
Comentário: Robert Bresson (1901–1999) foi um diretor
de cinema francês. Ele está entre os cineastas franceses mais conceituados
de todos os tempos. Seus trabalhos “Um Condenado à Morte Escapou” (1956),
“Pickpocket” (1959) e este “A Grande Testemunha” (1966) foram
classificados entre os 100 maiores filmes já feitos na pesquisa de opinião de
2012 da Sight & Sound. Outros filmes dele, como “A Virgem
Possuída” (1967) e “L'Argent” (1983), também receberam muitos
votos. “A Grande Testemunha” é o primeiro filme que assisto dele.
Segundo o Estadão, “Robert Bresson foi sempre alvo das
mais bizarras comparações. Pauline Kael dizia que, embora algumas pessoas
possam achar os filmes de Bresson espantosamente belos, outros acreditam que
aguentá-los até o fim seria algo assim como ser açoitado, vendo cada lambada se
aproximando. E Jean Tulard, no Dicionário de Cinema, refletia que o ideal
de cinema desse grande autor poderia ser uma tela branca e uma voz monocórdica
lendo em off ‘O Discurso do Método’, de Descartes, dessa maneira destacando
duas características essenciais, o minimalismo, verdadeiro ascetismo, e a
racionalidade”. Segundo a matéria, “A Grande Testemunha” (1966) é seu
“clássico dos clássicos”. O texto diz: “Dez anos antes, o poeta espanhol Juan
Ramón Jiménez recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Sua extensa obra
poética inclui uma obra-prima de poesia em prosa, ‘Platero e Eu’, cuja
primeira edição, reduzida, é de 1914 e a completa, de 1917. Platero é um
burrinho de campanha que o narrador - Juan Ramón - adota não apenas como
companheiro de aventuras, mas de uma maneira muito simples (...) também escolhe
para ser o filtro, vendo o mundo, a rotina da aldeia, pelos olhos dele. O
Balthazar de Bresson é um jumento, e o autor também escolhe ver o mundo pelos
seus grandes olhos tristes. (...) Impossível não pensar em Balthazar (e Marie [outra
personagem do filme]) como representações do sofrimento humano. O próprio
Cristo? Jansenista da mise-en-scène - o teórico André Bazin aplicou a definição
a William Wyler, mas ela é perfeita para definir o estilo de Bresson. Os
jansenistas acreditavam na graça e na predestinação e o acaso (hazard) se faz
presente na trajetória de Balthazar desde o título original do filme. O jumento
é o fio condutor dessa verdadeira viagem pela diversidade da condição humana, e
para Bresson carregamos todos a chaga do pecado original. Ecos de Georges
Bernanos e Fiodor Dostoievski, que ele adaptou (nunca com fidelidade à letra
dos romances). Cobiça, avareza, luxúria - Balthazar, e Marie, vivenciam toda a
patologia da experiência humana”.
O que disse a crítica: Tatiana Monassa do site Contracampo gostou. Escreveu: “A
Grande Testemunha” “é um filme privilegiado na carreira de Bresson. O olhar de
Bathazar que pauta todo o filme dá a exata dimensão da observação do mundo.
Porque os animais sabem melhor do que ninguém do caminhar dos dias, da vida e
da morte. Reagem como podem, momento a momento, a suas alegrias e infortúnios.
A maneira distanciada com que percebemos os personagens bressonianos é,
portanto, perfeitamente identificável com a vivência impassível dos animais, em
pacto secreto com a natureza, mas livres de qualquer ação empreendedora. Que
venha o que vier”.
Kevin Rick do site Plano Crítico avaliou como obra-prima.
Disse: “Balthazar é o ícone máximo de inocência do Cinema do Bresson, servindo
à narrativa para expor um retrato austero e perturbador da crueldade humana. A
emoção frente ao sofrimento elevada à maior simplicidade possível: a de
aceitação do destino. Nesse meio, vemos um jogo entre a iconoclastia e as
crenças do cineasta, em que Bresson questiona a bondade e a empatia humana, e a
possibilidade de uma punição ou absolvição divina. Afinal, em nossa inteligência
cruel, existe santidade ou apenas o vazio do destino cíclico? Eu acredito na
primeira, mas Bresson certamente não te dá essa resposta, criando uma
experiência impiedosa em torno desses questionamentos. Tal qual a ótima
tradução brasileira do título original, Balthazar é ‘A Grande Testemunha’ dos
nossos pecados e indagações”.
O que eu achei: Resolvi assistir “A Grande Testemunha” (1966) de Robert
Bresson antes de encarar o filme “EO” (2022) do polonês Jerzy Skolimowski,
inspirado neste. A grande testemunha que o longa - no título em português - anuncia, é um burro chamado Balthazar que vai passar de mão em mão ao longo de sua
existência, observando o mundo e as atitudes dos homens ao seu redor. O título
original - “Au Hasard Balthazar” - também diz muito sobre o que vem pela frente pois “au hasard” significa “ao
acaso” que pode ser entendido como o destino e a sorte ou azar que ele nos
traz de conhecer certas pessoas e viver certas experiências ao longo da vida. Foi ótimo ter encontrado uma versão restaurada da película que me permitiu observar a
beleza da fotografia em P&B desta história lenta, singela e dolorosa, que
exige do observador uma certa disposição e entrega. Foi particularmente interessante ver
a atriz alemã Anna Wiazemsky que interpreta Marie - no filme ela é a primeira dona do Balthazar - aos 19 anos. Este foi seu
primeiro trabalho no cinema, seguido por “A Chinesa” (1967) e “Week-end à Francesa”
(1967) do Godard, “Teorema” (1968) do Pasolini e “Rendez-vous” (1984) do André
Téchiné. Ela também fez teatro, dirigiu um filme e escreveu em torno de 16
livros, um deles sobre seu romance com Godard. É um filme sobre a sordidez da
alma humana e o quão cruel, egoísta, patética e injusta ela pode ser.