23.6.24

“O Conde” - Pablo Larraín (Chile, 2023)

Sinopse:
Augusto Pinochet (Jaime Vadell) é um vampiro que está vivo há 250 anos e está pronto para morrer, mas os abutres que o rodeiam ainda esperam uma última mordida.
Comentário: Pablo Larrain é um diretor, produtor e roteirista de cinema chileno. Assisti dele o excelente "O Clube" (2015) - indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e ao Globo de Ouro -, os bons “Neruda” (2016) e “Spencer” (2021) e o mediano "Ema" (2019).
“O Conde” é um filme de terror e comédia que se passa em uma realidade alternativa e mostra o ex-presidente do Chile, Augusto Pinochet, como um vampiro envelhecido e isolado em uma mansão abandonada.
Não é a primeira vez que o chileno Pablo Larraín faz filmes sobre o impacto danoso da ditadura militar na cultura de seu país. Em 2008 ele lançou “Tony Manero”, um filme que se passa no Chile no ano de 1978 e que mostra o desvio de caráter de um personagem como reflexo da opressão ocasionada pela Ditadura Militar. Em 2010 veio “Post Mortem”, um filme que se passa no Chile no ano de 1973, sobre uma pessoa enamorada que terá que procurar sua amada em meios aos corpos das vítimas do golpe de Augusto Pinochet. Em 2012 veio “No”, outro trabalho que se passa no Chile de 1988, quando o governo ditatorial convoca um plebiscito para perguntar se a população apoia os militares.
Desta vez o foco é a persona do ex-presidente Pinochet (1915-2006), símbolo do fascismo, que presidiu o país de 1973 a 1990 e depois ainda virou senador vitalício, um cargo que foi criado exclusivamente para ele por ter sido um ex-governante. Seu regime foi marcado por constantes violações de direitos humanos, com mais de 80.000 pessoas sendo presas e outras 30.000 torturadas. Segundo números oficiais, mais de três mil pessoas foram assassinadas pelo seu governo.
Segundo Carlos Helí de Almeida Especial do Jornal O Globo, “Na versão de Larraín, Pinochet é um vampiro de 250 anos que, à noite, sai de sua mansão em ruínas no Sul do país e voa pelos céus de Santiago, bebendo sangue e extraindo o coração de suas vítimas. O filme chegou ao público na semana em que o golpe que derrubou o presidente Salvador Allende completou 50 anos.
‘Foi um longo processo até encontrarmos a melhor forma de retratar esse homem, que nunca havia sido representado no audiovisual do Chile antes. A combinação de farsa e sátira, com elementos tirados de documentos históricos, foi a maneira que encontrarmos para abordá-lo. Sem a sátira, corríamos o risco de criar empatia, compaixão, e isso seria inaceitável’ - explicou Larraín durante o Festival de Veneza. ‘Há pessoas que dizem que Pinochet não deveria ser eternizado em filme, por ser parte da História recente do país. Mas acredito que o mal deva ser filmado, sim’. (...) ‘Para Pinochet, era aceitável a ideia de destruir o adversário político por intermédio de tortura, sequestro e todo tipo de violação dos Direitos Humanos. O que ele não aceitava era ser chamado de ladrão. Foi isso que me levou a mostrar um general sorumbático, deprimido, justamente por causa dessa ‘calúnia’ - contou o cineasta, de 47 anos. - É uma estratégia bastante perigosa, e ainda em voga hoje no mundo. Quando um ditador ou líder de extrema direita precisa se aposentar, faz que enlouquece para garantir a pensão, o futuro.
Larraín diz que, apesar de morto, Pinochet e o seu legado continuam semeando o terror em seu país - daí a propriedade do simbolismo do morto-vivo que sobrevive do sangue alheio. O diretor vê o ditador nos ricos empresários que se beneficiaram da ditadura e defenderam os ideais do general, na visão neoliberal que impôs à economia, no individualismo, na falta de compaixão e na ganância de seus compatriotas.
O diretor diz que ‘O Conde’ estreia no Chile em momento de ‘muita polarização’, e é difícil adivinhar como o público chileno reagirá a ele. ‘Acho que a impunidade fraturou o Chile. O fato de Pinochet nunca ter enfrentado a Justiça e ter vivido como um homem extremamente rico e gozando de total liberdade até a sua morte o tornou quase eterno, como um vampiro’ - observou o diretor, que comparou o general chileno ao ditador espanhol Francisco Franco (1892-1975). ‘Eles compartilharam o prazer de fazer o mal e a pouca inteligência. Serviram como fantoches de outros grupos de poder, que os colocaram lá e os apoiaram nessa buscar pelo controle de seus respectivos países’”.
O filme foi selecionado para o Festival de Veneza de 2023, onde ganhou o prêmio de Melhor Roteiro e concorreu ao Oscar de Melhor Fotografia (Edward Lachman).
O que disse a crítica: Fernando Campos do site Plano Crítico avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Disse: “Ao contrário de ‘Spencer’, que era lúdico ao mesmo tempo que dramático, ‘El Conde’ não consegue criar um envolvimento dramático com a trama de forma cativante. O filme se preocupa tanto em ressaltar o quanto aqueles personagens são detestáveis, que esquece de criar engajamento com o público. (...) Ao menos, o segundo ato gelado é suplantado por um desfecho deliciosamente fora da caixa, com uma reviravolta que nem mesmo o espectador mais criativo verá chegando. Com isso, o debate sobre o fascismo chileno é ampliado para o cenário internacional”.
Caio Coletti do site Omelete avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “Em ‘O Conde’, Larraín segue assombrado por esse nexo inescapável, embora se veja muito mais focado nos monstros eternos que só querem perpetuá-lo, batendo no liquidificador os corações desavisados dos meros mortais”.
O que eu achei: Eu gostei bastante do filme. A obra mistura o real e o fantástico para explorar de forma única a história e a política chilenas. Larraín, conhecido por suas abordagens ousadas e críticas à história recente do Chile, desta vez usa um tom satírico ao reimaginar a figura do ditador Augusto Pinochet como um vampiro centenário. No filme ele é imortal, vive recluso no sul do Chile, alimentando-se de sangue humano para se manter vivo, o que serve de metáfora para a duradoura influência do ex-ditador na política e na sociedade chilenas, bem como para os horrores e as atrocidades de seu regime, que parecem eternamente presentes. A fotografia em P&B, que concorreu ao Oscar, possui uma paleta de tons sombrios que dá o tom gótico do filme. A trilha sonora, cuidadosamente escolhida, complementa a atmosfera, criando uma experiência sensorial que é ao mesmo tempo perturbadora e cativante. No papel do vampiro Pinochet está Jaime Vadell, numa interpretação que oscila entre o grotesco e o patético. Mas além dele e de sua trupe – esposa, mordomo, filhos – ainda passeiam pela tela figuras como Maria Antonieta e Margareth Tatcher, levando a questão para o nível internacional. O roteiro não poupa críticas ao legado do ditador e à forma como ele é lembrado e, em alguns casos, reverenciado. A sátira é afiada, abordando temas como o poder, a corrupção e a imortalidade dos traumas históricos. O desconforto nos força a refletir sobre a persistência do autoritarismo e a dificuldade de erradicar suas raízes. Em resumo, é um filme ousado, importante, provocativo e criativo que vai te fazer pensar, afirmando Larraín como um dos diretores mais inovadores e críticos de sua geração. Atenção ao nome Roberto Silva Renard (1856-1920) que aparece num dos túmulos próximos à casa. Ele foi um comandante do Exército Chileno, conhecido como o executor da ordem de Matança da Escola Santa María de Iquique, ocorrida em 1907, contra os trabalhadores de salitre e seus familiares que estavam em greve por causa de pedidos de melhorias trabalhistas não resolvidos.