14.7.24

“Folhas de Outono” - Aki Kaurismäki (Finlândia/Alemanha, 2023)

Sinopse:
O longa acompanha a história da estoquista de supermercado Ansa (Alma Pöysti) e do ex-alcoólatra Holappa (Jussi Vatanen). Completamente desconhecidos, os caminhos dos dois acabam se cruzando acidentalmente em um bar de karaokê numa noite qualquer em Helsinki. Automaticamente atraídos um pelo outro, eles decidem sair em um encontro e, talvez, começar um relacionamento que pode ser a solução para afastar a solidão existencial de ambos, mas uma série de adversidades faz com que os dois acabem se afastando.
Comentário: Aki Kaurismäki (1957) é um roteirista, produtor de cinema e cineasta finlandês. Assisti dele o excelente “O Outro Lado da Esperança” (2017) e os bons "O Homem Sem Passado" (2001) e "O Porto" (2011).
Daniel Oliveira do site Terra nos diz que “Vivemos em uma cultura de descarte e desperdício. O princípio é que algo ou alguém se resume àquela parte sua que tem algum valor produtivo, suscetível de ser explorada até a obsolescência. O resto deve ser ignorado ou jogado fora. Quando essa parte se esgota ou expira, ela também deve ser descartada. É o capitalismo eficiente. Essas imagens de rejeito são recorrentes em 'Folhas de Outono', desde os produtos vencidos que Ansa (Alma Pöysti) joga fora no supermercado até os entulhos destinados à caçamba e à destruição nos canteiros de obra em que Holappa (Jussi Vatanen) trabalha. Contudo, a questão que o veterano cineasta finlandês Aki Kaurismäki realmente coloca em seu filme (...) é se esse casal de protagonistas, Ansa e Holappa, também se resume a seu valor produtivo. Se esses dois seres proletários, quase invisíveis, também existem apenas como máquinas numa linha de produção, com todos os demais aspectos de suas vidas devendo ser descartados e ignorados”.
Oliveira nos conta que a estrutura a estrutura do filme “É (...) de uma comédia romântica - e é exatamente isso que 'Folhas de Outono' é. Nos artifícios narrativos que separam o casal, como Holappa perder o número do telefone de Ansa anotado em um pedaço de papel, nos movimentos de câmera mínimos, apenas funcionais, e nos cortes secos, o longa de Kaurismäki é não só uma homenagem à fórmula clássica, mas especificamente um tributo aos grandes exemplares do gênero criados por Charles Chaplin, como 'Luzes da Ribalta' e 'Luzes da Cidade' – algo que fica bem explicitado na cena e no plano final do filme. O diretor finlandês, porém, não se resume a reproduzir essas referências. O aspecto mais interessante de 'Folhas' é que o que parece realmente interessar ao longa é questionar a ética da comédia romântica em tempos de capitalismo tardio. (...)
Nessa insistência da atrocidade e da barbárie interrompendo a rotina banal dos protagonistas, Kaurismäki parece perguntar-se (e a nós) sobre a moralidade do romance em tempos de guerra, de bombardeios de hospitais e genocídio de crianças. E ao fazer isso, ele questiona a própria ética da arte nos tempos atuais: qual a moralidade de contar a história de dois personagens brancos se apaixonando quando o mundo inteiro parece prestes a acabar, seja pela hecatombe bélica ou climática? A resposta é que nós precisamos de beleza. Precisamos manter e acreditar no valor intrínseco da arte, mesmo quando todo o resto da humanidade é uma linha de produção de feiura”.
Na trilha sonora, os títulos vão desde exemplares do cancioneiro pop finlandês até a apresentação da girl band Maustetytöt, cuja canção "Syntynyt suruun ja puettu pettymyksin" ("Nascida na tristeza e vestida de decepção", em tradução livre) resume a melancolia proletária do capitalismo tardio do longa.
O filme foi vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes.
O que disse a crítica: Bruno Carmelo do site Meio Amargo avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “o longa-metragem nos lembra da dificuldade de ser singelo, pequeno e humanista no cinema, quando a tendência do comportamento autoral resvala na grandiloquência ou auto importância. ‘Folhas de Outono’ representa um filme pequeno, curto, de poucos personagens, esparsas reviravoltas, cenários limitados. O cineasta prefere a fotogenia dos rostos tristes, ainda que nada piedosos (...), nas idas e vindas do trem. Assim, promove a fricção constante entre o humor e a melancolia; entre o afeto sutil e a política grotesca; entre a aproximação mínima entre duas pessoas e os acontecimentos bombásticos na Ucrânia. Ao passo que, lá fora, as pessoas se matam, se prendem e perseguem, se exploram e roubam, Kaurismäki reserva uma crença discretamente otimista na possibilidade de encontros, por mais triviais que sejam, entre os marginais perdidos pela multidão”.
Bruno Ghetti da Folha SP avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Disse: “Folhas de Outono” concentra “elementos típicos da obra do diretor que é quase uma súmula de todo o seu cinema. O cenário e as performances estilizadas, a melancolia finlandesa, a presença do álcool, o senso de autoironia e o uso do humor como escape para os problemas da vida – a mistura de observação social com ternura pelos personagens que tem feito de Kaurismäki o cineasta mais importante da Finlândia há décadas”. E completa dizendo: “Nada pior do que um cineasta que inventou um estilo e que, com o tempo, foi incapaz de escapar da fórmula criada por ele próprio, virando um prisioneiro de si mesmo. Não é o caso de Kaurismäki, que consegue sempre incluir algum elemento de frescor, de novidade, de uma paixão renovada àquilo que faz. Seu cinema continua tão ou mais admirável a cada novo filme”.
O que eu achei: Já assisti três filmes do Kaurismäki, este é o quarto e, em todos eles há uma coisa em comum que eu vou chamar de “melancolia finlandesa”. Então não espere histeria num filme do diretor, ele não tem pressa e nem interesse pela abundância, suas narrativas são quase monótonas. “Folhas de Outono” não é diferente. A trama se passa na atualidade – no rádio corre a notícia da Rússia atacando a Ucrânia -, mas não se vêem smartphones nem redes sociais e o casal que protagoniza a trama ainda anota números de telefones em papeizinhos e ainda vai ao cinema pra ver um filme de zumbis. O filme é discreto, o humor é quase inexpressivo, as palavras são poucas, o tempo é nublado, mas o recado é dado: enquanto houver amor, há esperança. Não é um tipo de cinema que agrada a todos, mas se quiser desacelerar, é uma boa pedida. Atenção à trilha sonora que mistura música finlandesa com Schubert, Tchaikovski e Carlos Gardel.