9.12.23

“Retorno a Seul” - Davy Chou (França/Alemanha/Bélgica/Coreia do Sul/Romênia/Camboja/Catar, 2022)

Sinopse:
 
Adotada por uma família francesa, Freddie (Park Ji-min) é uma jovem de 25 anos que retorna pela primeira vez à Coreia do Sul, país onde nasceu. Na terra que lhe é estranha, ela inicia uma investigação sobre suas origens que toma direções surpreendentes e inesperadas.
Comentário: Davy Chou é um cineasta cambojano-francês. Ele dirigiu dois curtas, um documentário e um longa chamado “Diamond Island” (2016). “Retorno a Seul” (2022) é seu segundo longa.
A história gira em torno de Freddie (Park Ji-min), uma jovem coreana que é adotada por um casal francês e, 25 anos depois, decide retornar à Seul, na Coreia do Sul. Visitando seu país de origem pela primeira vez após sua adoção, ela pretende rastrear o paradeiro de seus pais biológicos. Mas, a jornada da jovem toma rumos inesperados e essa viagem pode ser ainda mais transformadora para sua vida.
Manon C. do site Sortir a Paris esclarece que: “Esta busca de identidade para melhor se compreender a si próprio é um processo comum a muitos coreanos adotados - quase 200.000 crianças coreanas foram, de fato, postas para adoção internacional no final da Guerra da Coreia em 1953”.
Numa rápida busca por esse assunto, encontrei no site Revista Koreain uma matéria de 2017 chamada “O tabu da adoção na Coreia do Sul“. A matéria diz que “Por muitos anos, a Coreia do Sul carregava o selo de maior ‘exportadora de bebês’ do mundo. Para se ter uma ideia, desde os anos 1950 cerca de 200 mil crianças foram adotadas por famílias estrangeiras, sendo que 150 mil desse total foram para os Estados Unidos. Os dados revelam dois fatos importantes: 1) a alta taxa de abandono de crianças e 2) o baixo número de adoções domésticas (dentro do próprio país). O início do primeiro fenômeno citado pode ser explicado pelo preconceito contra mestiços (filhos de coreanas e soldados americanos) que surgiu com a Guerra da Coreia (1950 – 1953). O forte nacionalismo não soube conviver com a miscigenação que chegava. Com o tempo, a vergonha de ser mãe solteira fez aumentar o número de abandonos. Já o segundo pode ser explicado não só pela fraca economia local que acabou favorecendo a adoção internacional, mas também pelo fato de a adoção não ser bem aceita entre os sul-coreanos. (...) Criar um filho que não carregue a mesma linhagem sanguínea da família é motivo de vergonha, o que leva muitas pessoas a esconderem, inclusive de amigos e familiares, o fato de terem adotado uma criança”. A matéria prossegue dizendo que esses coreanos adotados no exterior enfrentam diversos tipos de discriminação. “Cansados de sofrer com brincadeiras e comentários maldosos desde a infância, muitos deles retornam à Coreia do Sul em busca de sua identidade (...) e de informações sobre seu passado. Porém, a lei sul-coreana impede que eles obtenham o registro completo de seu nascimento sem o consentimento dos pais. Além disso, os arquivos de adoção do governo são muitas vezes falsificados, incompletos ou estão desaparecidos, impossibilitando o rastreamento dos pais biológicos”. A matéria finaliza dizendo que “Mesmo aqueles que tiveram um final feliz ao serem adotados por famílias internacionais buscam suas raízes”.
O roteiro do filme foi livremente inspirado na história real de Laure Badufle, uma coreana adotada por franceses. Ela é corroteirista do filme. Nascida em 1984 em Saechon, província de Gyeongsang do Sul, Badufle foi um dos aproximadamente 11 mil adotados enviados para a França nas décadas que se seguiram à Guerra da Coréia. O próprio diretor do filme, Davy Chou, também cresceu como um estranho asiático num ambiente francês: ele nasceu na França pelo fato de seus pais terem fugido do Camboja pouco antes do genocídio do Khmer Vermelho em 1975.
O que disse a crítica: Monica Castillo do site Roger Ebert avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “Com o tempo, Freddie aprende a se mudar e a viver em lugares que a deixavam desconfortável. Por um tempo, ela chama Seul de lar; mais tarde, é apenas uma parada para viagem de negócios. Seus chefes a consideram um ‘Cavalo de Tróia’ por sua capacidade de se deslocar entre países - mas há uma sensação no filme de que ela ainda é uma mulher sem um lugar para chamar de lar. ‘Retorno a Seul’ de Chou é uma exploração incômoda do conceito de lar e da dor de perdê-lo, acompanhando uma heroína imperfeita em sua jornada emocional para encontrar um lar em si mesma”.
Cadu Moura do site Hybrido avaliou com 4,75 estrelas, ou seja, quase a nota máxima. Disse: “Vindo da mostra oficial Un Certain Regard do último Festival de Cannes, ‘Retorno a Seul’ já nos conecta ao mote central do filme nos seus minutos iniciais, quando a protagonista Freddie se conecta com uma coreana através da música que esta ouve em seu headphone. Ao longo do filme, a música trará outros importantes links com a busca involuntária desta protagonista com as suas raízes ancestrais, já que foi adotada ainda bebê por um casal francês. (...) A força da música nessa jornada mostra seu peso ao abrir e fechar o filme em estágios diferentes da protagonista: se no início ela é o mote de conexão, por outro no final ela é uma forma de reconhecimento de que enfim nasceu algo genuíno, mesmo que triste, em cima da música composta para ela pelo pai, tocada num piano de hotel afastado”.
O que eu achei: O filme é uma oportunidade de conhecer melhor essa história que inúmeros coreanos vivem: a de ter sido adotado por alguém de outro país, crescendo num local que em nada lembra suas raízes, completamente desconectado de qualquer referência de seu local de nascimento e de seus pais biológicos. Isso porque a Coreia do Norte e a Coreia do Sul estiveram em guerra de 1950 até 1953, na qual morreram mais de 2,5 milhões de pessoas. Ao final da guerra o número de crianças órfãs ou abandonadas era imenso, então a adoção internacional acabou sendo uma solução. A guerra acabou, o processo de adoção internacional ao longo dos anos, sofreu alterações, mas ainda ocorrem inúmeros casos por conta da cultura coreana que não vê com bons olhos ter um descendente que não seja de seu próprio sangue. O filme é livremente inspirado pela vida de uma dessas crianças: Laure Badufle, nascida em 1984 e adotada por franceses. Amiga do diretor Davy Chou ela virou corroteirista do filme que vai mostrar como se dá essa saga para tentar encontrar pai e mãe biológicos na Coreia. O filme tem uma pegada melancólica nesse encontro da protagonista com seu passado. Para quem se interessar pelo assunto li que, na Netflix, há um documentário chamado "Twinsters" que aborda justamente esse tema. Ele narra a história das gêmeas Samantha Futerman e Anaïs Bordier que nasceram em Busan, em 1987, e que foram separadas quando Kim Eun Hwa foi adotada por um casal francês e batizada de Anaïs Bordier e Chung Ra Hee foi adotada por um casal norte-americano e batizada de Samantha Futerman. O documentário diz que, no início de 2013, elas descobriram a existência uma da outra quando os amigos de Anaïs viram um vídeo de Samantha no YouTube e se espantaram com a semelhança entre as duas. Elas se encontram e, assim como no filme, seguem em uma visita à Coreia do Sul para tentarem resgatar seu passado. "Retorno a Seul" é um filme sobre essas pessoas pertencentes a lugar nenhum. Fala de feridas abertas, de busca de identidade e em como se reinventar para seguir em frente.