14.1.25

“Uma História de Família” - Werner Herzog (EUA, 2019)

Sinopse:
Yuichi Ishii é o presidente executivo da Family Romance, uma empresa que aluga humanos de substituição para todas as necessidades dos seus clientes - um membro da família para uma ocasião especial, alguém para assumir a culpa de um engano no trabalho, um estranho para ajudar a reviver o melhor momento da vida. No filme, uma mãe pede a Ishii para se fazer passar pelo marido há muito ausente e restabelecer a ligação com a filha adolescente Mahiro (Mahiro Tanimoto).
Comentário: Herzog é um cineasta alemão de quem já assisti “Aguirre, a Cólera dos Deuses” (1972), “O Enigma de Kaspar Hauser” (1974), "Nosferatu, o Vampiro da Noite" (1979), "Fitzcarraldo" (1982), "O Sobrevivente" (2006) e "Vício Frenético" (2009), além do documentário "Caverna dos Sonhos Esquecidos" (2010).
Sabrina Brito da Revista Veja nos conta que o filme possui “a trama centrada em Yuichi Ishii e sua empresa de aluguel de parentes, chamada Family Romance. Funciona assim: atores substituem pais, mães, namorados ou amigos de contratantes que não têm entes queridos para exibir à sociedade. Solteiros simulam relacionamentos amorosos felizes, órfãos relembram como é ter figuras parentais e noivos enchem seus casamentos de convidados. O roteiro foi escrito por Herzog, mas tanto Ishii quanto sua agência existem de verdade. O serviço começou de forma inusitada. Uma conhecida de Ishii não conseguia inscrever o filho em um jardim de infância porque era mãe solteira. Cansada das recusas, fez um apelo ao amigo: queria que ele fingisse ser seu marido. Ele topou, mas a entrevista foi um desastre. ‘Não sabia como agir direito com a criança, nem o que dizer como pai’, disse Ishii. Foi assim que teve a ideia de criar a agência, que ofereceria treinamentos e cursos de dinâmica familiar para atores, além de informações sobre a vida dos clientes, evitando situações embaraçosas como a vivida na reunião escolar. O preço seria calculado de acordo com a dificuldade de cada caso, mas a média ficaria em 200 dólares por quatro horas de serviço. O negócio deu certo. Em 2019, a Family Romance tinha 2.200 funcionários. Foi nessa época que Herzog se interessou pela agência. O cineasta entrou em contato com o Ishii e misturou diversas histórias para contar o caso, supostamente verídico, de uma mãe que contrata um dos atores para se passar por seu marido ausente e criar uma conexão entre ele e a filha adolescente”.
É até difícil classificar “Uma História de Família”. Alguns sites dizem ser documentário, outros classificam como drama/ficção. Paulo Portugal do site Insider PT escreveu: “é uma ficção que se parece com documentário, apesar de mostrar coisas que procuram reproduzir a realidade. Algo que no conjunto da obra de Werner Herzog, tão marcada pelo realismo, pode causar alguma estranheza. No fundo, sublinha algumas taras da sociedade japonesa tão maquiada que já não se sabe bem o que é real ou não”.
O que disse a crítica: Bruno Carmelo do site Adoro Cinema achou fraco. Disse: o filme “deixa a impressão de um projeto inacabado, como se Herzog tivesse filmado um roteiro em fase inicial, sem dedicar o tempo necessário a aprofundar seu tema nem reunir as condições necessárias de produções. Esta parece uma oportunidade perdida de dialogar com questões essenciais à contemporaneidade, que o mesmo diretor já tinha dissecado em ‘Eis os Delírios do Mundo Conectado’, por exemplo. No domínio da ficção pura, o drama grego ‘Alpes’, de Yorgos Lanthimos, havia explorado as complexas implicações de se alugar atores para substituírem pessoas reais. Herzog, no entanto, é prejudicado pelo agenciamento apressado de linguagens ao propor um documentário tão singelo quanto superficial, junto de uma ficção que jamais ultrapassa o estágio da sugestão”.
Francisco Russo do site Papo de cinema avaliou como bom. Escreveu: “Se por um lado ‘Uma História de Família’ se resume a apresentar seguidas esquetes onde é possível ver a empresa em pleno funcionamento, algumas delas com continuidade e outras não, é nas entrelinhas de tais relatos que pode-se refletir acerca de tal realidade. Há no filme uma melancolia explícita no olhar de cada cliente, exprimindo implicitamente as carências e crenças tão comuns ao mundo contemporâneo, como a solidão, a devoção às redes sociais ou a ansiedade em viver (ou reviver) experiências marcantes. Sem verbalizar questionamentos éticos ou emocionais em torno de seus personagens, Herzog entrega tal trabalho a cada espectador confrontado com tal situação, ao mesmo tempo tão absurda (pela artificialidade dos relacionamentos) quanto próxima (pela sensação de mundo real). Quando a sucessão de esquetes começa a cansar pela repetição da mesma fórmula, Herzog altera levemente a narrativa de forma a inserir questionamentos em torno do presidente da empresa, ele próprio tão ativo nas encenações contratadas pelos clientes. Até que ponto viver uma vida falsa, ou várias vidas falsas, afeta sua própria identidade? Existe um limite ético na mentira contratada? O dinheiro realmente pode tudo? Mais uma vez tais perguntas surgem sem respostas, apenas estimuladas pela própria narrativa de forma a promover a reflexão. Este, no fim das contas, é o grande mérito do filme”.
O que eu achei: Duas coisas me chamaram a atenção neste docudrama (mistura de documentário e ficção): o tema e a direção. O tema diz respeito à empresa de aluguel de parentes Family Romance, que existe no Japão e fornece parentes, amigos ou acompanhantes fakes para substituir alguém que não está mais ou nunca existiu. São atores que se dispõem a exercer diversos papéis como um pai para uma menina que nunca conheceu o progenitor, para acompanhar alguém em uma festa, para fingir que está fotografando alguém na rua e essa pessoa se passar por celebridade, para dar a falsa notícia que você ganhou na loteria e te trazer alguma alegria... enfim, tem de tudo. A direção dispensa apresentações pois é do alemão Werner Herzog, autor de pérolas como “Aguirre, a Cólera dos Deuses” (1972), “O Enigma de Kaspar Hauser” (1974), "Nosferatu, o Vampiro da Noite" (1979) e "Fitzcarraldo" (1982), apenas para citar alguns. Entretanto o resultado é fraco. As cenas se prolongam muito além do que deveriam. Os 90 minutos do filme poderiam se resumir a 30 ou 40 caso a edição tivesse sido mais precisa. Então, apesar da temática interessantíssima desse mundo de faz-de-conta, em que ninguém parece se importar com a artificialidade das relações, o filme não decola. Ele mais cansa do que desperta interesse. Um filme menor na filmografia tão relevante do cineasta.