28.7.24

“O Melhor Está Por Vir” - Nanni Moretti (Itália/França, 2023)

Sinopse:
 Giovanni (Nanni Moretti) é um cineasta que tenta desesperadamente terminar um filme ambientado em Roma, na década de 1950, sobre o comunismo, com foco no impacto da invasão da Hungria pela URSS em 1956 no Partido Comunista Italiano. Mas uma série de obstáculos se interpõe em seu caminho: uma atriz teimosa (Barbora Bobulova), orçamento apertado, seu próprio casamento em colapso e o namoro da filha (Valentina Romani) com um tipo inesperado (Jerzy Stuhr). Sempre no limite, Giovanni terá que repensar sua maneira de agir e acreditar que o melhor está por vir.
Comentário: Nanni Moretti (1953) é um cineasta, ator e roteirista italiano. Cresceu em Roma e desde a adolescência cultivou suas grandes paixões: o polo aquático e o cinema. Ele já dirigiu em torno de 14 longas, fora os filmes de média e curta metragem. Assisti dele a obra-prima "Caro Diário" (1993), o excelente "Habemus Papam" (2011), os bons "O Crocodilo" (2006) e "Mia Madre" (2015) e o mediano “Tre Piani” (2021), além do incrível documentário "Santiago, Itália" (2018).
Carlos Helí de Almeida do site O Globo nos conta que “No filme (...) ele dirige e interpreta um renomado cineasta em crise pessoal e profissional, que se locomove pela cidade em cima de uma scooter, versão contemporânea da moto que se tornou um fetiche do cinema desde os anos 1950. Giovanni, o protagonista, é um dublê fictício do próprio Moretti que, como seu alter ego, tenta se ajustar às mudanças trazidas pelo tempo. ‘Aprendi a andar de scooter para poder rodar aquelas sequências do filme. Continuo fiel à minha Vespa’ disse o realizador.
Na trama, Giovanni começa a filmar um longa-metragem ambientado em 1956, durante a passagem de um circo itinerante húngaro por Roma, a convite do escritório local do Partido Comunista Italiano, momentos antes de a União Soviética reprimir uma revolta em Budapeste. Seu novo projeto parece condenado ao caos: o produtor está à beira da falência, a mulher se prepara para abandoná-lo, e sua própria equipe se ressente de suas visões antiquadas de fazer cinema. (...) A reflexão política está no cerne da trama do filme dentro de ‘O Melhor Está Por Vir’, protagonizado por Ennio (Silvio Orlando), secretário do PC italiano do bairro Quarticciolo, em Roma. Há também um jornalista que escreve para o jornal L’Unità, porta-voz do PCI. Ambos tentam lidar com o impacto causado pela agressão soviética à Hungria, que provoca uma cisma [uma divisão] dentro do partido local: uns querem pregar pela separação da pátria mãe; outros se sentem intimidados pelo legado de Stalin.
O título original do filme (‘Il Sol Dell’Avvenire’, ou ‘O Sol do Futuro’, em tradução livre) toma emprestado um dos versos da canção ‘Fischia il Vento’ (‘O vento Sopra’) que, como ‘Bella Ciao’, inspirou a resistência e o movimento antifascista durante a ocupação da Itália na Segunda Guerra. A agressão soviética à Hungria marca o declínio do apoio ao Partido Comunista no bloco ocidental. (...)
No ano em que completa meio século de carreira, grande parte dos quais dedicado aos dramas e a grandes questões políticas atuais, Nanni Moretti resgata o filtro da ironia e da autocrítica para observar o mundo a sua volta. ‘O Melhor Está Por Vir’ está repleto de autorreferências cinematográficas e políticas, mas não tem qualquer intenção de pregar para a plateia. (...) Moretti tira sarro de seus ideais humanistas e de seu ofício. O filme está cheio de referências (diretas ou indiretas) a diretores como Federico Fellini, John Cassavetes, Martin Scorsese e Krzysztof Kieslowski, e a diversos filmes, mas também é uma defesa das salas de cinemas como experiência comunitária. (...) ‘Enquanto houver salas físicas abertas, continuarei fazendo filmes para cinema. Acho que as plataformas digitais são boas para séries. Digo isso como diretor, produtor, roteirista, dono de salas de cinema e também como espectador, porque continuo indo aos cinemas com a mesma curiosidade de 50 anos atrás, quando comecei a fazer filmes’, observou Moretti”.
O que disse a crítica: Bruno Carmelo do site Meio Amargo avaliou com o equivalente a 2,5 estrelas, ou seja, regular. Escreveu: “Nenhum personagem existe para além da conexão com o diretor-sol. Por trás da homenagem ao cinema nacional, o diretor efetua uma grande homenagem a si próprio”. E explica: “Mesmo o desfile de astros italianos é coordenado por Moretti, na função do homem digno de reunir todas estas pessoas, de trazê-las apenas para uma figuração, enquanto favor a ele, por apreço a ele. O autor discorre menos acerca do cinema enquanto prática cultural inserida numa sociedade, do que sobre o cinema enquanto paixão pessoal”.
Pedro Sales do site Vertentes do Cinema avaliou com 4 estrelas, ou seja, excelente. Disse: “’O Melhor Está Por Vir’ é um prato cheio para cinéfilos e fãs de Nanni Moretti. O espectador ao ter contato com Giovanni, o protagonista, pergunta-se quanto daquilo será que é personagem e quanto será que é o próprio diretor. (...) O título faz jus ao filme e sua onda otimista. (...) Ou seja, este filme é sobre cinema, política, como todos de Moretti, e também sobre envelhecer, sobre aceitar o hoje e reavaliar o passado”.
O que eu achei: Se o último filme do Nanni Moretti - “Tre Piani” (2021) – era bem mediano, este é melhor. Recupera o estilo do diretor de se colocar na trama como personagem: seu alter-ego está lá encarnado na figura do Giovanni, um diretor de cinema que quer fazer um filme, se sente ultrapassado, falido e não quer se render ao streaming. Então, nesse aspecto, o que temos é o velho Nanni Moretti que tanto amamos no centro da trama. Pena que o resultado final não alcance a excelência de filmes anteriores como "Caro Diário" (1993) ou "Habemus Papam" (2011), por exemplo, apesar de ter bons momentos como ele explicando aos mais jovens de sua equipe como era o comunismo na Itália nos anos 50 ou ele querer que colem o rótulo fictício “Rosa Luxemburgo” numa água mineral apenas para homenagear a pensadora e militante comunista polonesa ou não querer que Stálin seja representado em seu filme já que os húngaros haviam derrubado suas estátuas na vida real. Se você prestar atenção verá que o filme está lotado de referências importantes da política e das artes em geral, mas Nanni Moretti envelheceu e parece cansado, inclusive na forma de concatenar as ideias. Ao final o que temos é uma grande colcha de retalhos. Atenção ao desfile de figuras que aparece na última cena, lembrando o "8 ½" de Fellini, com Moretti se reconciliando com todas as suas criaturas. Note que ao fundo está o Coliseu, inaugurado por Benito Mussolini, um lugar caro à ideologia fascista. É um filme cheio de camadas - nem todas serão decifradas - que fãs do diretor poderão aproveitar para matar a saudade do seu velho estilo de filmar. Veja disposto.