14.12.25

"Balada de Um Jogador" - Edward Berger (Alemanha/Reino Unido, 2025)

Sinopse:
 
Lorde Doyle (Colin Farrell) é um apostador compulsivo que vive em Macau e que precisa pagar uma dívida de milhares de dólares em apenas três dias. Para piorar sua situação, ele ainda passa a ser perseguido por uma investigadora (Tilda Swinton), que está atrás dele por uma fraude cometida no passado.
Comentário: Edward Berger (1970) é um diretor e roteirista suíço-alemão. Ele dirigiu em torno de 27 filmes, dentre eles “Jack” (2014) e a minissérie “Deutschland 83” (2015). Assisti dele os ótimos "Nada de Novo no Front" (2022) - que lhe rendeu o Oscar de Melhor Filme Internacional – e "Conclave" (2024) - que concorreu a oito Oscars, incluindo Melhor Filme e Melhor Ator, ganhando como Roteiro Adaptado. Desta vez vou conferir "Balada de Um Jogador" (2024).
Rodrigo Fonseca do site C7nema nos conta que "Poucos arquétipos geram tanta aversão nos festivais de cinema como o do 'herói'. Quando se trata do chamado 'herói do rendimento' - conceito nascido na literatura do século XIX e reatualizado em dramas políticos, como os de Ken Loach, centrados nas lutas de classes - ainda há alguma condescendência, justificada pelo valor ético e pela força política de obras de autores como os irmãos Taviani, Elio Petri ou Stéphane Brizé. Já o herói que se sacrifica por altruísmo e se torna modelo de conduta… esse, sim, é visto com desdém. Tolera-se, quando muito, o 'anti-herói': figura que percorre o seu caminho tortuoso, com ocasionais gestos de empatia.
É entre estes dois formatos dramatúrgicos que se inscreve a obra (...) de Edward Berger, cineasta suíço de origem germânica, que não hesita em recorrer a recursos tecnológicos habitualmente afastados de quem procura afirmar-se como autor. Berger consegue agradar à indústria - incluindo em termos de bilheteira - sem abdicar de uma dimensão profundamente humana, entre a dor e o júbilo, que marca as suas histórias. 'Balada de Um Jogador' (2025) talvez seja o filme mais 'de festival' da sua carreira, com Colin Farrell num registo heroico que remete para David Niven.
Com 'Nada de Novo no Front' (2022), realizado para a Netflix, conquistou o primeiro Oscar para a plataforma. No currículo já contava com o agridoce 'Jack' (2014), candidato ao Urso de Ouro em 2014, e alguma experiência em televisão. Mostrou ter mão segura na adaptação literária ao trazer para os anos 2020 a prosa de Erich Maria Remarque (1898-1970) sobre a Primeira Guerra Mundial, atualizando não apenas a linguagem cinematográfica da reconstituição histórica, mas também o ethos de uma Alemanha em crise. Mais tarde, com 'Conclave', inspirado no best-seller de Robert Harris, transformou uma produção de 20 milhões de dólares num sucesso seis vezes maior, apoiado num elenco em estado de graça.
Agora, em competição pela Concha de Ouro em San Sebastián, Berger regressa ao território da adaptação literária, desta vez a partir de um romance de Lawrence Osborne, para compor um verdadeiro caleidoscópio cinematográfico.
Há neste thriller bem-humorado (...) algo que falta a boa parte dos concorrentes de Donostia 2025 – e quiçá de sempre – apesar das várias narrativas de vulto da sua 73.ª edição: um personagem maior do que a trama que a sustenta. Lord Doyle é um daqueles tipos que voltam conosco para casa, no carro, quando a sua aventura audiovisual se encerra. Colin Farrell (numa fase profissional luminosa, a destacar as séries 'Pinguim', da HBO Max, e 'Sugar', da Apple) tem grande responsabilidade na química que este malandro de araque transporta. Só que é Berger quem faz o mundo ao redor da figura tão interessante ao ponto de justificar a univocidade do seu desarranjo.
Como o realizador parece ser fã da Nova Hollywood, com muito de 'Todos os Homens do Presidente' (1976) em 'Conclave', o thriller desse mesmo ano supracitado, 'A Morte de Um Bookmaker Chinês' (1976), de John Cassavetes (1929-1989), surge como a primeira referência cinéfila diante do fluxo cálido de 'Balada de um Jogador'. Esse é o título em português da fita, atribuído pela Netflix. Tal como nesse filme de culto com Ben Gazzara (1930-2012), sobre o apostador Cosmo Vittelli, a narrativa em que Lord Doyle se afoga é definida pelo carteado, pelos hormônios que a compulsão do jogo desperta. A ludopatia é a sua desgraça, mas o filme não chora essa mágoa. Endividado até a espinha, este aristocrata de fachada está no fim, mas deseja sair de cena de cabeça erguida.
Com credores no seu encalço, Lord Doyle esconde-se em Macau, passando os dias e as noites nos casinos, bebendo vodka e jogando os trocos que lhe restam. Uma ajuda da misteriosa Dao Ming (Fala Chen), funcionária da casa de jogo que mais frequenta, há de reacender instintos que ele já não ativava. No entanto, cada passo seu é seguido por Cynthia Blithe, uma investigadora privada (interpretada por uma Tilda Swinton comedida, mais afetuosa), pronta a exigir-lhe os valores em dívida.
Embora os caminhos pareçam fechados, numa ciranda de perigos que a direção de fotografia (...) de James Friend faz parecer das mais dionisíacas, Doyle não desiste do verbo 'tentar'. Carrega um sentimento crepuscular no coração, também por sentir que, no território chinês de influência lusa que tanto adora, é já uma relíquia de um passado de glórias condenado à extinção. Com as suas luvas extravagantes e os ternos alinhados, surge desterritorializado no Tempo de um mundo moralista.
Ir contra a moral capitalista, recorrendo à sua habilidade para domar a sorte, faz dele um vingador sem causa… um vagabundo na alta roda… como Niven fazia. Colin herdou essa tradição e leva-a adiante com brio".
O que disse a crítica 1: Ritter Fan do site Plano Crítico avaliou com 2 estrelas, ou seja, ruim. Disse: "Edward Berger (...) apostou suas fichas erroneamente, o que acontece nas melhores famílias. Afinal, são raros – muito raros – os diretores que acertam sempre e todo mundo tem o direito de dar uma derrapada feia uma ou duas vezes na carreira. É só uma pena que 'Balada de um Jogador' venha tão cedo na carreira do cineasta, quando ele vinha ganhando tração, já que ele talvez merecesse mais alguns grandes acertos antes de tropeçar e cair escadaria abaixo. Fica a torcida para que ele não fique sem cacife para novos projetos e que quebre a banca mais uma vez em futuro próximo".
O que disse a crítica 2: Diego Almeida do Observatório do Cinema avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: "'Balada de Um Jogador' é um filme sofisticado, atmosférico e emocionalmente devastador. Edward Berger entrega uma obra que equilibra estilo e substância, conduzida por uma das melhores atuações recentes de Colin Farrell. Visualmente deslumbrante e existencial em essência, o longa é uma meditação sobre sorte, culpa e destino - e sobre como, às vezes, o maior risco não está nas cartas, mas dentro de nós mesmos".
O que eu achei: Depois de dois acertos consecutivos - "Nada de Novo no Front" (2022) e "Conclave" (2024) - Edward Berger entrega com “Balada de Um Jogador” (2025) um filme que deixa um pouco a desejar. Não chega a ser um grande tropeço, mas é claramente um trabalho menor quando comparado aos anteriores. A ambição aqui é mais contida, e isso se reflete tanto na escala da narrativa quanto no impacto final: é um longa correto, envolvente em alguns momentos, mas que dificilmente ficará entre os mais memoráveis da filmografia do diretor. Adaptado de um romance de Lawrence Osborne, o filme acompanha Lord Doyle, um golpista viciado em jogos de azar que precisa quitar uma dívida alta em apenas três dias. Para isso, ele precisa exatamente daquilo que o destrói: dinheiro para continuar jogando, mesmo que isso signifique se arriscar ainda mais. Quem leu o livro afirma que o problema é que o roteiro não desenvolve com a mesma profundidade literária os conflitos internos do personagem, resultando numa adaptação funcional, porém aquém do potencial do material original. O grande trunfo do filme é Colin Farrell, excelente como sempre, carregando a narrativa praticamente sozinho. Sua atuação sustenta o interesse mesmo quando o roteiro vacila. Ao seu redor orbitam basicamente dois outros personagens: Tilda Swinton, no papel de uma cobradora de dívidas que o persegue implacavelmente, e Fala Chen, atriz sino-americana que se identifica com Doyle e decide ajudá-lo. O cenário de Macau, região administrativa especial da China conhecida por sua mistura singular de culturas chinesa e portuguesa, contribui para a atmosfera peculiar do filme, que resulta num curioso mix de filme de cassino, jornada pessoal e esoterismo. No fim das contas, “Balada de Um Jogador” é um bom filme, mas não mais do que isso. Funciona, entretém e tem momentos inspirados, especialmente graças ao seu protagonista, mas não alcança o nível dos dois trabalhos anteriores de Berger. Vale a sessão, desde que se ajustem as expectativas.