantar para aplaudir de pé toda essa equipe encabeçada por Meera Devi, a chefe da redação. Um poderoso e necessário apelo à liberdade de imprensa e ao feminismo no mundo. Imperdível.
O documentário ‘Escrevendo Com O Fogo’ é produzido pelos premiados Rintu Thomas e Sushmit Ghosh, e mostra a coragem feminina em romper padrões nos meios de comunicação indianos, tradicionalmente liderado por homens.
O filme acompanha a rotina das jornalistas do periódico Khabar Lahariya, primeiro e único meio de comunicação indiano integrado pelas mulheres dalit, a casta mais baixa do país. (...)
Para entender como funciona o sistema midiático indiano, é importante entender primeiramente como funcionam os sistemas de castas no país. O sistema de castas indiano é um dos modelos mais antigos de estratificação conhecido dentre as diversas civilizações. O sistema divide os hindus em uma hierarquia baseada em seu tipo de trabalho e religião, conhecidos como dharma e karma. No caso das mulheres retratadas no documentário, elas fazem parte do grupo dalit, uma das castas mais baixas do país. É considerada tão impura, que são excluídos do sistema e são nomeados pejorativamente de ‘intocáveis’, devido à sua natureza hereditária, que data do século 16. E é de uma imobilidade social disfuncional.
Durante o filme, acompanhamos a rotina das repórteres do Khabar Lahariya, primeiro e único meio de comunicação indiano totalmente formado por mulheres dalit. Assim, elas lutam por um jornalismo democrático e por uma sociedade mais justa.
O documentário inicia com o depoimento de uma vítima, que vive em uma zona rural dominada pela violência. Isso aconteceu de tal forma, que uma delas foi estuprada em diversas ocasiões por um grupo de homens que entrou em sua casa. ‘Khabar Lahariya é a nossa única esperança’, determina o marido da vítima. No entanto, no decorrer do filme, muitas outras histórias e denúncias são apresentadas: assassinatos, corrupção policial e política, violação de direitos humanos, mineração ilegal, entre muitas outras. Então, com esse pano de fundo, pode-se entender melhor a importância do jornal, que foi criado em 2002, sob as ameaças de outros meios midiáticos mais potentes.
O documentário também explora a transição da migração do Khabar Lahariya do papel para o digital. Para muitas das jornalistas que estão ali é o primeiro contato com telefone celular e com os meios digitais, evidenciando assim uma fragilidade nessa transição.
O trabalho das jornalistas é tão eficaz e causa tanta polêmica e resultados, que provoca incômodo nos grandes jornais liderados por homens. Isso tudo faz com o espectador compreenda melhor sobre as dificuldades do dia a dia jornalístico, em lidar com intimidações, menosprezo, sacrifícios e acusações. Hoje, o Khabar Lahariya conta com mais de meio milhão de seguidores no canal do YouTube.
O doc também mostra os bastidores e a pressão que as repórteres passam em seus lares, já que muitas delas lidam com maridos e com famílias que acreditam que elas não podem e não devem trabalhar. Outra dificuldade é a de formar outras profissionais para prosseguirem com veículo, já que a educação entre elas é basicamente nula, devido à casta em que se encontram.
‘Geralmente, em um filme jornalístico, temos um caso que se torna o coração da história. Aqui, a forma que a história é estruturada e contada é totalmente diferente. Sim, elas são jornalistas, mas elas também são mulheres determinadas e era isso que queríamos colocar como o centro do filme’, explica Thomas [diretor do filme].
É importante destacar que o documentário se passa em um ambiente extremamente turbulento, em que a democracia do país está transicionando a um nacionalismo extremista. Outro ponto de reflexão é o de retratar como a Índia não está tão distante do Brasil. Com profundos abismos sociais, com a mistura de religião e política em jogos de poderes e com a brutal violência contra a mulher, o documentário espelha a sociedade brasileira, mostrando que a Índia é logo aqui”.
O documentário foi indicado ao Oscar e foi o grande vencedor no Festival de Sundance.
O que disse a crítica: Inácio Araujo do Folhapress avaliou como bom. Ele gostou do documentário mas disse que: “questões incômodas têm de ser respondidas. Não invalida o bravo trabalho das jornalistas saber quem financia seu veículo. Sendo os dalit gente despossuída, seria necessário deixar claro como ele se rentabiliza, quem o financia, se são contribuições voluntárias etc”.
Ritter Fan do site Plano Crítico avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Disse: “’Escrevendo com Fogo’ é um importante instrumento para trazer à tona a prova inequívoca de que o sistema de castas indiano pode sim ser furado com persistência e paciência e por pessoas que estão tão lá embaixo na hierarquia sócio-política, que sua própria existência é ignorada e, diria, negada. O Khabar Lahariya é como uma ponta de lança que abre espaço para que essa inacreditável injustiça sistêmica, um dia, seja pelo menos mitigada, de forma que uma mulher não precise lutar contra seus próprios parentes para conseguir fazer algo tão ‘simples’ quanto perseguir seus sonhos. O caminho ainda é longo, mas o documentário de Sushmit Ghosh e Rintu Thomas é mais um aceno para essa possibilidade sem jamais emudecer a linha de contrabaixo que permanentemente aborda a questão macro sobre os problemas do jornalismo gigante moderno”.
O que eu achei: Só mesmo vendo um documentário como esse pra gente conhecer algo tão extraordinário quanto um jornal indiano composto apenas por mulheres de uma casta baixíssima da Índia chamada dalit. Ele já começa explicando esse sistema de castas, que é algo muito específico daquele país, estabelecido por volta de 1500 AC, que divide os humanos em uma hierarquia social de quatro castas: os sacerdotes, os guerreiros, os comerciantes e os trabalhadores. Ocorre que, além dessas quatro castas oficiais, existem paralelamente outras duas classes que estão fora da ordem estabelecida: os dalit e os jatis. Essas mulheres que compõem o jornal tema do documentário são dalit, pessoas consideradas párias que violaram o sistema de castas por meio da infração de alguma regra social e que só poderiam realizar trabalhos considerados desprezíveis, como a limpeza de esgotos, o recolhimento do lixo e o manejo com os mortos. Uma vez rebaixado como dalit não tem mais como sair dali, a pessoa coloca todos seus descendentes nesta mesma posição. E lógico que, por serem mulheres, a coisa piora pois são elas que sofrem a maior brutalidade dessa hierarquia. Então você ver um jornal criado por mulheres dalits é tipo algo inimaginável. Assim que o jornal foi criado o que mais se esperava era que elas fracassassem pois muitas nem no celular sabiam mexer. Só que, ao contrário, elas provocaram uma revolução. Seu jornal, Khabar Lahariya (em português seria algo como Ondas de Notícias) está firme e forte há anos e continua sendo (pelo menos até o lançamento desse documentário em 2021) o único jornal da Índia dirigido inteiramente por mulheres, gerando notícias do país como um todo mas especialmente dando voz à questões referentes ao entorno delas. Só pra se ter uma ideia o canal do YouTube delas já ultrapassou 150 milhões de visualizações, ou seja, é um sucesso. O doc termina e você tem vontade de se levantar para aplaudir de pé toda essa equipe encabeçada por Meera Devi, a chefe da redação. Um poderoso e necessário apelo à liberdade de imprensa e ao feminismo no mundo. Imperdível.