27.10.24

“Guerra Civil” - Alex Garland (EUA/Reino Unido, 2024)

Sinopse:
Estamos num futuro próximo e uma guerra civil se instaura nos Estados Unidos. Uma equipe de jornalistas de guerra, onde estão Lee (Kirsten Dunst) e seu colega de trabalho Joel (Wagner Moura), viaja pelo país para registrar a dimensão desse cenário violento que tomou as ruas em uma rápida escalada, envolvendo toda a nação. No entanto, o trabalho de registro se transforma em uma guerra de sobrevivência quando eles também se tornam o alvo.
Comentário: Alex Garland (1970) é um escritor, roteirista, produtor e diretor de cinema britânico, conhecido por escrever o filme “Extermínio” (2002) e por escrever e dirigir o ótimo “Ex_Machina: Instinto Artificial” (2015). “Guerra Civil” (2024) é o segundo filme que vejo dele.
Raquel Carneiro que entrevistou o diretor para a Revista Veja escreveu que “Logo no início da pandemia, em 2020, Alex Garland contraiu covid-19. O cineasta inglês ficou muito debilitado e, quando se recuperou, sentiu uma confusão mental parecida com a do protagonista de ‘Extermínio’, filme de 2002 escrito por ele. Na trama, o personagem vivido por Cillian Murphy acorda do coma em uma Londres tomada por zumbis e criminosos. Na vida real, Garland não se deparou com mortos-vivos, mas ficou em choque ao ver o noticiário: em meio às centenas de milhares de mortes, diversos governantes mundiais espalhavam fake news, e manifestações antirracistas eram reprimidas por policiais americanos. O mundo estava um caos. Foi então que ele concebeu ‘Guerra Civil’, filme sobre um hipotético (mas assustadoramente realista) conflito interno nos Estados Unidos”.
Hyader Epaminondas do Cine Ninja nos conta que “Distribuído pela icônica A24, (...) ‘Guerra Civil’, é uma mistura (...) de ação, suspense e terror psicológico quase que documental. [O filme] apresenta uma visão crua e desprovida de enfeites desnecessários sobre um possível futuro do nosso planeta, enquanto discute os efeitos da polarização e o estado atual do jornalismo mundial que se distancia cada vez mais da realidade e dos interesses da população.
A produção é situada no meio de uma guerra civil que assola os Estados Unidos, imerso em conflitos e genocídios sem sentido, [mas apesar da] trama se desenrolar no trajeto de carro até Washington, a história transcende fronteiras geográficas, pois poderia facilmente ser ambientada em qualquer outro país do planeta”.
Nos papéis principais estão Lee Smith (Kirsten Dunst) - que carrega uma certa descrença no poder do jornalismo em investigar os fatos - e Joel (Wagner Moura) que surge para adicionar um tom de alívio cômico ao ilustrar o vício em adrenalina que um correspondente de guerra inevitavelmente é obrigado a experimentar em doses exageradas. A interação entre os dois oferece uma reflexão sobre os desafios e as contradições enfrentadas pelos jornalistas em zonas de guerra.
“A terceira parte desse triângulo de ideias fica a cargo do ator Stephen Henderson, que interpreta Sammy, um jornalista experiente que não se encaixa mais no ritmo frenético das coberturas de conflitos. Apesar de suas limitações físicas, Sammy serve como uma ponte ideológica entre as discussões de Dunst e Moura. Sua importância no roteiro é retratada como o representante simbólico do ideal jornalístico dos outros personagens, quase como se ele fosse o elo que mantivesse a sanidade do grupo intacta em meio às tragédias observadas.
Conforme os eventos vão se desenrolando, acompanhamos os personagens em meio ao caos e à desordem, somos confrontados com questões profundas sobre ética, poder e responsabilidade. A produção deixa explícita de forma direta o desconforto em relação ao estado atual do jornalismo, evidenciando sua tendência ao sensacionalismo e à busca pelo impacto imediato e das propagandas, como demonstrado nas coberturas da invasão ao Capitólio em 2021 e ao Congresso Nacional em 2023.
Estes eventos servem como exemplos marcantes do jornalismo contemporâneo, frequentemente guiado por narrativas que privilegiam o drama e a espetacularização em detrimento da análise profunda e imparcial dos fatos. Apesar de ser ficcional, tudo apresentado no filme não está tão distante da nossa realidade, apenas trazendo para o território americano a carnificina que o país propaga globalmente, com justificativas apoiadas pela ONU em nome da pacificação”.
O roteiro foi escrito pelo próprio Alex Garland. No elenco, além de Kirsten Dunst, Wagner Moura e Stephen McKinley Henderson, há Cailee Spaeny e Jesse Plemons - marido da Kirsten Dunst – que faz uma participação não-creditada como um miliciano ultranacionalista e racista.
Sobre a contratação do brasileiro Wagner Moura para um dos papéis principais, Alex Garland disse que o viu pela primeira vez em “Narcos”, a série da Netflix na qual Wagner interpreta Pablo Escobar. Ele disse que quando o conheceu pessoalmente, logo se deram bem e que ele não teve dúvidas que era dele o papel. Seu jeito brincalhão e despojado e, ao mesmo tempo, caloroso e inteligente, era perfeito para o papel.
Duas curiosidades: o nome Lee dado à jornalista interpretada pela Kirsten Dunst é uma referência à Lee Miller, famosa fotojornalista da Segunda Guerra Mundial e o nome Jessie Cullen dado à aspirante a fotógrafa interpretada pela Cailee Spaeny é uma referência ao fotógrafo britânico Don McCullin.
O que disse a crítica: O filme recebeu as mais diversas avaliações. O site Público.PT deu nota 1 (sofrível); o site Omelete deu nota 2 (regular); o Plano Crítico deu 3 (bom); o site Cinematório deu nota 3,5 (muito bom); os sites Adoro Cinema e Cinema com Rapadura deram 4,5 (excelente) e, por fim, o site Esqueletos no Armário avaliou com 5 estrelas (obra-prima). Vamos ver o que disseram os dois extremos:
Luís Miguel Oliveira do site Público.PT, que avaliou com 1 estrela, ou seja, sofrível, escreveu: “Espalhafatoso e oportunista, ‘Guerra Civil’, de Alex Garland, só oferece sensacionalismo oco”. Para ele, o filme é como uma “atração de feira” que explora o voyeurismo.
Yuri Cesar Lima Correa do site Esqueletos no Armário, que avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima, disse que o filme recebeu diversas críticas negativas por terem achado que a trama não se mostrava “claramente posicionada no espectro político”, entretanto Correa acredita que não há necessidade disso pois uma obra deve “confiar na capacidade do espectador” de tirar suas conclusões. Ele elogiou o filme e o diretor e disse que achou o trabalho “coeso, tematicamente rico e energizante”, concluindo que a mensagem está clara: é um “filme antiguerra”.
O que eu achei: Assistir à “Guerra Civil” foi uma experiência e tanto. O filme terminou e eu fiquei me perguntando: afinal este é ou não um bom filme? Valeu a pena ter visto? Uma coisa que a princípio me incomodou - e cuja explicação fiquei buscando até o último minuto - foi não saber exatamente o motivo pelo qual os EUA estão em guerra. Alguns estados lutam para serem independentes, e isso é basicamente tudo o que você vai saber sobre esse conflito. O filme termina e o que fica claro é que o diretor evitou deliberadamente desenvolver esse tema por um único motivo: o filme não é sobre a guerra em si, mas sim sobre imprensa e jornalismo. Então essa decisão de manter tudo meio cifrado até o final, apesar de incômoda para quem assiste, me pareceu acertada, já que colocar tudo às claras faria o espectador se envolver ideologicamente com o filme, passando a torcer por um lado ou pelo outro, coisa que ele claramente queria evitar. Sendo um filme sobre jornalismo, eu creio que ele cumpre bem esse papel. A trama é organizada no formato de um road movie mostrando a vida do profissional de imprensa, seja ele repórter ou fotógrafo. No carro que segue viagem de Nova York até Washington estão quatro exemplares desses profissionais: uma veterana fotojornalista de guerra, um repórter aficionado em adrenalina, um idoso mas experiente jornalista e uma novata aspirante a fotógrafa. A viagem será longa já que eles terão que evitar as rodovias principais. Ao longo do trajeto você verá uma amostra daquilo que poderíamos chamar de “cidadão contemporâneo”: veremos os fanáticos extremistas que se organizam em grupos para eliminar os que não compartilham da mesma opinião, os indiferentes que vivem como se nada estivesse acontecendo e os malucos de pedra que se aproveitam do calor do momento para exercer sua agressividade, dentre outros tipos, devidamente ambientados numa situação de grande polarização como a que vivemos no mundo hoje. Sabemos que o jornalismo é essencial para a democracia, mas ao final do filme, depois de ver tudo o que eles passaram, fica a pergunta: se quem vai veicular essas informações tem interesses particulares a serem preservados e se quem vai consumir essas notícias é essa mesma população retratada no filme, será que valeu a pena? Vale a reflexão.