15.7.23

“Morte em Veneza” - Luchino Visconti (Itália/França, 1971)

Sinopse:
Início do século XX. Gustav von Aschenbach (Dirk Bogarde) é um compositor austríaco que vai para Veneza buscando repouso, após um período de estresse artístico e pessoal. Porém ele não encontra a paz desejada, pois logo desenvolve uma paixão por um jovem, Tadzio (Björn Andrésen), que está em férias com sua família. Tadzio incorpora o ideal de beleza que von Aschenbach sempre imaginou. Ele pensa em ir embora antes de cometer um ato impensado, mas sua bagagem foi para outra cidade, obrigando-o a permanecer ali. Além disto a cólera asiática começa a chegar em Veneza.
Comentário: Trata-se do filme número 56 da lista dos 100 essenciais elaborada pela Revista Bravo! em 2007. A matéria diz: “O italiano Luchino Visconti consegue o impossível: verter para a tela uma obra do alemão Thomas Mann, densa e descritiva, cuja força nasce no volume de texto. Assim, o que é tratado em palavras na obra homônima escrita em 1912, o cineasta, sabiamente, transforma em imagens e trilha sonora. Assim, se o protagonista, Gustav von Aschenbach, era um literato no original, na versão cinematográfica ele é músico. É a banda sonora, aliás, a grande força deste clássico de Visconti, que usa as 3ª e 5ª Sinfonias de Gustav Mahler para conduzir o martírio de Aschenbach (feito soberbamente por Dirk Bogarde). Ele é um teórico rigoroso que defende a existência de uma beleza suprema, e o papel do artista corno seu grande recriador. Em Veneza, ele se depara com um garoto andrógino, Tadzio (Björn Andresen), que seria a encarnação suprema da perfeição. Uma admiração que o filme enfatiza ser mais visual, pois o que está em discussão é mesmo a estética. O que ocorre com o personagem de Aschenbach, um compositor fiel ao equilíbrio e a consonância, é o mesmo que a música inicial: o transcorrer redondo, equilibrado, mas sugerindo um desequilíbrio que, no epílogo, explodirá em notas maiores. O protagonista perde o controle quando se depara com a evidência daquilo que ele tentou a vida inteira com a música. ‘Morte em Veneza’ é uma obra maior à altura do romance original, também, porque Visconti abraçou outros trabalhos para tecê-lo. Além de se inspirar nos diálogos entre os compositores Mahler e Schoenberg para compor Aschenbach, o pensamento dos filósofos Friedrich Nietzsche e Arthur Schopenhauer são outras referências na discussão estética que é desenvolvida no correr da história. Ainda que essencialmente platônica, os detratores do filme, conservadores, detectaram as nuances homossexuais da fascinação estética pelo jovem rapaz, algo que, de fato, era intenção do diretor. Por causa disso e também pela conotação de pedofilia, o longa foi indicado apenas para a categoria de Melhor Figurino no Oscar. A essa altura, Luchino Visconti já havia recebido o Prêmio Especial do 25° Aniversário do Festival de Cannes por sua obra, incluído, aqui, o próprio ‘Morte em Veneza’.
O que disse a crítica: Eduardo Kaneco do site Leitura Fílmica avaliou o filme como excelente. Escreveu: “a interpretação de Dirk Bogarde é sublime. Através de suas expressões faciais e corporais, com pouca conversa, ele transmite o que sente Gustav nessa incontrolável paixão proibida. O protagonista, adicionalmente, é um observador, e o filme reflete essa característica com longas cenas sem diálogos, num ritmo lento e contemplativo. Vale notar, ainda, o uso constante do zoom da câmera, recurso habitual do cinema dos anos 1970. E ainda a ousadia de subverter o uso do áudio, inserindo o som dos diálogos muito antes de eles entrarem em cena. E a trama ainda reserva um lugar para a cólera que ameaça a cidade labiríntica de Veneza, apesar de as autoridades locais negarem a doença, a fim de não afugentar os turistas. Então, na parte final do filme, a peste já está devastando a cidade, numa metáfora com o desejo cada vez mais incontrolável do músico pelo adolescente. Por conseguinte, quando ele se prepara, todo maquiado, para dar vazão aos seus impulsos, a cólera o abate, numa cena inesquecível onde ele arde em febre na praia, com a tintura do cabelo escorrendo por seu rosto. Por último, apesar de caber uma interpretação moralista a essa conclusão, isso não diminui o genial processo como o diretor Luchino Visconti retrata a angústia do protagonista. Afinal, sem precisar referir verbalmente ao desejo que ele sente, ‘Morte em Veneza’ evidencia claramente a sua obsessão platônica cujo objetivo ele nunca conseguiu compreender”.
O que eu achei: Eu não tenho palavras para descrever o que sinto quando vejo esse filme. Já vi e revi umas três ou quatro vezes ao longo da vida e é sempre o mesmo resultado: quando termina eu estou em êxtase, completamente envolvida com os sentimentos de Aschenbach, interpretado magnificamente pelo ator Dirk Bogarde. A música, os poucos diálogos, a locação... tudo me embala num transe hipnótico. É um filme que consegue algo difícil: a história tem uma relevância mas você é conduzido mais pelas entrelinhas, pelo que não é dito e pelo que não é feito. Os personagens flutuam na tela. Então para mim é uma obra-prima. Aliás, se eu tivesse que escolher um único filme, o melhor filme que já vi até hoje, eu escolheria “Morte em Veneza”. Um filme raro, uma obra de arte. Atenção à trilha sonora matadora de Gustav Mahler.