1.1.25

“O Hotel Palace” - Roman Polanski (Itália/Polônia/França/Suíça, 2023)

Sinopse:
O luxuoso hotel Palace, em Gstaad (Suíça), está sendo preparado para a festa de passagem do ano 2000. Esse evento, cheio de glamour, contará com a presença de hóspedes exigentes: milionários, atores e personalidades de todas as áreas e lugares do mundo. Hansueli Kopf (Oliver Masucci), o gerente do hotel, está um pouco inseguro sobre se a sua equipe estará à altura de satisfazer os caprichos de cada um dos convidados, mas também porque ainda ninguém sabe quais as reais consequências do bug do milênio, que ameaça criar desordem numa sociedade já quase totalmente informatizada.
Comentário: Roman Polanski (1933) é um diretor, produtor, roteirista e ator polonês nascido na França. Atualmente com 91 anos, ele é foragido da justiça americana desde 1977, quando admitiu o estupro de uma garota de 13 anos - na época, o diretor tinha 44. Mais de 40 anos após o crime, ele estava sob risco de enfim ser submetido ao litígio americano por conta de uma nova acusação divulgada em 2023, que apontava outro abuso cometido naquela mesma década. Por conta de um acordo entre as partes ele conseguiu se livrar do julgamento. Desde a notória confissão, em 1977, ele não esteve mais nos EUA, continuando ativo apenas na Europa. Assisti até o momento 16 filmes dele. São dele os ótimos “O Bebê de Rosemary” (1968), "MacBeth" (1971), "Chinatown" (1974), "O Inquilino" (1976), "O Pianista" (2002), "O Escritor Fantasma" (2010), "Deus da Carnificina" (2011) e "A Pele de Vênus" (2013), dentre outros. Desta vez vou conferir seu mais recente filme - que talvez possa ser o último de sua extensa carreira - chamado “O Hotel Palace” (2023).
João Lopes do jornal português Diário de Notícias nos conta que “Em 1995, Kathryn Bigelow realizou ‘Estranhos Prazeres’, uma fábula amarga sobre o progresso tecnológico, ‘antecipando’ um futuro próximo, ou seja, os últimos dias do ano de 1999. Dizem que ‘O Hotel Palace, o filme de Roman Polanski revelado no último Festival de Veneza, funciona como uma versão paródica de tal situação, transfigurando as inquietações da ficção científica numa sátira de implacável humor.
Tudo acontece no cenário exuberante do lendário Gstaad Palace, na Suíça, acolhendo uma galeria de personagens mais ou menos bizarros que vêm celebrar a noite de entrada no ano 2000.
A lista de hóspedes desafia qualquer descrição objetiva. Convivemos, assim, com a marquesa sexualmente ansiosa que tem um cãozinho que gosta de pinguins (...); há também um ricaço (ou talvez não) que prepara um golpe bancário, aproveitando as confusões informáticas do final do milênio; sem esquecer o cirurgião plástico cujo talento razoavelmente discutível se reflete no rosto insólito (...) de algumas senhoras… Através de tais exemplos - interpretados, respetivamente, por Fanny Ardant, Mickey Rourke e Joaquim de Almeida -, compreendemos que os atores foram desafiados para uma performance que cumprem com contagiante alegria: trata-se de assumir figuras caricaturais que, de modo mais ou menos perverso, espelham as ilusões mercantis deste mundo em que a felicidade passou a ser um ‘tema’ do marketing.
Convém não ficarmos pela (falta de) memória que o marketing quase sempre exibe, por exemplo quando, no cartaz de ‘O Hotel Palace’, identifica Polanski como o cineasta de ‘O Pianista’ (2002) e ‘O Oficial e o Espião’ (2019). Certíssimo, sem dúvida, mas vale a pena recordar que as raízes criativas de Polanski envolvem também o gosto de um humor cáustico, por vezes à beira do surreal, em que a comédia negra nunca é estranha a uma metódica demarcação das teias da hipocrisia moral. (...)
Claro que o novo filme não possui a complexidade narrativa nem a sofisticação simbólica dos já citados ‘O Pianista’ e ‘O Oficial e o Espião’, ou ainda de ‘O Escritor Fantasma’ (2010) - são, a meu ver, os melhores filmes de Polanski no século XXI. O que, bem entendido, não impede que lhe reconheçamos a capacidade de elaborar uma ficção que, da teatralidade dos cenários à cuidadosa direção de atores (sem esquecer a música saltitante de Alexandre Desplat), renova a energia de um humor de raiz polaco a que pertence também, por exemplo, Jerzy Skolimowski. Com uma ‘coincidência’ que importa sublinhar: Skolimowski e a sua mulher, Ewa Piaskowska, colaboraram com Polanski na escrita do argumento de ‘O Hotel Palace’.
No elenco, além de Fanny Ardant, Mickey Rourke e Joaquim de Almeida, temos Oliver Masucci, John Cleese, Bronwyn James e Luca Barbareschi, dentre outros.
O que disse a crítica: Jorge Pereira do C7nema avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Disse: “Mesmo com o amontoar de piadas, muitas vezes fáceis e fúteis, que facilmente poderiam fazer do filme um objeto de sketchs sem consistência, Polanski consegue fazer com graça e relevância uma crítica social, política e moral global, mostrando que nada (ou muito pouco) mudou do (...) milênio velho para o novo e que continuamos numa rota imparável para a decadência”.
João Garção Borges da Revista HD-Magazine avaliou com o equivalente a 3,25 estrelas, ou seja, muito bom. Ele sugere que o filme seja visto em tela grande, para que se possa desfrutar “de uma visão muito particular sobre um mundo em perpétuo movimento onde circulam os mutantes e os monstrengos do capitalismo, os melhores e sobretudo os piores representantes da classe ociosa. Naturalmente, se fosse um filme dirigido por Wes Anderson seria muito mais preciso na definição gráfica dos ambientes, mais requintado nas referências culturais, mais intelectualizado, decididamente mais POP e muito menos venenoso (...). Entretanto, Roman Polanski está mais voltado para a bruta visão da realidade circundante e as coisas são como são. Assim sendo, gosto de ambos e viva a diferença!”
O que eu achei: Assim que li a sinopse dizendo que o filme se passava num réveillon, guardei o filme para assistir no dia 31/12 o que fez da experiência algo singular. Quando o filme começou, mostrando os preparativos do hotel para receber seus convidados para a festa, eu havia acabado de colocar a mesa e providenciar a comida para a ceia. Quando deu meia-noite e os fogos de artifício começaram a explodir na Av. Paulista (do meu quarto tenho uma visão parcial desses fogos), os hóspedes do hotel eram conduzidos para a sacada para ver o deslumbrante show pirotécnico organizado pelo Hotel Palace. Então foi bem curioso viver a festa real de réveillon ao mesmo tempo que eu via a festa na ficção. O filme, que está longe de ser comparável à ótimos trabalhos do diretor como “O Bebê de Rosemary” (1968), "Chinatown" (1974), "O Inquilino" (1976) ou mesmo “O Pianista” (2002), apenas para citar alguns, acabou ficando mais palatável já que ele, em resumo, é uma espécie de comédia de humor negro com as figuras mais bizarras que você puder imaginar e onde os mais inusitados acontecimentos vão ocorrer: tem gente da máfia russa lavando dinheiro, um cachorro de grã-fina com diarreia, uma ricaça bêbada que cai de cara num prato de caviar e um pinguim à solta pelos corredores. Os atores famosos convocados para o filme - John Cleese, Mickey Rourke e o ator português Joaquim de Almeida – possuem tanta maquiagem para criar tipos propositadamente caricatos, que passam praticamente irreconhecíveis. Fanny Ardant talvez seja a mais fácil de identificar. Dizem que Roman Polanski inspirou-se nas suas próprias estadias no Palácio Gstaad (na Suiça) para criar o enredo: um hotel de luxo que se enche de aristocratas e ricaços excêntricos e escandalosos no dia do réveillon. Então o filme acaba sendo um retrato da grosseria do mundo “civilizado” escancarada ao enésimo grau. Um bom filme, no mínimo divertido.