1.9.24

“Monster” - Hirokazu Kore-eda (Japão, 2023)

Sinopse:
Saori (Sakura Ando) é uma mãe desconfiada dos comportamentos estranhos que seu filho Minato (Soya Kurokawa) começou a apresentar recentemente e, ao que tudo indica, sem nenhuma explicação. Porém, logo Saori descobre que a situação é culpa de um professor (Eita Nagayama) e ela decide ir até a escola para saber o que está acontecendo. Enquanto acompanhamos o desenrolar desse mistério partindo do ponto de vista da mãe, do professor e do próprio filho, a verdade vai, pouco a pouco, surgindo.
Comentário: Hirokazu Kore-eda (1962) é um diretor, produtor, roteirista e editor japonês. Ele começou como assistente de direção em documentários para a televisão, até dirigir seu próprio documentário. Em seguida começou a fazer longas ficcionais. “Pais e Filhos” (2013) é um desses longas que teve destaque por ter ganho o Prêmio do Júri em Cannes. O único filme que vi dele foi o bom "Assunto de Família" (2018) que, também em Cannes, levou a Palma de Ouro. Desta vez vou conferir “Monster” (2023).
André Miranda do site O Globo nos conta que “Três pontos de vista compõem a história de ‘Monster’ (...). O primeiro é da mãe, uma mulher que se preocupa com comportamentos menos usuais do filho e vai à escola conversar com a diretora para entender o que aconteceu. O segundo é o do professor, um rapaz recém-contratado num colégio de classe média japonesa. E o terceiro é do garoto, um estudante de 10 anos que é visto de um jeito pelo professor e de outro diferente pela mãe. Cada perspectiva revela distintos fragmentos do que realmente está acontecendo, e o filme magistralmente sacode a percepção do espectador. Numa hora a gente acredita numa coisa, em pouco tempo já estamos convencidos de outra.
É o tipo de produção que cria um desafio para o crítico de cinema, que é escrever sobre os temas importantes sem revelar demais e invocar o diabo do spoiler. Mas é necessário destacar que ‘Monster’ traz várias discussões atuais e relevantes, todas em geral muito bem colocadas.
Um exemplo é a breve cena em que a mãe é estigmatizada por criar o filho sozinha; outro é o bullying; um terceiro é a homofobia. Tudo isso combina perfeitamente com o cinema de Kore-eda. Entre as características do talentoso diretor, estão o foco em laços pessoais (como família e amizade), seu retrato detalhista da vida comum japonesa e a sutileza com que trata questões sociais. Está tudo lá em ‘Monster’, mas desta vez com um formato mais ousado que se encaixou muitíssimo bem com seu conteúdo”.
O roteiro assinado por Yuji Sakamoto ganhou o prêmio de Melhor Roteiro em Cannes.
O título "Monster" diz respeito à um jogo no qual uma carta com um personagem ou objeto qualquer é tirado de um baralho e colocado na cabeça de um dos participantes sem que ele a veja. Através de perguntas a pessoa precisa adivinhar quem ou o que ela é.
O que disse a crítica:
Caio Coletti do site Omelete avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “O texto de Yûji Sakamoto usa bem o velho truque de apresentar a história sob perspectivas diferentes - principalmente porque, em cada uma das vezes que revisita sua trama, ele aproveita para dar novo sentido a detalhes e responder dúvidas que foram deixadas na vez anterior. O que esse procedimento dá a ‘Monster’, além de um valor de entretenimento inegável (...), é a percepção fatalista das nossas perspectivas incompletas sobre o mundo contemporâneo. É como se Kore-eda tentasse justificar para si mesmo a tragédia da história que está contando, buscando incessantemente por um vilão, e o encontrasse na desonestidade dos sistemas criados para proteger o status quo. Afinal, se não fossem as convenções sociais que ditaram as mentiras e meias-verdades que os personagens contam uns para os outros, tudo poderia ter sido diferente”.
Henrique Artuni da Folha SP, também avaliou com 4 estrelas. Disse: “Pelo humor, o filme evidencia uma faceta particular ao Japão, suas tradições e como seu teatro social esconde feridas. A partir daí, o espectador será confrontado com suas impressões daquele mundo e de suas regras, até chegar num comentário universal sobre como encaramos o que é estranho, o outro. Ou ainda, os monstros na nossa frente, que não raro espelham o que há dentro nós. (...) Kore-eda foge da linearidade e põe sua direção competente a serviço de um roteiro caótico, mas singular na sua carreira. É um dos melhores trabalhos dele nos últimos dez anos”.
O que eu achei: O filme é de uma delicadeza tocante e é muito bem construído. Começa mostrando a mãe do garoto Minato, estranhando certos comportamentos não usuais do menino e procurando a escola para saber o que se passa. Na segunda parte do filme, ele dá uma ré, e o que vamos ver são os mesmos acontecimentos do ponto de vista do professor. Na terceira e última parte é mostrado o ponto de vista do menino. Tudo isso permeado pelas tradições japonesas e pela preservação do status da escola que prefere manter seu nome intacto no mercado do que saber a verdade. Talvez esse seja o verdadeiro “monstro” da história. A trama lembra muito “Close” (2022) de Lukas Dhont, que mostra a intensa amizade entre dois meninos de treze anos, Léo e Rémi. Aqui a amizade é entre Minato, de 10 anos, e Yori, um pouco mais novo. Em ambos os filmes as duplas são alvos de bullying no colégio e, em ambos, os roteiros optam por não colocar pontos finais na suposta e possível homossexualidade entre os amigos pois, afinal, eles são crianças e as descobertas afetivas nessa idade são mesmo confusas. No final, esse quebra-cabeça estará montado. Atenção à trilha sonora assinada por Ryuichi Sakamoto, a última feita por ele antes de sua morte. Excelente.