20.8.24

“Retratos Fantasmas” - Kleber Mendonça Filho (Brasil, 2023)

Sinopse:
Recife, século XX. Reunindo imagens de arquivo, fotografias e registros em movimento, o filme busca explorar a história do centro da cidade, contada a partir das salas de cinema que movimentavam a população e ditavam comportamentos.
Comentário: Kleber Mendonça Filho (1968) é um diretor, produtor, roteirista e crítico de cinema brasileiro. Já assisti três filmes dele: o bom “O Som ao Redor” (2012) e os ótimos "Aquarius" (2016) e “Bacurau” (2019).
Diandra Guedes do Canal Tech nos conta que “Por meio de imagens analógicas do passado e gravações atuais, Kleber mostra como a cidade [de Recife] foi se modificando ao longo dos anos e como a especulação imobiliária e o descaso governamental contribuíram para o esvaziamento da cultura recifense. Se, no passado, os letreiros das salas de cinema ajudavam a situar Recife no tempo - décadas e anos - hoje, o centro da cidade não passa de um local abandonado pelo poder público. Além disso, o prazer de assistir a um filme em um dos vários cinemas de rua da cidade já não existe mais.
Toda essa narrativa, no entanto, não começa assim de forma abrupta. Com muita sabedoria, o diretor pernambucano faz uma curadoria minuciosa de imagens que, apesar de parecerem sem nexo a princípio, conseguem contar a história da cidade.
Partindo do individual para o coletivo, Kleber inicia mostrando um lugar que foi importantíssimo na sua vida; a casa onde cresceu. Ali, ele tece observações sobre a arquitetura, a vizinhança e a natureza que circundava o local. Depois, no segundo ato, faz um passeio pela história das salas de cinema da cidade, mostrando como aqueles espaços eram importantes para que os moradores pudessem se divertir e absorver cultura, e como foram esvaziados e mutilados para se tornarem prédios comerciais no futuro. No encerramento, lança um olhar atento à realidade do centro de Recife e reflete sobre como tudo isso ajudou a moldar a sua personalidade e a de todos seus contemporâneos. (...)
Para fazer esse longo passeio sobre a história da cidade, ele não se debruça apenas sobre seus relatos, mas traz personagens interessantes para a tela. Um deles é Alexandre Moura, projetista de uma das salas de cinemas que conta sobre os prazeres e as dificuldades do seu trabalho e o que significou para ele rodar tantas películas durante todos os anos em que trabalhou ali. (...)
É nítido que os protagonistas da obra de Kleber são as salas de cinema da cidade e é muito interessante ver como, por meio do que aconteceu com elas, ele expressa sua crítica à sociedade. Um exemplo disso ocorre quando, para explicar a ditadura militar em Recife, o diretor recorre às fotos dos letreiros dos cinemas, mostrando quais filmes estavam em cartaz e quais haviam sido censurados. Uma simples placa de cinema pode contar muita história para as futuras gerações, mas é preciso saber escutar, e Kleber soube.
Ainda tecendo sua crítica, no terceiro ato, chamado ‘Igrejas e Espíritos Santos’, Kleber traça um paralelo mostrando como os cinemas eram vistos como algo quase sagrado e como quase todos eles se transformaram em farmácias, bancos, lojas e, claro, igrejas evangélicas, reforçando o avanço do capitalismo sobre a cidade e a soberania da religião evangélica sobre as demais”.
O que disse a crítica: Aline Pereira do site Adoro Cinema avaliou com 4 estrelas, ou seja, muito bom. Escreveu: “Se tivermos que encaixar ‘Retratos Fantasmas’ em um gênero cinematográfico, documentário é o que melhor o descreve, mas a sensação é de que também estamos assistindo a uma obra com um toque de ficção – e esse balanço talvez seja uma das melhores características do filme, ambientado especialmente no centro de Recife, cidade-natal de Kleber. A história, que foi trabalhada por quase dez anos, reúne vídeos e fotografias impressionantes de arquivos públicos e do próprio cineasta para explorar as mudanças do ambiente urbano com o passar do tempo, em uma viagem que vai trazer nostalgia até para quem não viveu nada daquilo”.
Marcelo Müller do site Papo de Cinema avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Disse: “Ao revisitar as paisagens afetivas do seu passado, as conjurando por meio do cinema, Kleber Mendonça Filho faz não apenas uma ode à Recife e às suas outrora majestosas salas de cinema. Ele também festeja de modo bonito a Sétima Arte enquanto entidade capaz de contradizer simbolicamente a morte, de preservar os aspectos preciosos relativos a pessoas e paisagens”
O que eu achei: Bem bacana esse documentário do Kleber Mendonça. Ele aborda a cidade de Recife sobre três aspectos: o pessoal (falando da mãe, do irmão, do apto onde moraram), depois envereda para o Recife de ontem e de hoje (mostrando especialmente as salas de cinema que ele filmou quando ainda era estudante) e, por fim, ele fala do centro da cidade hoje e de seus habitantes. Interessante observar como nos anos 1990/2000 a cidade fervia e como hoje parece esvaziada como se os habitantes, de fato, tivessem virado fantasmas. Com a sua voz mansa, Kleber vai te contando aquela história repleta de delicadezas e muita nostalgia. Eu que nasci e cresci em São Paulo não pude deixar de notar quantas semelhanças minha cidade tem com a de Recife, cuja vida nas ruas diminuiu à medida que o digital avançou e na ocupação das salas de cinema por outros “comércios”, em especial, a igreja evangélica que vem transformando tudo em templos.