
Comentário: Gabriel Axel (1918-2014) foi um diretor, ator e escritor dinamarquês. Após um curto período trabalhando em teatro, ele começou a dirigir dramas para televisão. Produziu uma série de filmes mais ou menos eróticos e comédias populares, tendo uma carreira prolífica como diretor de filmes para a TV francesa, culminando em 1985 com uma série histórica de cinco episódios chamada "Les Colonnes du Ciel / Heaven's Pillars". No total ele dirigiu cerca de 25 longas-metragens e 50 filmes para TV, aparecendo como ator em cerca de 25 filmes. Dentre seus filmes mais conhecidos estão uma adaptação de Hamlet chamada "Jutland, Reinado de Ódio" (1993) e "Na Estrada da Vida" (1990). "A Festa de Babette" (1987) é o primeiro filme que vejo dele.
Trata-se de uma adaptação para as telas do conto homônimo que foi publicado originalmente no Ladies’ Home Journal em 1950 e, em 1958, no livro “Anedotes of Destiny” de Karen Blixen que usa o pseudônimo de Isak Dinesen.
O enredo histórico se centra na personagem principal, Babette, que é uma cristã católica que por motivos sociais de conflito, isto é, a Guerra Civil francesa em 1871 e a perda do filho e do esposo, foi acolhida em um vilarejo por duas senhoras de meia idade, Philippa e Martine, que viveram desde sempre nesse lugar ao lado do pai. Após a morte do pai que era um pastor luterano e líder comunitário, elas dão seguimento a vida de forma simples e religiosa. Em breves palavras, a vida no vilarejo é talhada pela religião, um lugar onde todos os desejos são sacrificados em nome da fé. Já Babette tem seu destino marcado pelo silêncio e sacrifício, trabalhando por 14 anos para essas duas irmãs em troca de comida e abrigo. No fim, sua rotina é quebrada quando ela recebe a notícia de que é destinatária de uma pequena fortuna de 10.000 francos que coincide com o a pretensão das irmãs de celebrarem o dia que o pai completaria 100 anos.
Leonardo Campos do site Plano Crítico nos conta que “Considerado como precursor dos filmes que envolvem gastronomia e cinema, a produção é uma referência na história deste subgênero que já encantou plateias ao redor do planeta. Ao tratar da preparação dos alimentos, da figura de uma pessoa que gerencia a cozinha e do ato de comer uma refeição saborosa e bem preparada, a trama flerta com as ricas experiências sinestésicas oriundas da gastronomia enquanto ação representativa para a humanidade.
Em ‘A Festa de Babette’, a comida amplia os seus horizontes, ao deixar de ter caráter exclusivamente nutricional para reger relações no bojo da cultura, e assim, promover atos de sociabilidade. A alimentação neste atmosférico drama está relacionada a condutas, atos e costumes. (...)
Parábola da graça, quando um presente custa tudo para o doador e nada para o que recebeu, o filme nos ajuda a refletir sobre a sociedade e os seus valores. No jantar, estavam agendados a senhora Loewenhielm e o seu sobrinho, oficial de cavalaria, então general do Palácio Real. Ele é uma representação da modernidade, uma espécie de abertura ao mundo, responsável por ampliar as possibilidades de novos sabores e experiências. Animado pelos pratos espetaculosos, o general é o personagem que de fato se delicia e enxerga naquelas comidas o extremo do prazer típico da vida terrena.
Vinhos, frutas saborosas, massa folhada, queijos e outras delícias são partes integrantes deste ritual, numa poética declaração de amor estética à vida e ao ato de criar, o que por sua vez, permite a sociabilidade e a comunhão entre as pessoas. Partindo do ponto de vista filosófico, que nos faz até mergulhar um pouco nas ideias de Platão em uma de suas obras mais conhecidas, ‘O Banquete’, temos na mesa onde acontecem os eventos prazerosos originados pelos dotes culinários de Babette, a sensualidade e o prazer que foram expurgados da vida das irmãs que tiveram na juventude um pai extremamente rígido.
No banquete oferecido por Babette está presente a memória dos envolvidos na história, bem como a sua vida. Ela produz os pratos sofisticados e inscreve na narrativa a sua trajetória como profissional, revelando-se um ser humano formidável, numa obra com clima de fábula e adornada por ensinamentos de vida, sem necessariamente vulgarizar-se como panfleto barato de autoajuda. Além de se preocupar consigo mesma e com as irmãs que lhe deram abrigo, Babette também é cuidadosa com os pobres e trouxe alegria para determinado eixo da comunidade.
(...) Há alguns especialistas que apontam o erro histórico na condução do roteiro, pois segundo relatos, a narrativa de Babette não pode ser levada em consideração, haja vista a presença da mulher numa cozinha na sociedade da época, algo considerado como inconcebível. Na verdade, o chefe francês que assumia a cozinha que Babette relata no filme era Adolphe Dugleré, homem que regido pelos códigos da época, não permitia mulheres em sua ala de trabalho. A licença poética, por sua vez, parece não ter sido compreendida por todos. A proposta era justamente dar o tom feminino para causar o estranhamento e tocar nas cordas sensíveis das relações de gênero que ainda nos envolve na contemporaneidade.
Ao trazer de maneira sublime a combinação dos atos de criar, produzir e fruir no âmbito da culinária, o ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, ‘A Festa de Babette’, foi um dos filmes mais badalados de 1987. Ao longo de seus 102 minutos, o espectador é colocado numa extensa teia de reflexões sobre várias questões que gravitava em torno do ato de cozinhar”.
Uma curiosidade é que até hoje restaurantes de classe procuram emular as receitas do filme servindo o mesmo menu criado por Babette: potage à la tortue (sopa de tartaruga), blini Demidoff au caviar (mini panquecas com caviar), caille em sarcophage com molho perigourdine (codorna em cesto de massa folhada com foie gras e molho de trufas), salada, queijos, baba ao rum com figos e o vinho Clos de Vougeot.
O que disse a crítica: Leonardo Campos do site Plano Crítico avaliou com 4,5 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: “Visualmente bem conduzido, principalmente por conta do eficiente figurino, composto pelo trio formado por Annelise Hauberg, Pia Myrdal e Karl Lagerfeld, repletos de roupas pretas, a narrativa também ganha bastante vigor com a música de Per Norgaard, presente em vários trechos juntamente com os sinos e violinos tocados por alguns personagens, carregados de significação. A cenografia, outro ponto positivo, cheia de ruas lamacentas e cabanas cobertas de palha é outra parte da linguagem que ganha complemento com as paletas que adornam a direção de arte, sempre compostas por cinza, preto e branco. Nas mesas, o linho ganha destaque, além dos castiçais prateados que reluzem o jantar organizado com requintes artísticos”.
Rubens Ewald Filho também gostou. Disse que “esse filme se tornou referência para qualquer gourmet ou pessoa que goste de comer bem. Uma fita bonita, extremamente delicada e modesta, mas também inteligente e original. (...) Ao mesmo tempo, o filme faz um paralelo irônico entre aquelas vidas vazias e austeras - que usaram a religião como desculpa para fugir de todos os prazeres, inclusive os da mesa - e o prazer e extravagância quase "bacanalesco" da orgia alimentícia”.
O que eu achei: É um filme extremamente delicado. Por girar em torno de duas irmãs, filhas de um pastor luterano na Dinamarca do século XIX, há muito de religioso nele: as irmãs não namoram, não se casam, ajudam os pobres, frequentam a igreja... Dando uma busca na internet para pesquisar sobre o filme, fui direcionada para inúmeros sites ligados à igrejas, que recomendam veementemente que o filme seja visto. Babette, a personagem principal, vai parar na casa delas muito em função desse modo de viver das irmãs. Ela está fugindo de uma guerra civil em Paris onde perdeu marido e filho e chega até elas por indicação de um amigo em comum. Mas como ela cozinha muito bem, chega um momento que ela vai furar a bolha desse impedimento de se entregarem aos prazeres terrenos para ela apresentar nessa casa a mais alta gastronomia que nem as irmãs nem a comunidade local jamais viram. É um filme simples, sem grandes conflitos nem reviravoltas, sobre talentos, paixões, generosidade e gratidão. Atenção à rápida aparição da atriz Bibi Andersson na cena do teatro, num trecho que mostra a apresentação de uma ópera.
Trata-se de uma adaptação para as telas do conto homônimo que foi publicado originalmente no Ladies’ Home Journal em 1950 e, em 1958, no livro “Anedotes of Destiny” de Karen Blixen que usa o pseudônimo de Isak Dinesen.
O enredo histórico se centra na personagem principal, Babette, que é uma cristã católica que por motivos sociais de conflito, isto é, a Guerra Civil francesa em 1871 e a perda do filho e do esposo, foi acolhida em um vilarejo por duas senhoras de meia idade, Philippa e Martine, que viveram desde sempre nesse lugar ao lado do pai. Após a morte do pai que era um pastor luterano e líder comunitário, elas dão seguimento a vida de forma simples e religiosa. Em breves palavras, a vida no vilarejo é talhada pela religião, um lugar onde todos os desejos são sacrificados em nome da fé. Já Babette tem seu destino marcado pelo silêncio e sacrifício, trabalhando por 14 anos para essas duas irmãs em troca de comida e abrigo. No fim, sua rotina é quebrada quando ela recebe a notícia de que é destinatária de uma pequena fortuna de 10.000 francos que coincide com o a pretensão das irmãs de celebrarem o dia que o pai completaria 100 anos.
Leonardo Campos do site Plano Crítico nos conta que “Considerado como precursor dos filmes que envolvem gastronomia e cinema, a produção é uma referência na história deste subgênero que já encantou plateias ao redor do planeta. Ao tratar da preparação dos alimentos, da figura de uma pessoa que gerencia a cozinha e do ato de comer uma refeição saborosa e bem preparada, a trama flerta com as ricas experiências sinestésicas oriundas da gastronomia enquanto ação representativa para a humanidade.
Em ‘A Festa de Babette’, a comida amplia os seus horizontes, ao deixar de ter caráter exclusivamente nutricional para reger relações no bojo da cultura, e assim, promover atos de sociabilidade. A alimentação neste atmosférico drama está relacionada a condutas, atos e costumes. (...)
Parábola da graça, quando um presente custa tudo para o doador e nada para o que recebeu, o filme nos ajuda a refletir sobre a sociedade e os seus valores. No jantar, estavam agendados a senhora Loewenhielm e o seu sobrinho, oficial de cavalaria, então general do Palácio Real. Ele é uma representação da modernidade, uma espécie de abertura ao mundo, responsável por ampliar as possibilidades de novos sabores e experiências. Animado pelos pratos espetaculosos, o general é o personagem que de fato se delicia e enxerga naquelas comidas o extremo do prazer típico da vida terrena.
Vinhos, frutas saborosas, massa folhada, queijos e outras delícias são partes integrantes deste ritual, numa poética declaração de amor estética à vida e ao ato de criar, o que por sua vez, permite a sociabilidade e a comunhão entre as pessoas. Partindo do ponto de vista filosófico, que nos faz até mergulhar um pouco nas ideias de Platão em uma de suas obras mais conhecidas, ‘O Banquete’, temos na mesa onde acontecem os eventos prazerosos originados pelos dotes culinários de Babette, a sensualidade e o prazer que foram expurgados da vida das irmãs que tiveram na juventude um pai extremamente rígido.
No banquete oferecido por Babette está presente a memória dos envolvidos na história, bem como a sua vida. Ela produz os pratos sofisticados e inscreve na narrativa a sua trajetória como profissional, revelando-se um ser humano formidável, numa obra com clima de fábula e adornada por ensinamentos de vida, sem necessariamente vulgarizar-se como panfleto barato de autoajuda. Além de se preocupar consigo mesma e com as irmãs que lhe deram abrigo, Babette também é cuidadosa com os pobres e trouxe alegria para determinado eixo da comunidade.
(...) Há alguns especialistas que apontam o erro histórico na condução do roteiro, pois segundo relatos, a narrativa de Babette não pode ser levada em consideração, haja vista a presença da mulher numa cozinha na sociedade da época, algo considerado como inconcebível. Na verdade, o chefe francês que assumia a cozinha que Babette relata no filme era Adolphe Dugleré, homem que regido pelos códigos da época, não permitia mulheres em sua ala de trabalho. A licença poética, por sua vez, parece não ter sido compreendida por todos. A proposta era justamente dar o tom feminino para causar o estranhamento e tocar nas cordas sensíveis das relações de gênero que ainda nos envolve na contemporaneidade.
Ao trazer de maneira sublime a combinação dos atos de criar, produzir e fruir no âmbito da culinária, o ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, ‘A Festa de Babette’, foi um dos filmes mais badalados de 1987. Ao longo de seus 102 minutos, o espectador é colocado numa extensa teia de reflexões sobre várias questões que gravitava em torno do ato de cozinhar”.
Uma curiosidade é que até hoje restaurantes de classe procuram emular as receitas do filme servindo o mesmo menu criado por Babette: potage à la tortue (sopa de tartaruga), blini Demidoff au caviar (mini panquecas com caviar), caille em sarcophage com molho perigourdine (codorna em cesto de massa folhada com foie gras e molho de trufas), salada, queijos, baba ao rum com figos e o vinho Clos de Vougeot.
O que disse a crítica: Leonardo Campos do site Plano Crítico avaliou com 4,5 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: “Visualmente bem conduzido, principalmente por conta do eficiente figurino, composto pelo trio formado por Annelise Hauberg, Pia Myrdal e Karl Lagerfeld, repletos de roupas pretas, a narrativa também ganha bastante vigor com a música de Per Norgaard, presente em vários trechos juntamente com os sinos e violinos tocados por alguns personagens, carregados de significação. A cenografia, outro ponto positivo, cheia de ruas lamacentas e cabanas cobertas de palha é outra parte da linguagem que ganha complemento com as paletas que adornam a direção de arte, sempre compostas por cinza, preto e branco. Nas mesas, o linho ganha destaque, além dos castiçais prateados que reluzem o jantar organizado com requintes artísticos”.
Rubens Ewald Filho também gostou. Disse que “esse filme se tornou referência para qualquer gourmet ou pessoa que goste de comer bem. Uma fita bonita, extremamente delicada e modesta, mas também inteligente e original. (...) Ao mesmo tempo, o filme faz um paralelo irônico entre aquelas vidas vazias e austeras - que usaram a religião como desculpa para fugir de todos os prazeres, inclusive os da mesa - e o prazer e extravagância quase "bacanalesco" da orgia alimentícia”.
O que eu achei: É um filme extremamente delicado. Por girar em torno de duas irmãs, filhas de um pastor luterano na Dinamarca do século XIX, há muito de religioso nele: as irmãs não namoram, não se casam, ajudam os pobres, frequentam a igreja... Dando uma busca na internet para pesquisar sobre o filme, fui direcionada para inúmeros sites ligados à igrejas, que recomendam veementemente que o filme seja visto. Babette, a personagem principal, vai parar na casa delas muito em função desse modo de viver das irmãs. Ela está fugindo de uma guerra civil em Paris onde perdeu marido e filho e chega até elas por indicação de um amigo em comum. Mas como ela cozinha muito bem, chega um momento que ela vai furar a bolha desse impedimento de se entregarem aos prazeres terrenos para ela apresentar nessa casa a mais alta gastronomia que nem as irmãs nem a comunidade local jamais viram. É um filme simples, sem grandes conflitos nem reviravoltas, sobre talentos, paixões, generosidade e gratidão. Atenção à rápida aparição da atriz Bibi Andersson na cena do teatro, num trecho que mostra a apresentação de uma ópera.