26.1.25

“Anora” - Sean Baker (EUA, 2024)

Sinopse:
Anora (Mikey Madison) é uma prostituta do Brooklyn que se casa impulsivamente com Ivan (Mark Eidelshtein), o filho de um oligarca russo. Mas o seu conto de fadas é ameaçado quando a família dele quer anular o casamento.
Comentário: Sean Baker (1971) é um cineasta americano. Estreou na direção com o longa-metragem “Four Letter Words” (2000). Em seguida, realizou filmes como “Take Out” (2004), “Prince of Broadway” (2008), “Uma Estranha Amizade” (2012), “Tangerine” (2015), “Projeto Flórida” (2017) e “Red Rocket” (2021). Assisti dele os bons “Tangerine” e “Projeto Flórida”.
Desta vez vou conferir “Anora” (2024). O título do filme é o nome da protagonista, uma jovem profissional do sexo do Brooklyn, que tem a grande chance de mudar de vida, tal qual numa história de Cinderela, ao conhecer e se casar impulsivamente com o filho de um oligarca russo chamado Ivan. Mas, assim que a notícia chega à Rússia, esse conto de fadas é ameaçado - os pais de Ivan partem para Nova York decididos a anular o casamento.
Laysa Zanetti do site Entre-Telas nos diz “Se você conhece o cinema de Sean Baker, já deve estar familiarizado com o teor de suas obras. O cineasta, diretor de filmes delicados como ‘Tangerine’ e ‘Projeto Flórida’, costuma optar por um caminho particularmente humanista em filmes que jogam luz sobre pessoas à margem da sociedade. Em seu longa mais recente, o vencedor da Palma de Ouro ‘Anora’, Baker continua a investigar as figuras invisíveis do mundo, e o resultado é tão emocionante e cômico quanto se poderia esperar. (...)
Se a premissa te faz pensar em títulos como ‘Uma Linda Mulher’ ou até mesmo os contos de fadas da Disney, não é por acaso. O filme constrói este mundo iluminado e colorido pelo qual Anora se encanta, em que tudo parece dar certo, apenas para puxar o tapete sob nossos pés no último segundo.
A atuação de Madison é essencial para que o público embarque nesta jornada de forma completa (...). Mikey já esteve nos filmes ‘Era uma Vez em... Hollywood’, ‘Pânico V’ e na série ‘Better Things’, e em todos os seus trabalhos ela mostra uma capacidade impressionante de hipnotizar a audiência. (...)
A forma leve e aparentemente despreocupada de transitar entre os vários tons do filme, ora romântico, ora cômico e ora trágico, é o grande segredo de Baker com seu mais recente projeto. Dotado de muita intensidade, o cineasta corre pela história e compreende que a energia da sua protagonista também precisa se repetir no longa. (...)
Desta forma, ‘Anora’ cria uma fábula moderna sobre o que o amor pode ou não vencer, face ao dinheiro, ao poder e ao privilégio que nos separa. Como os demais filmes de Baker, trata da desconstrução do sonho americano, e dos muros que separam aqueles que podem ou não podem sonhar com o inatingível. Entre o humor e o baque surdo da queda, também é um filme que aumenta um ponto na angústia que o cineasta nos presenteou em seus trabalhos anteriores: deixa um vazio no lugar do coração ao permitir que Anora vislumbre, mesmo que brevemente, o que há do outro lado do muro”.
“Anora” recebeu diversos prêmios: ganhou a Palma de Ouro em Cannes, o prêmio AFI como Melhor Filme do Ano, o British Independent Film Award como Melhor Filme Estrangeiro Independente e ganhou como Melhor Roteiro no New York Film Critics Circle Award. Agora ele segue em direção ao Oscar onde foi indicado à: Melhor Filme, Melhor Diretor (Sean Baker), Melhor Atriz (Mikey Madison), Melhor Ator Coadjuvante (Yura Borisov), Melhor Roteiro Original e Melhor Montagem.
O que disse a crítica: Alexandre Cunha da Revista O Grito! Avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Escreveu: “Com uma capacidade dramática louvável, a jovem Mikey Madison é o destaque do filme; atuação digna de todas as indicações a prêmios que têm atraído nos últimos meses. A atriz combina energia e introspecção numa performance marcante. O filme é nutrido por sua força, assim como pelo esforço estético empreendido por Sean Baker. Longe de ser genial, ‘Anora’ é eficiente ao que se propõe, hábil em tensionar a experiência do espectador. Ainda assim, enxergo uma narrativa descompassada, mantida num espectro de frivolidade que a impossibilita de penetrar camadas mais densas e intrigantes”.
Aline Pereira do site Adoro Cinema avaliou com 4 estrelas, ou seja, muito bom. Disse: “As escolhas criativas do roteiro, direção e a interpretação de Mickey Madison tornam Anora uma protagonista completa. É fácil se conectar com os dilemas e navegar pelo misto de ingenuidade e esperteza que nos apresenta: temos uma personagem cuja fragilidade continua visível mesmo em seus momentos mais impetuosos. Com isso, o que se formou, para mim, é retrato de uma geração (dentro de um recorte, é claro) que se divide entre um certo ar de desdém e uma imensa vulnerabilidade. Ani é debochada, mas tão profundamente autêntica que não resta opção a não ser torcer para que ela encontre um bom caminho”.
O que eu achei: Vocês lembram de uma fotografia que foi amplamente divulgada pela mídia, tirada no mandato anterior do Trump, mostrando a esposa dele Melania, no dia em que ela foi visitar crianças imigrantes no Texas, usando uma jaqueta com os dizeres "I really don't care. Do u?" (Eu realmente não ligo. Você liga?)? Ontem assistindo “Anora” essa imagem veio à minha cabeça pois todos os personagens – ou quase todos – pareciam usar uma jaqueta ou camiseta com esses mesmos dizeres, não estando de fato nem aí pros sentimentos dessa descendente de imigrantes russos que reside nos EUA, mais precisamente no Brooklin, onde se concentram hoje as maiores comunidades russo-americanas da cidade de Nova York. O filme começa nos apresentando essa garota que, para ganhar a vida, trabalha como stripper numa casa noturna. Sua vida parece mudar quando ela conhece Ivan, um menino de nacionalidade russa, filho de um oligarga russo que, no auge dos seus 20 aninhos, é ainda um adolescente inconsequente a quem nunca se negou nada e cujo dinheiro tudo permite, tipo um mini Elon Musk. Ela vê nele uma possibilidade de ascender socialmente e ele vê nela mais um brinquedo para sua coleção de prazeres. Não creio que caiba aqui a palavra amor nem da parte dela e nem da dele pois ele, aliás, não se importa com nada nem com ninguém, dando a impressão que, assim como um bebê recém-nascido, o outro não existe, sendo apenas uma extensão dele mesmo. A segunda parte do filme, já sabemos lendo a sinopse (então creio que não configura spoiler), mostra a família dele recebendo a notícia de que eles se casaram impulsivamente em Las Vegas e tentando fazer de tudo para separar o casal. Se Anora espera aqui algum reconhecimento ou consideração seja por parte do marido, seja por parte dos capangas ou da própria família de Ivan, ela que não se iluda pois eles simplesmente don’t care, they really don’t care. Daí vem a terceira parte com seu final surpreendentemente humano, um sopro de vida num personagem que, no seu silêncio e simplicidade se importa. É ele que se dá ao trabalho de olhar no dicionário o significado do nome Anora que tanto pode ser o insignificante fruto da romã como pode ser algo leve e brilhante. Por esse papel o ator Yura Borisov foi indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, mas devo confessar aqui que, apesar da importância do personagem, quem chamou bem mais minha atenção foi o ator Karren Karagulian que está incrível no papel do capanga Toros. Concluindo, é um filme cheio de erotismo, com muitas cenas de nudez, mistura drama e comédia. Mostra uma direção afiada que imprime o estilo Sean Baker de ser em plena maturidade e uma fotografia de tirar o chapéu, não só nos quesitos luz e enquadramentos, mas especialmente no desafio de filmar a frenética segunda parte com maestria. Excelente.