7.9.24

“Propriedade” - Daniel Bandeira (Brasil, 2022)

Sinopse:
Traumatizada por um caso de violência urbana, a reclusa estilista Tereza (Malu Galli) se refugia em uma fazenda da família na tentativa de se recuperar. Mas quando seu marido (Tavinho Teixeira) anuncia aos trabalhadores do local a sua intenção de vender a fazenda, uma revolta acontece. Para se proteger do levante dos trabalhadores Tereza se enclausura em seu carro blindado e mesmo separados por uma camada impenetrável de vidro, o conflito é inevitável.
Comentário: Daniel Bandeira (1979) é um diretor, roteirista e montador brasileiro. Ele estudou Publicidade na Universidade Federal de Pernambuco e é membro da produtora de cinema e audiovisual Símio Filmes. Dirigiu curtas-metragens, como “Contratempo” (2004) e “A Terceira Sombra” (2006) antes de fazer o seu primeiro longa, “Amigos de Risco” (2007). “Propriedade” (2022) é o primeiro filme que vejo dele.
Daniel Medeiros da Folha de Pernambuco nos conta que “A desigualdade social é o que move o horror presente em ‘Propriedade’, novo filme do pernambucano Daniel Bandeira. O longa-metragem (...) mergulha nas disparidades e divisões existentes no Brasil, elevando o conflito de classes sociais à extrema violência.
Na trama, Malu Galli interpreta Tereza, uma estilista atormentada pela violência urbana. Traumatizada após sofrer um assalto, ela é levada pelo marido para descansar alguns dias na fazenda da família. O homem tem planos de transformar o local em um hotel, desconsiderando os funcionários que trabalham lá há várias gerações. Uma enorme tensão se estabelece entre patrões e empregados, obrigando Tereza a se trancar em um carro blindado para fugir do motim dos trabalhadores. O refúgio, no entanto, não aplaca a raiva dos funcionários, que tentam tirá-la do veículo a todo o custo. Sem conseguir dirigir, ela segue enclausurada e tomada pelo medo.
O argumento do roteiro foi desenvolvido por Daniel, a princípio, como um exercício cinematográfico sobre confinamento. Com o passar do tempo, o suspense foi recebendo outros contornos. ‘Percebi que estava lidando com uma imagem que, na minha visão, traduzia muito bem o momento político que a gente estava vivendo. Então, passei a distribuir melhor a minha atenção não somente para essa mulher dentro do carro, mas também para essas pessoas que estão em torno dela’, conta o cineasta.
Malu aponta como uma das qualidades do filme o não julgamento de nenhum dos dois lados da história. (...) Para a atriz, o longa espelha a realidade brasileira. ‘Por isso que é um pouco angustiante se colocar no lugar dessa mulher e, ao mesmo tempo, entender a grande dívida histórica que temos como sociedade’, completa. Conhecida pelo grande público principalmente por seus papéis em novelas, Malu encara um desafio de atuação diferente do que está acostumada no audiovisual. Seu personagem passa a maior parte do thriller sem pronunciar nenhuma palavra, exigindo muito mais do seu desempenho físico. ‘Quando você não tem texto, precisa pensar muito no tempo presente. Cada gesto comunica. Eram coisas muito básicas: abrir uma janela, buzinar, passar para o banco de trás. Trabalhar ações tão simples, mas preenchidas de muitas sensações, é um prato cheio para um ator’, relembra.
Também estão no elenco nomes como Zuleika Ferreira, Tavinho Teixeira, Sandro Guerra, Clebia Sousa, Aruandhê Pereira, Andala Quituche, Angelo Fábio, Samuel Santos e Erick Silva”.
A trama usou como locação a Fazenda Morim, localizada em São José da Coroa Grande, na Zona da Mata Sul de Pernambuco. O filme foi selecionado para a mostra Panorama da Berlinale de 2023.
O que disse a crítica: Bruno Carmelo do site Meio Amargo avaliou com 2,5 estrelas, ou seja, mediano. Disse: “Ao final, o longa-metragem teria demonstrado empatia e piedade por todos os personagens, ou por nenhum deles? Partindo de um xadrez político evidente, ele chega ao niilismo fabular [rejeição ou ceticismo quanto ao valor e ao propósito da vida e da existência], interrompendo-se no meio do conflito. O roteiro deixa as pontas soltas (para além do típico final aberto), porque prefere segurar o público neste deslumbramento do sangue, ao invés de convidá-lo a refletir, ao final, sobre o que viu. Há tese (o lado dos burgueses), antítese (a revolta dos trabalhadores), porém não há síntese. A obra se encerra no clímax, incapaz de tirar as conclusões de sua própria empreitada. Ao final, diante de aplausos efusivos do público de pé na Mostra de Tiradentes, fica a pergunta: deveríamos nos felicitar de tamanha adesão a um filme brasileiro, ou temer a identificação com a carnificina enquanto única proposta política?”
Raissa Ferreira do site Filmes e Filmes avaliou com 3,5 estrelas, ou seja, bom. Escreveu: “Bandeira é pessimista no cenário, não há saída, não existe como conciliar (ainda bem), muito menos como resolver, é como se apenas um dos lados pudesse sair vivo e as consequência posteriores pouco importassem, só interessa o aqui e o agora dessa tensão. É bem possível que, não fosse o estado político totalmente assustador em que vivemos, o filme seria muito bem recebido por uma audiência maior nos cinemas, mas é claro que a retratação dos trabalhadores pode se tornar munição fácil para uma parcela criar aversão com a obra, e talvez a violência desmedida de alguns personagens não ajude nesse ponto, mas é ótimo que o diretor escolha fazer seu filme como bem entende, bastante focado no gênero e em sua execução competente dele, independente de como cada ala política vai se sentir com o resultado. A mensagem existe, afinal, é base da trama, mas o cinema é o maior objetivo”.
O que eu achei: Trata-se de um filme que coloca a classe trabalhadora de uma fazenda numa situação de extrema violência contra seus proprietários que, por conta do prejuízo que a fazenda tem dado nos últimos anos, pretendem demitir todos e construir um hotel no local. O complicado nesse filme é que a violência é tanta que esses empregados ficam parecendo personagens de um filme de zumbis mostrando explicitamente tiros à queima roupa, cavalos decepados e sangue jorrando aqui e ali sem que, ao final, ele tome partido de alguém. Você termina com mais pena da esposa do proprietário (interpretada com excelência pela atriz Malu Galli) que passa o filme todo sendo atacada pelos trabalhadores confinada dentro de um carro do que com alguma simpatia pelos explorados. Como disse Bruno Carmelo no site Meio Amargo, é um filme que apresenta a “tese (o lado dos burgueses), a antítese (a revolta dos trabalhadores), porém não há síntese”. Achei confuso e exagerado. Seria um bom filme de terror, mas política ou socialmente deixa muito a desejar. Para completar o áudio é ruim: o filme é em português mas vi com legendas para poder entender todas as falas.