Sinopse: Política, futebol e rock n' roll. Sócrates, Casagrande e
Wladimir lideram um movimento histórico no esporte e adotam a democracia dentro
de um time e acabam servindo como exemplo de protesto ao regime militar no começo da década de
1980.
Comentário: O diretor do documentário Pedro Asbeg nos conta na Revista
do Cinema Brasileiro que “Corria o ano de 1982. A ditadura militar completava
dezoito anos de opressão e censura, a MPB sobrevivia de metáforas e não se
comunicava com a juventude e o Corinthians era dominado por um mesmo presidente
em um período igualmente longo.
Aproveitando-se da fraqueza política de alguns dirigentes e da má campanha que
o time cumpria nos últimos tempos, o melhor jogador do time faz, dentro do
clube, o que muitos gostariam de fazer no país: democratiza o processo de
tomada de decisões.
Sócrates Brasileiro de Souza, o doutor Sócrates, ou apenas ‘Magrão’, percebeu
que existiam naquele momento e naquele ambiente os ingredientes necessários
para uma pequena revolução de ideias e de atitude e iniciou o processo que
ficou conhecido como ‘Democracia Corintiana’: todos que participavam do
departamento de futebol - do presidente ao centroavante - tinham o mesmo poder
de voto nas principais questões do clube.
No início, não existia nada concreto ou organizado. Eram apenas jogadores que
queriam exercer, dentro de seu local de trabalho, a cidadania que lhes era
negada em outras esferas da sociedade. Cada membro da equipe passou, então, a
ter direito a um voto nas mais variadas questões. Este acabou sendo um momento
único do esporte brasileiro, principalmente se levarmos em conta o contexto
político vivido no país.
Dentro do universo arcaico e paternalista do futebol brasileiro, nunca antes os
jogadores haviam tido tanto espaço para decisões. Aos poucos, a ‘Democracia’ ia
tomando corpo, fazendo fama e assustando dirigentes de outros clubes e os
militares que ainda se agarravam ao poder. Se era possível que um grupo de
jogadores decidisse no voto direto qual seria o horário do treino, se haveria a
concentração ou não dos jogadores na véspera de um jogo e até mesmo quais
deveriam ser os novos contratados da equipe, era de se temer que, em breve, uma
grande parcela do povo brasileiro quisesse ter esses mesmos simples porém
proibidos direitos.
Além disso, o Corinthians não era apenas exemplo de democracia e liberdade. No
campo, a equipe mais popular de São Paulo levou o troféu em 82 e 83. Os títulos
davam a sustentabilidade que o movimento precisava para se fortalecer perante
os vigilantes críticos da liberdade de expressão.
Foi também nesta época que as coisas começaram a mudar
dentro da música popular brasileira. Uma profusão de bandas, de diferentes
estilos e cidades, dizia a mesma coisa: a juventude queria mudanças e,
principalmente, liberdade. E foi com o mesmo caldo de revolução vivido pela
Democracia Corintiana que Ultraje a Rigor, Titãs, Barão Vermelho, Legião Urbana
e Blitz, entre tantas outras, surgiram, conquistaram um público ávido por
novidades e mostrou que era sim possível termos rock n’roll brasileiro de
qualidade e com conteúdo.
Durante esse mesmo período, a pressão popular pelo fim da ditadura e pelo
direito ao voto direto cresceram. Iniciou-se uma campanha pluripartidária em
prol da emenda do deputado Dante de Oliveira, que garantiria eleições diretas
para presidente em 1985 e que ficou conhecida como ‘Diretas Já’. Comícios e
manifestações proliferaram por todo o país. O governo e a grande mídia tentaram
esconder, mas a força do movimento foi grande demais e ficar fora dele era
dizer não a um Brasil livre e democrático. Os dias do regime militar estavam
contados.
Não foi, portanto, surpresa para ninguém, quando os jovens músicos e os
jogadores do Corinthians dividiram o espaço no alto dos palanques, ao lado de
Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula
da Silva. Lá se vão quase 30 anos e, no entanto, a Democracia Corintiana e as ‘Diretas
Já!’ continuam na memória coletiva do povo brasileiro, enquanto o rock
brasileiro já se estabeleceu e frutificou em muitas novas bandas”.
A locução do documentário foi feita pela Rita Lee, o texto da
locução é de Arthur Mulenberg e a produção do filme é da TVZ. O longa recebeu a
menção honrosa do júri oficial no festival “É Tudo Verdade 2014”, foi
selecionado para o Festival de Cinema Brasileiro de Paris, ganhou o Festival
Cinefoot nas edições de São Paulo e Rio de Janeiro e participou do festival
In-Edit, além do MARFICI, na Argentina, DocsDF, no México, Festival
Internacional Del Nuevo Cine Latinoamericano, em Cuba, Festival Offside, na
Espanha e Festival de Cinema Brasileiro de Toronto, no Canadá.
O que disse a crítica: Marcelo Janot do site Críticos gostou do documentário. Escreveu: “Uma aula de cinema, uma aula de cidadania, e uma boa maneira de perceber que se na política o Brasil trilhou o caminho da democracia, no futebol a trajetória foi oposta. O movimento Bom Senso agoniza, a CBF está nas mãos de dirigentes ligados ao regime militar, políticos financiam a construção de estádios em troca de votos e os craques de hoje são, em sua quase totalidade, alienados que só pensam em dinheiro e no próprio ego. Já imaginaram Neymar dizendo que se a tão necessária reforma política de fato acontecer ele deixa de ir pro Barcelona? Pois é. Enquanto isso, mais um gol da Alemanha”.
Luiz Zanin Oricchio também avaliou positivamente. Disse: “a grande sacada, sem dúvida, é articular os feitos de um clube de futebol em um contexto muito específico, o da luta final contra a ditadura e a campanha pelas eleições Diretas. Num Brasil já farto de opressão um time de futebol propunha um respiro de modernidade e rebeldia inusitado em domínio tão conservador como o futebol brasileiro. Os atletas decidiam tudo em seu coletivo, dos treinos à concentração, passando pela contratação de outros jogadores (...). Mas, enfim, havia a rebeldia lúcida de Sócrates, a irreverência roqueira de Casagrande, então com 19 anos, a seriedade de Zé Maria, a presença forte de Vladimir. E um comandante que enxergava além do óbvio, o diretor de futebol Adilson Monteiro Alves”. E finaliza dizendo: “Faz muita falta o Doutor”.
Luiz Zanin Oricchio também avaliou positivamente. Disse: “a grande sacada, sem dúvida, é articular os feitos de um clube de futebol em um contexto muito específico, o da luta final contra a ditadura e a campanha pelas eleições Diretas. Num Brasil já farto de opressão um time de futebol propunha um respiro de modernidade e rebeldia inusitado em domínio tão conservador como o futebol brasileiro. Os atletas decidiam tudo em seu coletivo, dos treinos à concentração, passando pela contratação de outros jogadores (...). Mas, enfim, havia a rebeldia lúcida de Sócrates, a irreverência roqueira de Casagrande, então com 19 anos, a seriedade de Zé Maria, a presença forte de Vladimir. E um comandante que enxergava além do óbvio, o diretor de futebol Adilson Monteiro Alves”. E finaliza dizendo: “Faz muita falta o Doutor”.
O que eu achei: O documentário traça um paralelo da música e da política com o movimento "Democracia Corinthiana", surgido no início da década de 80, e liderado pelos jogadores Sócrates, Wladimir e Casagrande. Ele é extremamente didático. Mostra que, a princípio, o que esses jogadores queriam era poder tomar decisões dentro do próprio time no qual eles trabalhavam: o Corinthians. Queriam decidir, por exemplo, o horário dos treinos, se haveria a concentração ou não dos jogadores na véspera de um jogo e até mesmo quais deveriam ser os novos contratados da equipe. O publicitário corinthiano Washington Olivetto, recém falecido, foi quem deu o nome "Democracia Corinthiana" pra esse movimento. O que esses jogadores não imaginavam é o tamanho que esse movimento tomaria. Estávamos em pleno período de ditadura militar. Músicos de rock brasileiros já tentavam criticar em suas letras o regime obscuro que governava o país. Daí surge um deputado chamado Dante de Oliveira, do PMDB, que resolve apresentar ao Congresso Nacional a proposta de Emenda Constitucional nº 5, que determinava a volta das eleições diretas para a Presidência da República. É aí que a coisa cresce: o Partido dos Trabalhadores (PT) vai e convoca uma manifestação na praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu, em São Paulo. Aparecem cerca de 10 mil pessoas, mostrando que era isso o que boa parte da população queria. Foi como uma faísca no cenário nacional. Demorou um pouco mais do que o desejado para vingar, mas finalmente em 1989, passamos a poder escolher o Presidente da República. O documentário é uma aula. Fiquei pensando no tanto de jovens hoje que não conhecem essa história. Até as palavras “democracia” e “liberdade de expressão” são empregadas hoje incorretamente tendo seu significado deturpado. Ver esse documentário acaba funcionando então como uma aula de história e de língua portuguesa. Se ainda não viu, tá em tempo. Imperdível.