17.2.25

“Eu, Christiane F., 13 Anos, Drogada e Prostituída” - Uli Edel (Alemanha Ocidental, 1983)

Sinopse:
Na cidade de Berlim, nos anos 70, a adolescente Christiane (Natja Brunckhorst) é uma jovem comum. Ela sonha em conhecer a Sound, a discoteca mais moderna e badalada do momento. Menor de idade, ela consegue entrar com a ajuda de uma amiga, conhece Detlev (Thomas Haustein) e começa a se aproximar das drogas. Imersa no submundo do vício, ela passa então a prostituir-se.
Comentário: Uli Edel (1947) é um diretor alemão que trabalha com audiovisual desde 1971 e realizou, desde então, quase 40 trabalhos para cinema e televisão, tanto em seu país como nos EUA. São dele “Noites Violentas no Brooklyn” (1989) e “Corpo em Evidência” (1993). “Eu, Christiane F., 13 Anos, Drogada e Prostituída” (1983) é o primeiro filme que eu vejo dele.
O site Circuito Geral nos conta que o filme é baseado numa história real contada em um livro chamado “Wir Kinder vom Bahnhof Zoo” (“Nós, Crianças do Zoológico de Bahnhof” em tradução literal referindo-se à estação de metrô Zoo de Berlim), assinado pelos jornalistas Kai Herrmann e Horst Rieck, mas feito em colaboração com a própria Christiane F., sobre o envolvimento dela com drogas e prostituição aos 13 anos de idade.
“O tema chama a atenção do jovem e ainda não famoso cineasta Bernd Eichinger que, na ocasião, vislumbra um enorme potencial cinematográfico na história contada no livro (...). Ao implementar uma trama funcional a partir de um relato factual, Eichinger enfrenta a difícil tarefa de conferir ao filme o mesmo sucesso do livro. Para isso, convida Roland Klick para assumir a direção do projeto. Após a fase de preparação, Klick desiste da direção e abandona o set, sendo substituído pelo desconhecido Uli Edel - sem qualquer experiência em cinebiografia”. Apesar disso, o filme marcou sua carreira e fez muito sucesso dentre uma geração de cinéfilos mundo afora.
Por ocasião do relançamento do filme remasterizado nos cinemas brasileiros 40 anos depois do lançamento original, Amanda Ferreira da Equipe Projétil do Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS diz que "Mais atual do que nunca, o filme propõe uma reflexão importante sobre a realidade do mundo das drogas. A trama mostra Christiane Vera Felscherinow, uma jovem de 13 anos moradora da Berlim Ocidental em meados dos anos 1970, nos conjuntos habitacionais do bairro Gropiusstadt, com sua irmã e a mãe, nos subúrbios de uma Alemanha pós Segunda Guerra. Submersos na cultura underground dos jovens alemães dos anos 1970, a garota deseja conhecer a ‘Sound’, uma discoteca badalada da época. As drogas transitavam livremente entre os visitantes, onde Christiane não apenas fez amizades com vários dependentes químicos, mas também se apaixonou por Detlev, um jovem usuário de drogas. 
O diretor Edel, usa a história de Cristiane para retratar toda geração de jovens que descarregam suas frustrações na mistura de drogas e rebeldia. A trilha sonora do filme é composta inteiramente por David Bowie. O cantor ficou comovido pela história e pela relação de Christiane com sua música, pois enxergava na garota o seu próprio vício em cocaína, refletindo também uma realidade de sua carreira.
Na cena espetacular inicial do filme, quando Christiane e seus amigos fogem da polícia ao som de ‘Heroes’, Uli Edel desenvolve de maneira natural e melancólica a psiquê da jovem. Conforme Christiane corre em um corredor vazio e escuro, a música se transaciona em um off da personagem dizendo; ‘a podridão está em toda parte é só dar uma olhada’, ressaltando como a garota enxerga sua realidade existencial de maneira solitária.
Os frames enquadram muitos close-ups da própria Christiane injetando droga em si mesma. Como uma espécie de ‘tutorial’, a garota mostra em primeira pessoa, para melhor entendimento do espectador, o aprimoramento da realidade dolorosa de uma jovem sofrendo picos de emoções ao inalar e injetar substâncias.
No roteiro escrito por Herman Weigel, Kain Herman, Horsk Rieck, é necessário destacar o cuidado em não desumanizar os personagens, não os tratando como descartáveis, mas sim como vítimas de um país antidrogas e sem políticas públicas.
A projeção da metade da película ganha novos significados. Enquanto o primeiro arco do filme é radiante; com destaques nos tons neons e cores quentes das boates, roupas descoladas das personagens e reflexos das luzes da cidade para referenciar o entusiasmo dos jovens alemães, a trama se afunda gradativamente na imensidão dos vícios de Christiane e seus amigos, ganhando variados tons de cinza e uma nítida palidez tanto nas cores quanto nos próprios personagens.
As cenas de prostituição infantil chocam o telespectador no segundo ato do filme, trazendo uma atmosfera sombria e perturbadora. A cena final, apesar de condensada e simples, nos causa o mesmo impacto da vida de Christiane: sua jornada acaba em uma cidade tão gelada quanto a sua antiga ingenuidade".
O que disse a crítica: Fernando Campos do site Plano Crítico avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “Mesmo que soe anticlimático, o choque da parte final da projeção nada mais é do que parte da estratégia brilhante do diretor de destacar que não há final feliz com o vício, ou seja, Edel subverte nossas expectativas justamente para causar impacto, o mesmo que a droga causa na vida dos usuários. Este plano do diretor culmina em uma última cena que pode soar simplista e decepcionante, mas que encaixa-se perfeitamente na mensagem do longa, mostrando que o destino de Christiane F., após tudo o que passou, foi uma cidade isolada e em meio ao gelo, tão fria quanto a sua, antes pura e ingênua, mentalidade”.
Tom Leão do Jornal do Brasil também avalia o filme com 4 estrelas. Disse: “O modo como tudo isso é mostrado no filme, bem cru e sujo (até os figurantes que aparecem na Zoo Bahnhof são realmente viciados em drogas locais) nos faz parecer estar vendo um documentário. O filme foi todo rodado realmente nos lugares que, então, ainda eram sórdidos e mal frequentados. E a maioria dos jovens atores era de amadores, jamais haviam atuado antes. A própria Natja Brunckhorst, que faz Christiane, tinha apenas 14 anos na época, e depois seguiu carreira atuando (...). Tudo isso faz dele um retrato vívido”.
O que eu achei: Só pelo título a gente sabe que o que virá pela frente não vai ser um filme fácil. Baseado numa história real ele nos mostra como a menina Christiane, com apenas 13 anos, se envolveu com o uso de drogas e, consequentemente, com a prostituição, para poder sustentar o vício. A história, infelizmente, não é isolada já que, nos anos 70 (com a Alemanha ainda dividida), havia muito menor de idade fazendo isso. Na estação de metrô/trem do Zoo de Berlim era muito fácil encontrar os viciados injetando heroína dentro dos banheiros. Então o que o filme nos conta é um retrato daquela cena. O que traz um certo alívio para o filme é que o David Bowie é quem assina toda a trilha sonora. Ocorre que Christiane era muito fã do artista, inclusive na vida real já que David Bowie era mesmo muito presente na Berlim dos anos 70, e ele acabou sensibilizado pela história. Então, logo no começo, quando Christiane vai pela primeira vez até a casa noturna Sound, já vamos ouvir “Look Back in Anger”. E assim o filme segue, com praticamente todas as cenas embaladas por suas músicas. Aliás, ele próprio aparece no filme quando ela vai ver um show do Bowie em Berlim. A música “Heroes”, também cantada em alemão, é outro clássico que pontua várias cenas. Claro que a presença dele ajudou o filme a ganhar notoriedade, fez toda a diferença na bilheteria de um filme pesado de um diretor pouco conhecido. Sobre a verdadeira Vera Christiane Felscherinow (1962) tudo indica que ela continua viva. Em 2022 o jornal O Globo publicou uma matéria contando que tanto o livro no qual o filme foi baseado quanto o filme em si trouxeram muita notoriedade a ela. O texto diz que nos anos 1980 ela até tentou seguir carreira na música e como atriz, chegando a atuar nos filmes "Neonstadt" (1982) e "Decoder" (1984), mas as empreitadas artísticas não tiveram grandes repercussões. Neste período, ela contraiu hepatite C pelo uso de uma seringa compartilhada. Ainda lutando contra a dependência e participando de programas contra as drogas, em 1996 ela teve um filho, e por mais de uma vez perdeu a guarda do menino. Em 2008 ela teve uma recaída. Na ocasião, ela decidiu se mudar para Amsterdã com o namorado, levando o filho. Ao tomar conhecimento do plano, o juizado de menores tomou a criança da mãe. Ela, então, sequestrou o próprio filho e anos depois retornou à Alemanha onde ela mesma entregou a criança para as autoridades. Em 2013, Christiane decidiu atualizar sua história lançando a autobiografia "Eu, Christiane F., a Vida Apesar de Tudo", com a ajuda da escritora Sonja Vukovic. Se viva, como tudo indica que sim, ela hoje está com 63 anos e tem como principal fonte de renda os direitos autorais dos dois livros sobre sua vida. Ou seja, daria outro filme esse desdobramento da vida dela, não? Que história!