21.12.22

“Deus e o Diabo na Terra do Sol” – Glauber Rocha (Brasil, 1964)

Sinopse:
Manuel (Geraldo Del Rey) é um vaqueiro que se revolta contra a exploração imposta pelo coronel Moraes (Milton Rosa) e acaba matando-o em uma briga. Ele passa a ser perseguido por jagunços e foge com sua esposa Rosa (Yoná Magalhães), juntando-se aos seguidores do beato Sebastião (Lídio Silva), que promete o fim de qualquer sofrimento. Porém ao presenciar a morte de uma criança, Rosa mata o beato. Enquanto isso, Antônio das Mortes (Maurício do Valle), um matador de aluguel que presta serviço à Igreja Católica e aos latifundiários da região, extermina os seguidores do beato.
Comentário: Trata-se de mais um filme da lista dos 100 Filmes Essenciais elaborada pela Revista Bravo! em 2007. Segundo eles, "Glauber Rocha, possivelmente o mais genial cineasta nacional, já vinha de um curta memorável, 'O Pátio' (1959), e de um primeiro longa mítico, 'Barravento' (1962), quando rodou este que é considerado por muitos o maior filme brasileiro já feito. Na verdade, algumas raras vezes ultrapassado por 'Limite' (1930), de Mário Peixoto, e por outro do mesmo diretor baiano, a obra-prima 'Terra em Transe' (1967). Mas 'Deus e o Diabo na Terra do Sol' pisa em terreno sagrado do cinema nacional, que é o nordeste brasileiro, espaço simbólico que representa a realidade do país, suas origens e marginalidade em contraste com os grandes centros urbanos. Nos anos 1960, com a efervescência do debate político, às vésperas do golpe militar de abril de 1964, o longa ganha importância suprema. Glauber, diferentemente do que se via nos documentários e do que outros cineastas fizeram nos anos 1990, não glamouriza a região, tampouco enxerga seus habitantes como coitadinhos. A luta de Manoel (Geraldo Del Rey), boiadeiro que se rebela contra a exploração do seu cruel patrão e parte, com sua mulher, Rosa (Yoná Magalhães), à procura de um novo líder, é complexa, insolúvel, cheia de escorregões e acertos. Ele seguirá primeiramente um líder religioso, Sebastião (Lídio Silva), que prega o olhar para Deus e a renúncia dos bens materiais. Depois, engajam-se na luta armada de Corisco (Othon Bastos), líder de um bando sanguinário e consciente de que o projeto político caiu por terra. Em meio a tudo isso, encontra-se o mais esclarecido de todos, o mercenário Antônio das Mortes (Maurício do Valle). Antes de lançar seu manifesto 'A Estética da Fome', em 1965, no qual elaborou um estilo e meios de produção que dessem conta das condições materiais precárias do Terceiro Mundo, Glauber já colocou em prática aqui alguns desses procedimentos. Seu programa pretendia captar a urgência do real e, ao mesmo tempo, deixar evidente seu caráter de encenação, de representação e de metáfora. Em 'Deus e o Diabo', o resultado é uma visão crítica do país traduzida num faroeste encenado como ópera musicada com cordel (escrita pelo cineasta e cantado por Sérgio Ricardo). O diretor também usa as Bachianas nº 5, de Heitor Villa-Lobos, como trilha da sequência que ficou célebre, em que Corisco e Rosa se beijam e a câmera gira em torno do casal". 
O que eu achei: "Terra em Transe" (1967) continua sendo meu filme favorito do diretor, mas fiquei impressionada com a grandiosidade de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", mostrando o fanatismo pela religião e, posteriormente, pelo cangaço, dois abrigos para este homem sertanejo que não vê mais sentido em trabalhar como vaqueiro, vítima que foi da exploração do coronel seu patrão. É como se ele gritasse que precisa de uma razão pra viver, seja ela qual for. Assisti-lo me fez compreender a frase dita pelo diretor coreano Bong Joon-ho (aquele do "Parasita") no Festival de Cannes: "Sempre que posso, confiro o que estão fazendo os novos diretores chilenos, peruanos, argentinos, brasileiros. Porém, de todos eles, 'Deus e o Diabo na Terra do Sol' (1964), do Glauber Rocha, foi o filme que jamais saiu de minha cabeça. É impressionante, ainda hoje fico de boca aberta ao rever aquela maravilha". Disponível gratuitamente na plataforma do Itaú Cultural, é filme para ver e rever.