26.12.25

"Oeste Outra Vez" - Erico Rassi (Brasil, 2023)

Sinopse:
No sertão de Goiás, Totó (Ângelo Antônio) e Durval (Babu Santana) são apaixonados pela mesma mulher. Incapazes de lidar com suas fragilidades, eles são abandonados por ela e voltam-se violentamente um contra o outro. Enquanto se enfrentam em um sertão precário e sem lei, outros personagens masculinos vão surgindo, todos eles tendo em comum algum tipo de frustração amorosa em seu passado. Em meio a tiroteios e emboscadas, uma crescente sensação de abandono aos poucos toma conta de todos eles.
Comentário: Erico Rassi (1972) é um roteirista, montador e diretor de cinema brasileiro. É dele o longa "Comeback: Um Matador Nunca se Aposenta" (2016). Ele também roteirizou e co-dirigiu o documentário “Resplendor” (2019) e as séries “Giramundo” e “Doçaria Brasileira”. "Oeste Outra Vez" (2024) é o primeiro filme que vejo dele.
Marcos Aurélio Ruy do site Vermelho nos diz que "Definitivamente o cinema brasileiro tem mostrado toda a diversidade cultural do país nas telonas. Além de viver um grande momento com grandes destaques em festivais pelo mundo afora. Mas nem todas as obras nacionais se destacam lá fora e, dessa forma, ganham prestígio por estas [paragens]. Em cartaz no [streaming], esse é o caso de 'Oeste Outra Vez' (2024), dirigido por Érico Rassi. Esse western brasileiro, muito influenciado pelo western espaguete, grande sucesso do cinema italiano nos anos 1960 e 1970, que já ironizava o conceito de heroísmo do faroeste estadunidense.
'Oeste Outra Vez' brinca com esses conceitos e inova ao mostrar um verdadeiro duelo entre dois homens pelo amor de uma mulher. Ambos contratam matadores de aluguel (os anti-heróis) para duelarem pela propriedade perdida. E qual a propriedade? A mulher que teria sido roubada de um pelo outro.
A dupla de matadores contatado por um deles, pergunta, alguém pode roubar a mulher de alguém? Fica a ideia de posse e por ficarem despossuídos, pode-se descrever como o crepúsculo dos machos ultrapassados.
Até porque a mulher abandona os dois se engalfinhando como se fossem donos de sua vida e de seu corpo. Tema atualíssimo no qual a mulher continua sendo o 'negro do mundo' como diria John Lennon, que neste ano faria 85 anos.
Estrelado por Ângelo Antônio (Totó), Rodger Rogério (Jerominho), Antônio Pitanga (Ermitão) e Babu Santana (Durval), o longa discute os efeitos da masculinidade tóxica, inclusive nos machos ditos alfa. Porque esse comportamento lhes causa grandes crises existenciais.
Não à toa, a obra é filmada em Goiás, em pleno Centro-Oeste. E apesar de ter ganhado o Kikito de Melhor Filme no Festival de Gramado deste ano, além de melhor fotografia, ao cargo de André Carvalheira e melhor ator-coadjuvante para Rodger Rogério, não ganhou grande destaque na mídia e dificilmente atingirá um público tão grandioso quanto filmes com mais divulgação e melhor distribuição.
A mulher em questão, aparece uma única vez deixando para trás os dois machos em briga, mas a sua presença é constante nos diálogos e nos 'duelos' entre um matador idoso e uma dupla de matadores jovens.
Filme complexo que inova ao mostrar a crise existencial de homens, que se perdem com a mulher livre, independente e que sabe o que quer. Os diálogos são contidos com um fino humor".
Além do longa ter vencido o Kikito de Melhor Longa-Metragem Brasileiro na 52ª edição do Festival de Cinema de Gramado, ele recebeu uma indicação ao Prêmio Grande Otelo de Melhor Direção.
O que disse a crítica 1: Inácio Araújo da Folha SP avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Disse: "A ideia de fatalidade (...) - a lentidão da carroça, dos gestos, evoca mais a placidez de uma pintura bucólica do que a presença da morte - contrastará com o tiroteio quase burlesco que se segue, dada a falta de pontaria dos participantes. A trama segue, criando habilmente ideia do vazio dessa disputa, de modo que Erico Rassi significa aqui o vazio do machismo, que se sobrepõe à paixão e a encobre. Ou por outra: revela uma única paixão autêntica e bem narcisista, a da demonstração sem fim do machismo, da qual a mulher não é mais que um pretexto".
O que disse a crítica 2: Bruno Carmelo do site Meio Amargo avaliou com 4,5 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: "'Oeste Outra Vez' encanta pela conjunção rara de elementos, num equilíbrio impecável e muito pessoal de tons. O projeto combina mortes brutais com falas elegantes; o cenário árido do interior de Goiás com um som limpíssimo, como se os atores vivessem em cabines de gravação; o acerto de contas habitualmente voraz com uma abordagem isenta de pathos ou furor. Trata-se de uma masculinidade emasculada - espécie de gesto conceitual de Rassi, buscando descobrir o que resta ao western quando se retira a recompensa emocional, o heroísmo, a coragem e a potência destes homens".
O que eu achei: "Oeste Outra Vez” (2023) é um filme de ritmo deliberadamente lento, mas que recompensa o espectador com uma atmosfera densa e uma construção imagética de grande força. A fotografia é um dos seus maiores trunfos: as paisagens de São João d’Aliança, no coração do cerrado goiano e porta de entrada da Chapada dos Veadeiros, são filmadas com um rigor quase contemplativo, transformando o espaço em personagem. É um lugar onde aparentemente pouco acontece, mas onde o silêncio, a aridez e o isolamento dizem muito sobre os homens que ali vivem. Nesse sertão áspero, o filme acompanha Totó (Ângelo Antônio) e Durval (Babu Santana), dois homens marcados pelo abandono da mesma mulher. Incapazes de lidar com a própria fragilidade, eles convertem frustração em violência, orgulho ferido e ressentimento. Rassi constrói um retrato duro de uma masculinidade arcaica, em que a mulher surge como propriedade e a honra masculina se impõe como valor absoluto, ainda que isso leve à autodestruição. O resultado é um faroeste existencial à brasileira, em que o conflito não está apenas nos gestos, mas no silêncio e na paisagem que os envolve. Mesmo sem grandes reviravoltas narrativas, "Oeste Outra Vez" se sustenta pelo clima, pela força simbólica de seus personagens e pela maneira como transforma o sertão em espaço de confronto emocional. É um filme que exige paciência, mas entrega uma experiência consistente e visualmente poderosa, uma obra sólida que, com certeza, merece ser vista.