24.11.24

“Tipos de Gentileza” - Yorgos Lanthimos (Irlanda/Reino Unido/EUA/Grécia, 2024)

Sinopse:
São três histórias independentes. A primeira chama-se “A morte de R.M.F.”, é sobre um homem (Jesse Plemons) que tenta assumir o controle de sua própria vida. A segunda chamada “R.M.F está voando” é sobre um policial (Jesse Plemons) cuja esposa (Emma Stone) parece uma pessoa diferente. E a terceira chamada “R.M.F come um sanduíche” é sobre uma mulher (Emma Stone) que procura alguém com uma habilidade especial.
Comentário: Yorgos Lanthimos (1973) é um cineasta, produtor e roteirista grego. Já assisti dele 6 filmes: as obras-primas "O Lagosta" (2015), “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (2017) e “Pobres Criaturas” (2023), os ótimos “Dente Canino” (2009) e "A Favorita" (2018) e o bom “Alpes” (2011).
Giovanna Fantinato do site Tecmundo nos conta que “Após o sucesso de ‘Pobres Criaturas’ (2023) no último Oscar, Yorgos Lanthimos e Emma Stone retomam sua elogiada parceria para mais um longa que reúne tramas estranhas, personagens com índoles questionáveis e texto afiado. (...)
Enquanto seu antecessor desafiou a mente do público ao trazer uma mulher vitoriana vivendo com um cérebro de bebê e experimentando tudo que o mundo tem a oferecer (incluindo os prazeres sexuais), ‘Tipos de Gentileza’ (2024) decide ser menos ousado, ainda que continue tentando ‘quebrar a cabeça’ de quem está assistindo. Assim como a maior parte da filmografia do diretor grego, ‘Tipos de Gentileza’ traz premissas singulares e excêntricas, com três histórias que [nos fazem] ficar questionando ‘que diabos está acontecendo?’.
Na primeira parte, acompanhamos o personagem de Jesse Plemons, um profissional que vive 100% sob as rígidas regras de seu chefe, interpretado por Willem Dafoe. Ele segue à risca todas as ordens do patrão, desde a hora que o despertador toca até o momento em que tem relações sexuais com a esposa. Quando ele se nega a atender um pedido do chefe, o personagem se vê livre do serviço e, consequentemente, de todas as regras impostas pelo patrão tirânico. Mas será que ele quer mesmo sentir o bônus (ou ônus) da liberdade?
Já no segundo ato, vemos Plemons interpretando um policial depressivo após o desaparecimento de sua esposa em alto mar. Quando ela é encontrada e volta para casa, porém, ele acredita que sua real esposa foi substituída por uma impostora. A partir daí, loucura e realidade começam a se misturar, enquanto ele passa a pedir por provas de amor cada vez mais brutais.
Por fim, a terceira e última parte acompanha dois membros de uma seita que viajam à procura de uma garota que, segundo os líderes messiânicos, é capaz de trazer uma pessoa de volta à vida.
Sim, para dar tempo de contar as três histórias, o filme ficou longo – beirando as três horas –, e, é claro, que não sobraria muito espaço no roteiro para grandes explicações. Se os chamados finais abertos são grandes repelentes de boa parte do público; aqui, o espectador não tem apenas um, mas logo três destes desfechos para frustrar os desavisados. (...)
Essa atmosfera (...) lembra bastante todo o clima dos filmes mais antigos do diretor grego, como a bizarrice de ‘Dente Canino’ (2009) e a melancolia cômica de ‘O Lagosta’ (2015). Por isso, ‘Tipos de Gentileza’ provavelmente vai desagradar quem conhece o diretor apenas por ‘Pobres Criaturas’ (2023) e ‘A Favorita’ (2018). Aqueles que já conhecem a filmografia do cineasta, porém, devem encontrar um terreno familiar da peculiar mente (e talvez um pouco perturbada) de Yorgos Lanthimos.
O que disse a crítica: Carlos Alberto Mattos do blog Carmattos não gostou. Disse: o filme “se alonga em pseudotramas, prometendo muito, mas cumprindo tão pouco (...). Há um excesso de gratuidade nas três histórias, conduzidas em diálogos cool até algum desfecho sangrento que pretende dizer algo sobre loucura, prepotência, submissão, perda e engano. Tudo muito estiloso e vazio. Os sete atores centrais se comutam nas três histórias, assim como algumas referências à comida, perda de peso, sexo grupal, etc., fazendo desse formalismo a atração principal. Mas achei tão pouco para sustentar quase três horas de pretensão e arbitrariedade dramática. No fundo, ‘Kinds of Kindness’ me pareceu, como seu título original, apenas um trocadilho narrativo estendido até o teto do tédio”.
Angelo Cordeiro da Revista Rolling Stone gostou. Disse: “À medida que vamos nos adaptando às bizarrices das situações, ‘Tipos de Gentileza’ vai se revelando uma típica fita que irá dividir opiniões por abraçar o sadismo e explorar as mulheres. Alguns dirão que é misógino e banal, mas para outros, como eu, é possível observar quando o instinto animal, presente em todo ser humano, é escancarado de forma tão irracional em uma sociedade que não foi construída para encará-lo. (...) Como em qualquer antologia, algumas das histórias se mostram mais interessantes do que outras, e isso ficará ao seu cargo para decidir - mas, a título de curiosidade, saibam que a favorita deste que vos escreve é a segunda. (...) No geral, ‘Tipos de Gentileza’ está longe de ser um dos melhores filmes na prateleira de Lanthimos e não deve agradar a todos, mas para quem é fanático por ele, é uma pedida obrigatória”.
O que eu achei: Tem gente que é fanático pelo Tim Burton, faça ele o filme que fizer a pessoa está lá, ansiosa para ver mais um típico filme do diretor. Eu sou fanática por Yorgos Lanthimos. O primeiro filme que vi dele foi “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (2017) que achei uma obra-prima. Era uma espécie de filme de terror, que alguns chamam de terror pós-moderno, com um certo artificialismo e uma certa dose de violência que, na época, lembro que mexeu com minha definição de mórbido. Não era nada previsível, não era bem explicado, mas sim um filme para quem estivesse disposto a ver algo diferente. E assim também foi com “O Lagosta” (2015), “Dente Canino” (2009) e “Alpes” (2011): todos meio absurdos, artificiais, com uma grande dose de surrealismo, meio que desconexos do mundo real. Acho que talvez só “A Favorita” (2018) e talvez “Pobres Criaturas”(2023) é que tinham um pouco mais da lógica que normalmente a gente está acostumado a ver no cinema, mesmo assim continuam tendo a marca e a assinatura do cinema autoral do cara. Agora com “Tipos de Gentileza” (2024), me parece que ele retoma as bizarrices de anos anteriores. O filme é uma antologia, ou seja, são três histórias independentes que giram em torno da ideia da aceitação social: o primeiro trata da aceitação no trabalho, o segundo no casamento e o terceiro na comunidade religiosa. Todos cheios de simbolismos, calcados em relacionamentos abusivos travestidos de gentilezas, mostrando o sacrifício que a gente muitas vezes faz para se manter num cargo ou em uma mesma posição na sociedade. Claro que nenhum desses contos vai ser narrado de forma naturalista. Como já é marca registrada do diretor, as histórias – todas amorais por sinal – mostram tramas insanas com aquela estética de normalidade que ele é mestre de executar. Então, assim como das outras vezes, não espere nada muito confortável de ver. São situações que ele retrata de maneira exagerada, sem necessariamente apresentar conclusões, mas sempre deixando espaço para você poder enxergar claramente a barbárie da sociedade em que vivemos. Se eu gostei? Não é o melhor do diretor, mas gostei mais do que a maioria das críticas que andei lendo por aí. É um filme para poucos, mas para quem estiver disposto a sair da mesmice assistindo algo fora da caixinha ou já for fã do diretor, é um bom título que merece ser visto. Atenção à música de abertura – “Sweet Dreams (Are Made Of This)” – da banda Eurythmics, que traduz perfeitamente o que é o filme em sua letra: “Alguns deles querem te usar / Alguns deles querem ser usados por você / Alguns deles querem abusar de você / Alguns deles querem ser abusados”. Boa pedida, se tiver coragem se jogue.