20.4.24

“Vidas Passadas” - Celine Song (EUA/Coréia do Sul, 2023)

Sinopse:
Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo) são dois amigos de infância com uma conexão profunda, mas acabam se separando quando a família de Nora decide sair da Coreia do Sul. Vinte anos depois, os dois amigos se reencontram por uma semana enquanto confrontam noções do amor e destino.
Comentário: Celine Song (1988) é uma cineasta, dramaturga e roteirista sul-coreana que mora nos Estados Unidos. Em seu curriculum há peças de teatro como “Endlings” e “A Gaivota”. “Vidas Passadas” é sua estreia no cinema.
O longa, que se passa na Coreia do Sul e nos Estados Unidos, conta a história de Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo), dois amigos que se conheceram ainda na infância, quando viviam na Coreia do Sul. Eles estavam sempre juntos e se apoiavam sempre que era necessário. Mas a rotina dos amigos foi interrompida na adolescência, quando Nora se mudou para os Estados Unidos com a família, enquanto Hae Sung ficou na Coreia do Sul. Nora vive em Nova York e é casada, e Sung foi para o exército, voltou e vive uma vida mais simples. Anos depois os amigos se reencontram pela internet e começam a se atualizar sobre a vida que levam. Então, Hae Sung viaja à Nova York para o tão esperado reencontro, quando os sentimentos começam a aflorar.
Leonardo Sanchez do Folhapress nos conta que “A internet pode ser um milagre, mas também uma maldição. É assim que a diretora Celine Song define a tecnologia, que toma o papel de protagonista em seu longa-metragem de estreia. (...) ‘Relacionamentos a distância são muito dolorosos, porque com o passar do tempo, seu desejo de tocar e estar com a pessoa cresce, mas a tecnologia continua a mesma’, diz Song em conversa por vídeo, improvisando um gráfico com as mãos enquanto a esquerda, que simboliza a vontade de estar fisicamente com alguém, aponta para cima, a direita, que representa as possibilidades do mundo virtual, fica estagnada na horizontal. ‘O que começou como um milagre, que nos fazia nos sentir num episódio de ‘Star Trek’, vira uma frustração. (...) Hoje a gente nem dá valor para essa tecnologia, mas quando ela surgiu era algo muito especial’.
Sem a internet, o triângulo amoroso que move ‘Vidas Passadas’ não existiria, assim como milhões de outras conexões ao redor do mundo, em especial depois da invenção do Facebook, que reuniu uma infinidade de coleguinhas de escola que já passavam dos 30, 40, 50 anos de idade. Algo semelhante aconteceu com a própria Song, que nos primórdios da rede social de Mark Zuckerberg, hoje decadente, reencontrou seu namoradinho de infância. Nascida na Coreia do Sul, a diretora se mudou com os pais para o Canadá quando tinha 12 anos, deixando para trás família, escola e amigos muitos dos quais, ela conta, a reencontraram virtualmente para falar que viram seu filme. (...) ‘Este filme começou com um momento biográfico da minha vida, quando eu e meu marido, americano, nos encontramos com o meu namorado de infância, coreano. Eu me lembro de estar sentada no bar, traduzindo o que um dizia para o outro. Eu não estava traduzindo apenas idiomas diferentes, mas partes diferentes de mim. Foi um sentimento muito poderoso’. (...) Questionada se considera ‘Vidas Passadas’ um romance, Song diz que sim e não. O filme fala de amor, mas de um amor diferente, que vai muito além de querer ser o namorado ou namorada de alguém, e das pessoas que entram e saem das nossas vidas”.
Quanto ao título "Vidas Passadas", Paulinha Alves do site Terra nos diz que ele está explicado por uma fala, no filme, da própria protagonista. Ele “diz respeito à conexão [identificada no filme como In-Yun] que une duas pessoas ao longo de suas muitas vidas. Uma ideia que vem do budismo, e que defende que duas pessoas que já tiveram algum tipo de relação estarão sempre ligadas em suas muitas reencarnações”, mas também trata de “outras realidades que poderíamos ter vivido se tivéssemos tomado uma decisão diferente ou respondido um sim ao invés de um não”.
O filme já recebeu inúmeros prêmios e foi indicado ao Oscar de Melhor Filme e Melhor Roteiro Original (Celine Song).
O que disse a crítica: Sérgio Alpendre da Folha SP disse que a “Diretora conduz com maestria os silêncios, olhares e hesitações de história sobre duas pessoas e uma paixão perdida”. Segundo ele, o filme “convence justamente onde muitos outros filmes fracassam: na comunicação à distância, por meio de notebooks, entre duas pessoas que sempre se amaram (...) É uma comédia romântica que desvia da maior parte dos clichês do gênero. Nada de reviravoltas sentimentais, pessoas aplaudindo declarações de amor em público ou desencontros do acaso. Tudo acontece às claras, entre pessoas maduras, com uma sensibilidade de direção que impressiona também pela discrição. Sem espalhafato, o filme nos conquista aos poucos”.
Robledo Milani do site Papo de Cinema escreveu: “Há um ditado na Coréia a respeito de um espírito especial, uma ligação de vidas passadas que seria responsável pelas probabilidades de um ou outro se unirem numa próxima vivência juntos. E se o agora for apenas o passado do amanhã, e não mais o presente de ontem? ‘Vidas Passadas’ não quer determinar respostas, mas é feliz em propor perguntas. E isso o faz com imensa sensibilidade e cuidado”.
O que eu achei: Filmes românticos não são minha preferência, mas este passa bem longe daquelas comédias românticas populares com o Adam Sandler, a Sandra Bullock ou a Jennifer Lopez. Este foge dos clichês apesar de conter um carrossel num parque de diversões como cenário de algumas cenas, algo já estabelecido como símbolo de ilusão em diversos longas açucarados. O enredo foi inspirado por uma história real vivida pela própria diretora do filme Celine Song que, já casada, viveu um reencontro com um amor de infância facilitado pelas redes sociais. É sua estreia como cineasta, mas ela acerta a mão. Ele é agradável de assistir, é um filme calmo, com bons diálogos e monólogos internos, com silêncios respeitados, um filme sensível que mostra como seria o mundo se as pessoas adultas fossem maduras e civilizadas. Achei que passaria ilesa até o final, mas a última cena é muito tocante, melhor deixar uma caixa de lenços por perto. Atenção à citação do filme “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” (Michel Gondry, 2004). No filme de 2004 a personagem Clementine diz: "Meet me in Montauk" (Encontre-me em Montauk), mesma cidade na qual a protagonista Nora vai fazer residência artística e conhecer seu atual marido. É notória a ligação de um enredo com o outro. É um filme que questiona a noção de destino, fala sobre escolhas, sobre amores que entram e saem das nossas vidas, sobre passado e presente. Uma boa pedida.