30.9.24

“Assalto ao Trem Pagador” – Roberto Farias (Brasil, 1962)

Sinopse:
No interior do Estado do Rio de Janeiro, um grupo de seis homens assalta o trem pagador na estrada de ferro Central do Brasil. Para não despertar suspeitas da polícia, eles decidem só gastar, no máximo, dez por cento do produto roubado. Só que alguns membros resolvem gastar mais do que deviam.
Comentário: Roberto Farias (1932-2018) foi um diretor brasileiro de cinema e televisão, irmão do ator Reginaldo Faria. O site Wikipedia nos conta que ele teve um "s" adicionado ao seu sobrenome por erro do cartório, por isso a diferença no sobrenome dos dois irmãos. Seus filhos Maurício Farias e Lui Farias também são cineastas. São dele os filmes: “Roberto Carlos em Ritmo de Aventura” (1968), “Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa” (1970), “Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora” (1971), “Pra frente, Brasil” (1982) e “Os Trapalhões no Auto da Compadecida” (1982), dentre outros. Na TV ele assinou títulos como: “As Noivas de Copacabana” (1992) e “Memorial de Maria Moura” (1994).
“Assalto ao Trem Pagador” (1962) se baseia na história real do famoso assalto contra o trem de pagamentos da Estrada de Ferro Central do Brasil, ocorrido em 1960. O crime aconteceu nas proximidades da Estação Japeri, no Rio de Janeiro, no km 71 do extinto trecho da Linha Auxiliar da empresa e que ligava a Estação Japeri à Estação Botais, em Miguel Pereira. O filme já começa com o assalto sendo feito, então ele serve apenas como o pontapé inicial dessa história que segue mostrando o desenrolar desse acontecimento.
O filme foi rodado em 62 dias, apresentando como principais protagonistas Eliezer Gomes, no papel de Tião Medonho, e Reginaldo Farias no papel de Grilo. Também faziam parte do elenco Jorge Dória, Átila Iório, Ruth de Souza, Helena Ignês, Luiza Maranhão, Dirce Migliaccio, Miguel Rosemberg e Kelé, além da participação especial de Grande Otelo.
Marcelo Leme do site Cineplayers diz que “Para alguém, a morte de uma criança na favela não é para se lamentar tanto, já que é um a menos a sobreviver no meio da miséria. Para outro, pobre rouba galinhas, pois roubar pouco é o que dá cadeia. Em cena, a pobreza da periferia carioca em evidência quando seus habitantes assumem a façanha, com negros a postos nos trilhos em ação, armados na estrada de ferro Central do Brasil, enquanto o mentor desfruta a maresia da zona sul. Peru Grilo, o loiro de olhos claros que caminha por Copacabana, é quem planeja o roubo; os pobres, liderados por Tião Medonho, são quem cumpre toda a articulação do ousado assalto. Os dois personagens participam de uma das cenas mais terminantes de todo o longa, de perversa humilhação e de racismo. Crime entre crimes.
Tião Medonho (...) é o protagonista e o mais explorado entre os personagens. Vivendo vida dúbia [ele tem duas famílias], ele tem horror à pobreza e idealiza um futuro melhor aos filhos. O pensamento: seguirá pobre, mas as crianças não viverão o que diariamente vive. A realidade travestida de ficção faz do filme absolutamente atual. (...) A realidade da fome. A realidade da violência. Roberto Farias apenas conta a história e deixa que o público a questione ou analise”.
A obra conquistou prêmios em diversos festivais como o Festival de Cinema da Bahia, o Festival de Dacar no Senegal, o II Festival Internacional de Lisboa e o Prêmio Governador do Paraná. Conquistou ainda a premiação de Melhor Diretor no Prêmio Governador do Estado de São Paulo e no Festival de Cinema da Bahia. Foi laureado também como Melhor Roteiro no Prêmio Governador do Estado de São Paulo e Sacy do Jornal O Estado de São Paulo.
O que disse a crítica: Davi Lima do site Plano Crítico avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “O filme ‘Assalto ao Trem Pagador’ tem um tipo de história com crescente temática, algo que o público vai desvendando, ao mesmo tempo em que se desgarra dela, mantendo o efeito do tema sem depender dele. É nessa maestria que o tema racial vai ser representado (...). O diretor conquista o público no suspense policial e no visual de faroeste – desde as primeiras cenas de um roubo de trem – fora toda a linguagem de profundidade de duelos no espaço urbano brasileiro. Nessa composição audiovisual cresce o subtexto de um grande assalto, o drama racial no cenário endinheirado de Copacabana e na hierarquia violenta do morro carioca. O diretor mantém o filme com seus ângulos abertos e elipses narrativas para manutenção constante da atenção, mas sem clímax de suspense, apenas um pessimismo representativo da injustiça social”.
Claudio Carvalho do blog dos Maníacos por Filme também avaliou com 4 estrelas. Disse: “O ‘Assalto ao Trem Pagador’ é um clássico do Cinema Brasileiro. Baseado em um fato real, aliás um dos assaltos mais ousados ​​da história brasileira, o filme impressiona até os dias atuais. A precisão e o realismo das cenas lembram o movimento neorrealista italiano. A falta de direitos humanos com as pessoas humildes das favelas que ainda prevalece nos dias atuais é magnificamente apresentada em muitas cenas, especialmente na última, quando a casa da esposa de Tião Medonho é invadida pela polícia, repórteres e fotógrafos. Este filme mostra o outro lado da cidade maravilhosa do Rio de Janeiro, podendo ser considerado a ‘Cidade de Deus’ dos anos 60. A direção de Roberto Farias é muito precisa e cortante, tocando em feridas sociais que nunca cicatrizaram. O elenco tem atuações de destaque como Eliezer Gomes no papel de um líder poderoso e nato, ‘o dono da favela’, Tião Medonho”.
O que eu achei: O filme começa mostrando um assalto que de fato ocorreu, feito a um trem pagador em 1960, ou seja, dois anos antes do filme ser lançado. Basicamente 10% do filme é o assalto em si e os outros 90% são os desdobramentos desse assalto, ou seja, o que aconteceu com os membros dessa gangue que saíram da empreitada com muito dinheiro. A façanha foi tamanha que nem a polícia e nem a imprensa acreditavam que brasileiros fossem capazes de realizar um roubo dessa magnitude. A aposta era de que a gangue fosse internacional. Mas o filme deixa claro logo de cara que o mentor era um branco de classe média residente em Copacabana e os executores, os negros de uma comunidade. O elenco conta com grandes nomes, mas é especialmente tocante ver o saudoso Grande Otelo, que por mais de 60 anos foi protagonista de filmes, novelas e peças teatrais, se tornando um dos poucos negros à época a ocupar um lugar de destaque no cenário artístico brasileiro. A parte triste é constatar que as favelas do Rio de Janeiro, de 1962 pra cá, basicamente só mudaram de nome (hoje se chamam comunidades). Os políticos entram e saem e tudo permanece igual. Com relação ao filme em si, ele até tem alguns problemas de edição e aquela velha questão de dificuldade na captura do áudio, mas é inegável tratar-se de uma grande joia do nosso cinema. Se nunca viu, se jogue.