30.6.24

“A Teia de Chocolate” - Claude Chabrol (França/Suíça, 2000)

Sinopse:
Mika Müller (Isabelle Huppert) é diretora da fábrica de chocolates Müller. Ela vive com o marido pianista (Jacques Dutronc) num local pacato da Suíça. Mas essa rotina sossegada muda quando uma jovem pianista (Anna Mouglalis) descobre que pode ter sido trocada na maternidade pelo enteado de Mika (Rodolphe Pauly). Isso desencadeia eventos que modificam o panorama, numa espécie de reação em cadeia.
Comentário: Claude Chabrol (1930-2010) foi um diretor de cinema, produtor, ator e roteirista francês. Ele atuou em mais de 30 filmes e dirigiu mais de 50 longas, sem contar os filmes feitos para a TV e os curtas. Assisti dele os bons "Mulheres Diabólicas" (1995), "A Dama de Honra" (2004) e "A Comédia do Poder" (2006).
Inácio Araujo da Folha SP nos conta que “Estamos na Suíça, terra por excelência das falsas aparências. E parece que a vida dos personagens desse filme segue bem o ritmo local, onde as coisas parecem todas se encaixar. Mika é casada com o famoso pianista André Polonski e tem como enteado o jovem Guillaume. Existe no filme uma outra família feliz, ou quase isso, composta por Jeanne Pollet, uma jovem pianista, e sua mãe Brigitte, diretora de um instituto de medicina legal. Numa terra de aparências, a fofoca corre solta e, claro, em dado momento uma amiga de Brigitte faz a revelação incômoda: quando Jeanne nasceu, houve uma momentânea troca de bebês no hospital. Tudo se desfez, mas agora, para Jeanne, resta a dúvida: seria ela filha de André? E seria Guillaume filho de Brigitte?
Por esse viés incisivo, Claude Chabrol (...) instaura o mistério e a dúvida em seu filme, pois a questão (quem é meu pai?) não é coisa pequena. Digamos que sobre ela se edifica o cristianismo. E, além disso, Jeanne não é uma pianista como André Polonski? Claro, nada é conclusivo. Mas a existência da suposição (reforçada pela semelhança entre Jeanne e a mãe - suposta mãe - de Guillaume) é o bastante para nos introduzir numa história em que tudo é um jogo de aparência e mistério.
No entanto, esse não é o único: o principal mistério é Mika. Sobre ela convém não adiantar muita coisa - sob pena de contar toda a história. De todo modo, Chabrol deixa claro em vários momentos que não fugirá a um princípio central de sua obra: o mundo é um mistério e cada ser encerra mistérios não raro tenebrosos.
Qual a natureza desse mistério, não ficaremos sabendo. Também não saberemos ao certo qual a natureza do mal que cerca as pessoas. O mal é tão inexplicável quanto a própria existência: ele existe simplesmente. Diante dele, pode-se ter uma atitude de ácida ironia, tão típica de Chabrol. Como Fritz Lang, seu mestre, ele se distancia ligeiramente dos personagens para observá-los à distância. Se evita investigar a natureza do mal, em troca sua ‘Teia de Chocolate’ se detém com cuidado sobre como ele se manifesta. É nessa medida que seu filme consegue fazer o caminho oposto da maior parte dos filmes. No início, nos dá a impressão de conhecer até de maneira íntima os personagens. Quando chegamos perto do final, nosso conhecimento (que era fundado sobre aparências) vai se esgarçando e cada personagem vai sendo plenamente reinstaurado em seu mistério.
É como se Chabrol filmasse sobrevoando os acontecimentos (...) e seus protagonistas. Como se mostrasse deles apenas a pele, enquanto a teia de acontecimentos que se tece em torno deles se encarregasse de esclarecer o acessório e, ao mesmo tempo, toldar o essencial. É como se Chabrol risse discretamente de nossas expectativas, ao criar esses fantasmas que se movem à nossa frente. É como se cada revelação do mundo comportasse a instauração de uma zona de sombra correspondente”.
O que disse a crítica: Rubens Ewald Filho do site UOL Cinema avaliou com 2 estrelas, ou seja, fraco. Escreveu: “O filme é solene, lento e todo mundo toma chocolate aparentemente escondendo alguma coisa. Será que a garota é filha da primeira esposa (...) que morreu num acidente de carro? E criam tanto clima, que é evidente que há uma teia de conspiração e uma revelação (dita, inesperada) ao final. Nem sempre convence, mas Huppert é uma grande atriz mesmo em momento menor (há frases como ‘o mal é que eu desvio o bem’ e o plano final é bem discutível)”.
Roger Ebert em seu site avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Disse: “O apelo de ‘A Teia de Chocolate’ não está na velha trama de envenenamento um tanto barulhenta, nem nas sugestões de segredos de família suprimidos, nem no suspense sobre o que acontecerá a seguir - mas no enigma dentro do qual Huppert esconde seus personagens. Enquanto todos aqueles que estão ao redor de sua trama sentem esperança e medo, ela simplesmente observa e serve o chocolate. O que ela está pensando? O que ela quer? Quem é ela? Seu tipo é enlouquecedor, perverso e sedutor”.
O que eu achei: O filme tem uma contenção e um rigor que não vemos em filmes comerciais americanos, do tipo que um diretor cria quando não tem interesse em sentimentalismos ou em jogar a favor do público. As coisas vão acontecendo num ritmo lento, assim como na vida, e a desconfiança com relação à idoneidade da personagem principal Mika Müller, interpretada belamente pela ótima Isabelle Huppert, vai crescendo, misturando-se à outras dúvidas que rondam a trama, mas o que todos queremos saber é quem é a verdadeira Mika Müller. Uma história interessante, com bom ritmo, sem monotonia e tenso até o final. Mais um bom filme do Chabrol.