24.6.24

“As Diabólicas” – Henri-Georges Clouzot (França, 1955)

Sinopse:
Christina (Véra Clouzot) é casada com o sádico Michel (Paul Meurisse). Rigoroso diretor do colégio que a ela pertence, ele frequentemente a humilha, maltrata alunos e funcionários e é odiado por todos. Em uma improvável parceria, Christina e a professora Nicole (Simone Signoret), amante de Michel, decidem matá-lo.
Comentário: Henri-Georges Clouzot (1907-1977) foi um cineasta francês. Ele começou a dirigir e a roteirizar seus filmes na década de 1940 e sua estreia se deu com “O Assassino Mora no 21” (1942). Foi casado com a atriz brasileira Véra Gibson-Amado (1913-1960) - que adotou o nome Véra Clouzot após o casamento. Ela atuou em diversos de seus filmes. Dentre os trabalhos do diretor estão “O Salário do Medo” (1953), “O Mistério de Picasso” (1956), “Os Espiões” (1957), “A Verdade” (1960) e “A Prisioneira” (1968), dentre outros.
Jessica Bandeira do site Querido Clássico nos conta que “’As Diabólicas’ é uma adaptação cinematográfica do romance ‘Celle Qui N'Était Plu’s’, dos escritores Pierre Boileau e Thomas Narcejac. O livro conta a história do assassinato de Mireille, esposa de Ravinel, tramado pelo marido dela e a amante, Lucienne. Em um determinado momento, Ravinel começa a acreditar que a esposa está viva e o assombrando. Será mesmo?
‘Celle Qui N'Était Plus’ teve seus direitos comprados por Clouzot três dias após seu lançamento. Alfred Hitchcock também estava de olho na história, mas Clouzot foi mais rápido. (...) Boileau e Narcejac gostaram da adaptação de ‘As Diabólicas’, mas em uma entrevista afirmaram que tratava-se mais de uma recriação. Toda adaptação é, de certa forma, uma recriação, mas entendo o que eles querem colocar. Li o livro e acredito que esse seja um raro caso em que o livro não consegue fazer jus à adaptação. A adaptação, ao transpor a história de Nantes para um internato, conseguiu adicionar camadas mais profundas, que talvez deixem a desejar na trama de Boileau-Narcejac.
‘As Diabólicas’ conta a história de um internato para garotos, dirigido pelo misógino e cruel Michel DeLaSalle. Ele é casado com Christina (Véra Clouzot), diretora e professora da instituição, e mantém um caso com Nicole (Simone Signoret), outra professora do internato. Cansadas dos maus tratos de Michel, elas resolvem tramar a morte dele. (...)
‘As Diabólicas’ é um filme sobre personagens atormentados com seus próprios demônios. O medo vem daí. Christina perde o controle de sua vida após o assassinato de Michel. Ela não come, não dorme, pois acredita que será descoberta a qualquer momento. Seu tormento chega a tal ponto que ela confessa ser a assassina de Michel, embora ninguém acredite nela.
(...) Esse filme também desmonta a instituição escola e casamento. Em ‘As Diabólicas’, tudo e todos são podres. Os alunos afrontam os professores, os professores fazem comentários misóginos e desrespeitosos sobre as professoras, o marido agride a esposa. A limpeza e ordem francesas caem por terra quando olhamos o funcionamento do internato e do casamento entre os personagens principais. A escola e o casamento eram essenciais à reconstrução da França no pós-guerra, mas Clouzot não está interessado em enaltecer tais instituições. Talvez isso explique o porquê de o filme ter sido tão mal recebido na época. Clouzot mostrou que, por trás de lindas donas de casa e crianças, escondem-se a maldade e a hipocrisia. O final de ‘As Diabólicas’ confirma isso”.
Pesquisando a vida da atriz brasileira Véra Gibson-Amado, descobri que ela era filha do sergipano Gilberto Amado, um famoso intelectual brasileiro que atuou como advogado, diplomata, jornalista, escritor e deputado no Estado Novo de Getúlio Vargas. Um de seus primos era o escritor Jorge Amado. Ela morreu cinco anos depois do lançamento deste filme, em 1960, acometida de um ataque cardíaco. Ela tinha 46 anos de idade.
Segundo o site Wikipedia este filme teve quatro refilmagens:
- “Games” (1967), escrito por Gene R. Kearney e dirigido por Curtis Harrington, protagonizado por James Caan e Katharine Ross, sendo que Simone Signoret também está no elenco;
- Uma versão norte-americana com o título “Reflections of Murder”, exibida na TV em 1974, estrelada por Tuesday Weld, Joan Hackett e Sam Waterston;
- “House of Secrets” (1993), outro remake televisivo estrelado por Melissa Gilbert;
- “Diabolique” (1996) com roteiro adaptado por Don Roos, direção de Jeremiah S. Chechik, com elenco liderado por Sharon Stone e Isabelle Adjani.
Entretanto, a de Clouzot continua sendo a melhor delas.
O que disse a crítica: Luiz Santiago do site Plano Crítico avaliou com 4,5 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: “’As Diabólicas’ é um filme genuinamente espantoso. Com interpretações conduzidas com mão forte, um roteiro brilhante (mas não perfeito, vide o trabalho pouco necessário em relação aos outros dois professores do internato) e uma composição técnica e estética belíssimas e cheias de significado, a obra teve o merecido reconhecimento do público e da crítica, servindo de inspiração para muitos diretores que se aventurariam pelo mesmo tema no futuro”.
Alejandro Franco do site Portal Arlequin avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Disse: “A graça [desse filme] sem dúvida está no roteiro e, quando misturado a bons ingredientes, o produto final é muito maior que a soma das partes; porque, tal como no futebol, não é preciso ter um punhado de estrelas para brilhar, mas simplesmente uma equipe de pessoas qualificadas, que sejam eficientes e trabalhem em grupo, conseguindo assim obter resultados memoráveis”.
O que eu achei: Este filme é um clássico do cinema. Ele possui um suspense e um mistério que nos remete aos trabalhos do mestre Hitchcock que, aliás, tentou comprar os direitos do livro mas Clouzot havia chegado antes dele. A parceria inusitada entre as duas mulheres - a esposa e a amante -, unidas pelo ódio ao mesmo homem, é o motor que impulsiona a narrativa. A fotografia em P&B acentua o clima sombrio e opressivo das cenas. O roteiro é bem construído com reviravoltas surpreendentes e uma tensão crescente que culmina em um desfecho inesperado e chocante. As atuações são outro ponto alto do filme. A brasileira Véra Clouzot entrega uma performance vulnerável e angustiada como Christina, enquanto Simone Signoret traz uma intensidade fria e calculista para Nicole. A química entre as duas atrizes é palpável e essencial para a credibilidade da trama. Paul Meurisse, como o sádico Michel, é convincente e detestável, um verdadeiro catalisador para a conspiração que se desenrola. É um filme que fala de traição, vingança e culpa, que te mantém em um constante estado de tensão até o último minuto. Para qualquer amante do cinema, especialmente para quem gosta de suspense, este filme é uma experiência e tanto. Imperdível.