10.6.24

“Carne Trêmula” - Pedro Almodóvar (Espanha/França, 1997)

Sinopse:
 Estamos em 1970, uma prostituta (Penélope Cruz) dá à luz em um ônibus à uma criança que ela batiza de Victor. Anos depois, Victor (Liberto Rabal), que agora reside na Madri contemporânea, se envolve em uma confusão na casa de Elena (Francesca Néri), uma viciada em drogas por quem ele se apaixona, atraindo a atenção dos policiais David (Javier Bardem) e Sancho (José Sancho). O que eles não esperavam era que um tiro disparado ao acaso mudaria suas vidas para sempre e seus destinos se cruzariam de novo sete anos depois.
Comentário: Pedro Almodóvar é um cineasta espanhol de quem já assisti 14 filmes, dentre eles os ótimos "A Lei do Desejo" (1986), “Kika” (1993), "A Flor do Meu Segredo" (1995), “Volver” (2006), “Abraços Partidos" (2009), "A Pele que Habito" (2011), "Os Amantes Passageiros" (2013), "Julieta" (2016), o curta “A Voz Humana” (2020) e “Madres Paralelas” (2021).
Alzira Brum Lemos da Folha SP nos conta tratar-se do décimo-segundo filme do diretor. Segundo ela, “essa é a primeira vez que Almodóvar adapta um texto para um roteiro - uma adaptação livre do romance homônimo da americana Ruth Rendall. ‘O trabalho é tão livre que nem é preciso pagar direitos autorais’, afirmou Almodóvar. (...)
O enredo está centrado na história de um jovem (...), Victor (Liberto Rabal), a quem o acaso empurra para a paixão, a cadeia, a inveja e a vingança contra os que causaram sua infelicidade: a mulher por quem é apaixonado, Elena (Francesca Neri), e seu marido, David (Javier Bardem), um ex-policial [que durante a trama vira um] paraplégico campeão de basquete em cadeira de rodas. Nem harmonias nem histórias de amor padrão. O diretor espanhol aposta mais uma vez nos conflitos dos personagens: ‘Comigo, as histórias de amores que funcionam e perduram não têm vez, porque não concebo o casal feliz. Isso não significa que eu seja pessimista, mas que somos feitos assim, de paixão, e a paixão passa por zonas muito obscuras’.
‘Carne Trêmula’, a julgar pelas locações e pelas declarações de Almodóvar, amalgama vários universos temporais e espaciais, compondo uma obra em diversos gêneros, na linha divisória entre a comédia e o drama, com um visual ‘barroco e quente’.
Acontecimentos pontuais da história (...) da Espanha atravessam a trama, que começa com o nascimento do protagonista [com a Espanha em] estado de exceção. (...) Almodóvar escolheu como locação La Ventilla, uma zona miserável de casas baixas, que sobrevive - na iminência da destruição - ao pé de uma das torres do edifício KIO, ‘uma paisagem bélica da Madri mais moderna, a grande porta da Europa’. ‘Essas torres patéticas, que recebem o visitante apontando para o alto, estão de perfil, olham de soslaio para todo esse submundo que há na base. Não faz falta explicar o contraste porque é físico e muito eloquente’”.
O que disse a crítica: Silvio Pilau do site Cine Players avaliou com 4,5 estrelas, ou seja, excelente. Disse: “A trama criada por Almodóvar tem todos os elementos necessários para se construir uma grande história: sexo, amor, obsessão, crime, tragédia. E, para o deleite do espectador, o cineasta é incrivelmente hábil ao abordar todos estes temas, jamais perdendo a segurança da narrativa. (...) ‘Carne Trêmula’ é a realização dos sonhos de todo cineasta: possui uma história inteligente e um estilo próprio, mas foge das limitações da alcunha de ‘filme de arte’. Todos podem apreciar a genialidade de Almodóvar em ‘Carne Trêmula’. E certamente irão”.
Diego Benevides do site Cinema com Rapadura também avaliou com o equivalente à 4,5 estrelas. Escreveu: “O cineasta espanhol Pedro Almodóvar lança em 1997 uma de suas obras mais maduras e envolventes que constam em sua filmografia. Sabendo sempre dosar os diversos temas que trabalha, constrói uma narrativa cuja complexidade está nas sinceridades ditas e mostradas entre os relacionamentos afetuosos dos seres humanos, sem poupar os personagens de destinos que não se restringem ao heroísmo”.
O que eu achei: Eu, que já vi 14 filmes do diretor, não mais me surpreendo em gostar do resultado que quando não é bom é ótimo e quando não é ótimo é bom. “Carne Trêmula” (1997) é um daqueles longas redondos, que flui sem fazer esforço, num roteiro que mistura sensualidade, erotismo, paixão, vingança e tudo mais, sem perder o ritmo. Por trás de sua aparência de novela, Almodóvar faz declarações políticas situando o começo do filme num período no qual o regime franquista coloca o país em estado de exceção. Foi o filme que revelou Javier Bardem para o mundo. O resultado não poderia ser melhor. Tire as crianças da sala e se jogue.