16.4.24

“Navalny” - Daniel Roher (EUA, 2022)

Sinopse:
 
Alexei Navalny (1976-1924) foi um advogado, ativista, blogueiro e político russo que fez inúmeras denúncias de corrupção nas empresas estatais russas. Ele foi considerado um dos maiores opositores do presidente Vladimir Putin que governa a Rússia desde 2012. Em 2020, ao estar em um voo doméstico da Sibéria para Moscou, passou mal. Ao chegar na Alemanha, para onde foi levado, foi constatado por um exame toxicológico que havia Novichok no seu organismo.
Comentário: Com o recente falecimento do político russo Alexei Navalny, nada melhor do que assistir ao documentário “Navalny”, ganhador do Oscar de Melhor Documentário em 2023, para conhecer um pouco melhor essa história.
Jerônimo Teixeira da Revista Piauí nos conta que apesar de Navalny ter falecido em 2024, já haviam tentado matá-lo em agosto de 2020. Ele diz: “Naquele mês, quando viajava pela Sibéria para gravar vídeos com denúncias sobre a corrupção do Kremlin, o advogado e ativista russo foi envenenado com um tipo de Novichok, série de potentes agentes nervosos que só são fabricados na Rússia. Começou a passar mal no voo de volta a Moscou – um vídeo feito por um passageiro registra seu uivo doloroso, enquanto a equipe de bordo tenta socorrê-lo. O avião fez um pouso de emergência em Omsk, onde Navalny foi internado às pressas. Graças aos esforços de Yulia Navalnaya, sua mulher, dois dias depois ele seria transferido, em coma, para um hospital em Berlim, onde se recuperou. Alexei Navalny não precisava ter retornado à Rússia. Boa parte de seu combate à ditadura de Vladimir Putin sempre foi travada em meios digitais – ele representava ‘a vanguarda dos dissidentes de dados’, na expressão de outro célebre inimigo do Kremlin, o enxadrista Garry Kasparov (que, aliás, vive exilado nos Estados Unidos desde 2013). Ainda na Alemanha, Navalny firmou uma parceria com o búlgaro Christo Grozev – jornalista do Bellingcat, grupo especializado em investigações online – para identificar os responsáveis por seu próprio envenenamento. Por meio de registros de voo, eles encontraram e divulgaram o nome de agentes da FSB, a agência de segurança russa, que seguiram o ativista até a Sibéria. Fazendo-se passar por um inspetor do Kremlin, Navalny conversou por telefone com um químico especialista em Novichok, que deu detalhes da operação. A Alemanha poderia muito bem servir de base para sua militância. No entanto, ele julgou necessário continuar a batalha na Rússia. Foi preso ao desembarcar em Moscou, na noite de 17 de janeiro de 2021. No dia 16/02/24, a missão entregue aos agentes da FSB em 2020 foi completada em um presídio no Círculo Polar Ártico. Alexei Navalny morreu aos 47 anos. A informação oficial é que ele sofreu um ‘mal súbito’ enquanto passeava no pátio da prisão, foi socorrido por médicos mas não resistiu. Enquanto escrevo [dia 20/02/24], a causa da morte ainda não foi divulgada. Até o paradeiro do corpo está sendo mantido em segredo. Só não paira dúvida sobre os responsáveis pela morte: Vladimir Putin e seu governo criminoso. Ao contrário do que disse outro dia um notório camarada do autocrata russo, essa afirmação não configura um julgamento apressado. Trata-se de um fato bem estabelecido: condenado a vinte anos de prisão por acusações espúrias de fraude, Navalny era um prisioneiro político e morreu sob a guarda do Estado que o encarcerou. O mistério que cerca o caso não está na autoria do assassinato (não é exagero qualificá-lo assim), mas nas ações da vítima”.
O documentário, vencedor do Oscar de 2023, acompanha a trajetória do personagem-título desde o envenenamento até o malfadado retorno à Rússia. Sobre isso Teixeira escreve: “Desde que vi o filme, para uma resenha publicada no Brazil Journal, o ato final me intriga. Por que Navalny, tendo sobrevivido a uma tentativa de assassinato, voltou à Rússia? Por que se entregou tão facilmente ao regime de Putin? Revendo o documentário depois da morte do protagonista, as cenas finais ganharam um sentido mais claro. Um sentido trágico, na acepção mais forte da palavra”.
Segundo ele, “a bravata e a provocação faziam parte da persona pública de Navalny. Sua performance final, porém, não saiu manchada pela demagogia. O ponto final de sua história torna mais cristalina a essência do teatro que ele armou para voltar à casa de seus assassinos. Quando diz que a lei está do seu lado, Navalny – que não seria ingênuo de acreditar no respeito de Putin a qualquer preceito legal – está se deixando arrastar por uma lei maior, uma lei que, na falta de palavra menos dramática, podemos chamar de destino. E ir ao encontro do destino, por mais terrível que seja, é próprio dos heróis que a tragédia clássica nos legou”.
O que disse a crítica (lembrando que ambas foram escritas antes da morte de Navalny):
Ritter Fan avaliou com 3,5 estrelas, ou seja, muito bom. Escreveu: “’Navalny’ (o documentário) consegue trazer à tona, com o devido destaque, um assunto potencialmente relevante para o futuro da geopolítica mundial que acabou soterrado pelas notícias alarmantes sobre a pandemia [do covid], deixando mais uma vez evidente o tipo de pessoa que Putin é. Se a obra de Roher surtirá algum efeito prático, se Navalny poderá se beneficiar politicamente dessa exposição, é difícil de saber, mas fica a torcida para que ele seja pelo menos um instrumento de mudança”.
João Lanari Bo do site Vertentes do Cinema avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “O leitor deve estar se perguntando: afinal, isto é um documentário, ou um thriller? ‘Navalny’ em certo momento pede ao realizador para não fazer um ‘filme de memórias, maçante’, como se ele já estivesse morto. Pelo contrário, quer um suspense político de tirar o fôlego, entretenimento-pipoca em que o público espera a sobrevivência do herói e nunca tenha motivos para vê-lo como mártir. Um thriller com um vilão a altura, ninguém outro que o Presidente Putin. (...) Em ‘Navalny’, o documentário, assistimos o mesmo dispositivo em ação: o Presidente recusa-se a pronunciar a palavra ‘Navalny’ nas coletivas de imprensa, utilizando estratagemas caricaturais para evitar o nome e responder às perguntas, do tipo ‘essa pessoa que você citou’. Alexei Navalny acreditou que sua popularidade o salvaria de ser assassinado: a verdade, entretanto, parece ser que sua desaparição foi decidida no momento mesmo que seu nome se tornou impronunciável. Putin se tornou tão poderoso que imaginou ser possível matar Navalny – talvez porque ninguém jamais suporia que ele seria tão destemido a ponto de tentar. Questões como essa permeiam o doc-thriller, opacas e impenetráveis como a personalidade do líder russo”.
O que eu achei: Quando o documentário terminou eu fiquei me perguntando quantos heróis como Navalny morreram por fazer o certo. Não há como terminar de ver e não pensar na morte da vereadora Marielle Franco, assassinada a tiros em 2018 por atrapalhar os interesses dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão na grilagem de terras na Zona Oeste do Rio. Outro que morreu fazendo o certo foi Chico Mendes no Acre, também por atrapalhar a atuação de grileiros de terras. E assim vamos nos lembrando de inúmeros casos, tanto no Brasil quanto no exterior, de pessoas que não ficaram de braços cruzados perante injustiças. O documentário sobre o Navalny foi feito antes de seu assassinato se consumar, mas mostra justamente a tentativa de envenenamento que ele sofreu em 2020 e que quase tirou sua vida por denunciar, dentre outras coisas, a corrupção nas empresas estatais russas, batendo de frente com os interesses do presidente Putin. Não há como assistir a esse documentário e sair otimista. Desliguei pensando que o mundo, de fato, segue por um caminho sem volta onde os ganhadores serão sempre os piores.