
Comentário: Agnieszka Holland (1948) é uma cineasta polonesa, muito conhecida pelos filmes "Filhos da Guerra" (1990), "Na Escuridão" (2011) - indicado a Melhor Filme Estrangeiro no Oscar – e "Spoor" (2017) no qual ela e Kasia Adamik ganharam o Urso de Prata no Festival Internacional de Cinema de Berlim. Assisti dela apenas "O Jardim Secreto" (1993). Desta vez vou conferir "Zona de Exclusão" (2023).
Luísa Pécora do site Mulher no Cinema nos conta que "Dois acontecimentos movimentaram a carreira internacional de 'Zona de Exclusão', filme de Agnieszka Holland (...). Primeiro, a conquista do Prêmio Especial do Júri na edição mais recente do Festival de Veneza; depois, a feroz campanha contra o longa que foi promovida por líderes de extrema direita da Polônia, país natal da diretora (...).
O prêmio e os ataques refletem a relevância política do filme, que aborda a crise humanitária na fronteira entre Polônia e Bielorrússia. Em 2021, o governo polonês, dominado pelo partido nacionalista Lei e Justiça (PiS), acusou Aleksandr G. Lukashenko, presidente da Bielorrússia desde 1994, de tentar desestabilizar a União Europeia facilitando a imigração ilegal. O país oferecia uma rota aérea para refugiados vindos sobretudo da África e do Oriente Médio, que a partir de Minsk tentavam chegar por terra às nações que integram o bloco europeu.
Luísa Pécora do site Mulher no Cinema nos conta que "Dois acontecimentos movimentaram a carreira internacional de 'Zona de Exclusão', filme de Agnieszka Holland (...). Primeiro, a conquista do Prêmio Especial do Júri na edição mais recente do Festival de Veneza; depois, a feroz campanha contra o longa que foi promovida por líderes de extrema direita da Polônia, país natal da diretora (...).
O prêmio e os ataques refletem a relevância política do filme, que aborda a crise humanitária na fronteira entre Polônia e Bielorrússia. Em 2021, o governo polonês, dominado pelo partido nacionalista Lei e Justiça (PiS), acusou Aleksandr G. Lukashenko, presidente da Bielorrússia desde 1994, de tentar desestabilizar a União Europeia facilitando a imigração ilegal. O país oferecia uma rota aérea para refugiados vindos sobretudo da África e do Oriente Médio, que a partir de Minsk tentavam chegar por terra às nações que integram o bloco europeu.
A Polônia então instalou uma longa cerca de arame farpado, reforçou a guarda na fronteira e decretou uma zona de exclusão na qual estava proibida a entrada de qualquer pessoa, incluindo jornalistas e ativistas de organizações humanitárias. Neste local, guardas forçavam os imigrantes a voltar para a Bielorrússia, que, por sua vez, usava seu próprio exército para forçá-los de volta ao território polonês. A prática, que em inglês é chamada de pushback, deixou milhares de pessoas (incluindo mulheres e crianças) presas em um vai e vem violento e ilegal. A Polônia encerrou a zona de exclusão em 2022, quando finalizou a construção de um muro de aço, mas grupos como a Human Rights Watch alegam que os pushbacks continuam acontecendo.
É neste contexto que se desenvolve a trama de 'Zona de Exclusão', escrita por Holland em parceria com Gabriela Lazarkiewicz e Maciej Pisuk. As primeiras imagens do filme – uma tomada área da floresta localizada entre Polônia e Bielorrússia – são as únicas que têm cor. Os tons de verde gradualmente dão lugar à fotografia em preto e branco que, segundo declaração da diretora ao site Vulture, busca conectar 'Zona de Exclusão' 'ao passado, à Segunda Guerra Mundial e ao cinema documental', na primeira sugestão de que, para Holland, a crise migratória europeia não ecoa apenas questões do presente.
Da floresta somos transportados para dentro de um avião prestes a pousar na Bielorrússia. Ali, a professora afegã Leila (Behi Djanati Atai) conhece um senhor sírio (Al Rasho Mohamad) que viaja com o filho Bashir (Jalal Altawil), a nora Amina, (Dalia Naous) e os três netos, um deles ainda bebê. Leila foge do Talibã e planeja pedir asilo na Polônia, enquanto a família síria foge do Estado Islâmico e tem a Suécia como destino final. Juntos, eles desembarcam em Minsk e seguem de carro em direção a um futuro melhor.
Bastam dez minutos de filme para que as promessas de liberdade e segurança comecem a desmoronar. Primeiro, os refugiados são abandonados perto do território polonês e cruzam a fronteira a pé. Depois, enfrentam frio, chuva, falta de água e de comida, até finalmente serem capturados pelos guardas da Polônia e forçados a passar por debaixo do arame farpado que os leva de volta à Bielorrússia.
Holland encena diversos pushbacks, numa repetição que ajuda a transmitir o desespero e a exaustão dos refugiados (fictícios e reais) diante de uma situação sem saída. Mas a diretora também insere novos personagens, como Jan (Tomasz Wlosok), um guarda atormentado pelos atos brutais dos quais participa, e Julia (Maja Ostaszewska), uma terapeuta que, após testemunhar uma situação trágica, torna-se ativista de uma organização humanitária que oferece comida, atendimento médico e orientação legal aos refugiados. (...)
Por trás dos múltiplos núcleos e personagens está uma clara preocupação da diretora em evitar generalizações. Entre os ativistas, há os que atuam dentro das regras impostas pelo governo e os que querem ajudar os refugiados a qualquer preço. Entre os guardas, há os que sentem prazer e os que sentem culpa ao cumprir as ordens que lhe foram dadas. E mesmo a passividade diante dos abusos do Estado contra os imigrantes não é retratada como exclusiva de um único campo político.
Holland também mostra como a resposta polonesa (e europeia) à crise migratória está ligada a questões de raça, classe e origem. O epílogo de 'Zona de Exclusão' lembra que, menos de um ano depois, o mesmo governo nacionalista abriu as portas da Polônia a milhões de refugiados ucranianos, tratados de forma radicalmente diferente. As imagens da chegada desses imigrantes contrastam com as que o filme mostrara anteriormente – da mulher negra e grávida que os guardas atiram por cima do arame farpado ao homem que diz, num vídeo gravado por ativistas: 'Meu único crime é ter o pior passaporte do mundo'.
'Zona de Exclusão' estreou na Polônia apenas algumas semanas antes das eleições legislativas de outubro, nas quais o Lei e Justiça foi derrotado. O partido, que ainda ocupa a presidência, atacou o longa antes mesmo da primeira exibição em Veneza, quando o ministro da justiça, Zbigniew Ziobro, comparou a obra que não assistira a filmes de propaganda da Alemanha nazista que 'mostravam os poloneses como bandidos e assassinos'.
Holland – que é neta de vítimas de Holocausto e filha de uma participante da Revolta de Varsóvia – tomou medidas legais contra o ministro, passou a andar com seguranças e não baixou o tom das críticas. A coragem e a energia da cineasta de 75 anos manifestam-se com grande força em 'Zona de Exclusão', um filme que, como outros de sua longa carreira, é irregular e imperfeito, mas também instigante".
O que disse a crítica: João Lanari Bo avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: "São inúmeras histórias que 'Zona de Exclusão' interliga, dentro e ao redor da região fronteiriça entre os dois países. A família síria fugindo de Assad e do ISIS, a mulher afegã dos Talibãs, africanos em busca de trabalho na opulenta União Europeia: do lado polonês, o guarda polaco que luta contra sua consciência, voluntários idealistas preocupados em aliviar dores e frustações dos viajantes, e a psicóloga que vive perto da zona de exclusão e se choca com o que vê – ela é a representante per se do imperativo categórico kantiano. As línguas faladas nessa Babel moderna se sobrepõem à medida que os vários personagens se juntam".
Pedro Bradshaw do site The Guardian também avaliou com 4 estrelas. Escreveu: "O resultado é um filme sombrio, mas envolvente, que parece reunir dois gêneros distintos: um filme sobre a frente oriental na Segunda Guerra Mundial, ou a Primeira Guerra Mundial, ou talvez um filme futurista totalmente diferente: um drama pós-apocalíptico em que a floresta é o palco de uma luta frenética pela sobrevivência vivida por pessoas cuja humanidade foi quase totalmente arrancada delas, como se por uma explosão nuclear ou ataque de guerra biológica. (...) Mas também um testemunho cinematográfico vital para o que está acontecendo na Europa neste momento".
O que eu achei: Que filme excelente esse da polonesa septuagenária Agnieszka Holland! O título original do filme - "Zielona Granica" que em inglês traduziram como "Green Border" - refere-se à fronteira verde, localizada entre a Bielorrússia e a Polônia, onde há um mar de árvores pertencente à Floresta Białowieża, uma das últimas florestas primárias da Europa composta por mata densa e inóspita, local que se tornou palco de uma caça aos imigrantes orquestrada pelo governo da Varsóvia. Em português optaram pela título "Zona de Exclusão" que diz respeito a qualquer área geográfica (podendo ser terra, mar ou céu) onde o acesso e a circulação são restritos ou proibidos por lei. No caso do filme refere-se a uma área no entorno da fronteira Bielorrússia-Polônia onde fica proibido circular, seja você morador, ativista, turista, esteja a pé ou de carro, cuja finalidade é controlar a entrada e saída de bens e pessoas. O filme todo se passa nessa região, mostrando os chamados 'pushbacks', um jogo de empurra-empurra adotado pelos respectivos países, fazendo com que os imigrantes sírios, marroquinos, afegãos e africanos fiquem ali encalacrados. O longa se passa em 2021, começa a cores com uma vista aérea da floresta e imediatamente se transforma em preto e branco, mostrando o drama daqueles que fogem da Guerra da Síria ou do Talibã em busca de uma vida melhor na Europa. Eles desembarcam em Minsk (Bielorrússia), atravessam a fronteira, entram na Polônia pela floresta e são levados de volta pelos guardas poloneses para a Bielorrússia, que por sua vez os joga de volta para a Polônia numa espiral sem fim. Desumanização aqui é a palavra de ordem já que os guardas fronteiriços de ambos os lados humilham e expelem os transeuntes, sem dó nem piedade. O que parecia uma passagem segura através da Bielorrússia para imigrantes desejosos de aportar no “paraíso europeu", era na verdade um pesadelo. O próprio Aleksandr Lukashenko, líder ditatorial da Bielorrússia, ofereceu essa saída (portanto não se tratam de imigrantes ilegais), mas 'esqueceu' de combinar com o vizinho. O longa é dividido em atos: o primeiro é uma introdução dos personagens principais, o segundo foca em personagens ligados à guarda da fronteira, o terceiro mostra o trabalho dos ativistas, o quarto foca numa terapeuta polonesa que resolve ajudar os imigrantes e o epílogo se desloca para a fronteira Polônia-Ucrânia no ano de 2022 mostrando o mesmo governo nacionalista abrindo as portas da Polônia a milhões de refugiados ucranianos, tratados de forma radicalmente diferente, destacando como a resposta polonesa (e europeia) está ligada a questões de raça, classe e origem. "Zona de Exclusão" é um filme difícil de assistir: um soco no estômago. Mas também um testemunho cinematográfico essencial, uma aula de história para se entender o mundo hoje. Excelente, imperdível, super recomendo.
Por trás dos múltiplos núcleos e personagens está uma clara preocupação da diretora em evitar generalizações. Entre os ativistas, há os que atuam dentro das regras impostas pelo governo e os que querem ajudar os refugiados a qualquer preço. Entre os guardas, há os que sentem prazer e os que sentem culpa ao cumprir as ordens que lhe foram dadas. E mesmo a passividade diante dos abusos do Estado contra os imigrantes não é retratada como exclusiva de um único campo político.
Holland também mostra como a resposta polonesa (e europeia) à crise migratória está ligada a questões de raça, classe e origem. O epílogo de 'Zona de Exclusão' lembra que, menos de um ano depois, o mesmo governo nacionalista abriu as portas da Polônia a milhões de refugiados ucranianos, tratados de forma radicalmente diferente. As imagens da chegada desses imigrantes contrastam com as que o filme mostrara anteriormente – da mulher negra e grávida que os guardas atiram por cima do arame farpado ao homem que diz, num vídeo gravado por ativistas: 'Meu único crime é ter o pior passaporte do mundo'.
'Zona de Exclusão' estreou na Polônia apenas algumas semanas antes das eleições legislativas de outubro, nas quais o Lei e Justiça foi derrotado. O partido, que ainda ocupa a presidência, atacou o longa antes mesmo da primeira exibição em Veneza, quando o ministro da justiça, Zbigniew Ziobro, comparou a obra que não assistira a filmes de propaganda da Alemanha nazista que 'mostravam os poloneses como bandidos e assassinos'.
Holland – que é neta de vítimas de Holocausto e filha de uma participante da Revolta de Varsóvia – tomou medidas legais contra o ministro, passou a andar com seguranças e não baixou o tom das críticas. A coragem e a energia da cineasta de 75 anos manifestam-se com grande força em 'Zona de Exclusão', um filme que, como outros de sua longa carreira, é irregular e imperfeito, mas também instigante".
O que disse a crítica: João Lanari Bo avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: "São inúmeras histórias que 'Zona de Exclusão' interliga, dentro e ao redor da região fronteiriça entre os dois países. A família síria fugindo de Assad e do ISIS, a mulher afegã dos Talibãs, africanos em busca de trabalho na opulenta União Europeia: do lado polonês, o guarda polaco que luta contra sua consciência, voluntários idealistas preocupados em aliviar dores e frustações dos viajantes, e a psicóloga que vive perto da zona de exclusão e se choca com o que vê – ela é a representante per se do imperativo categórico kantiano. As línguas faladas nessa Babel moderna se sobrepõem à medida que os vários personagens se juntam".
Pedro Bradshaw do site The Guardian também avaliou com 4 estrelas. Escreveu: "O resultado é um filme sombrio, mas envolvente, que parece reunir dois gêneros distintos: um filme sobre a frente oriental na Segunda Guerra Mundial, ou a Primeira Guerra Mundial, ou talvez um filme futurista totalmente diferente: um drama pós-apocalíptico em que a floresta é o palco de uma luta frenética pela sobrevivência vivida por pessoas cuja humanidade foi quase totalmente arrancada delas, como se por uma explosão nuclear ou ataque de guerra biológica. (...) Mas também um testemunho cinematográfico vital para o que está acontecendo na Europa neste momento".
O que eu achei: Que filme excelente esse da polonesa septuagenária Agnieszka Holland! O título original do filme - "Zielona Granica" que em inglês traduziram como "Green Border" - refere-se à fronteira verde, localizada entre a Bielorrússia e a Polônia, onde há um mar de árvores pertencente à Floresta Białowieża, uma das últimas florestas primárias da Europa composta por mata densa e inóspita, local que se tornou palco de uma caça aos imigrantes orquestrada pelo governo da Varsóvia. Em português optaram pela título "Zona de Exclusão" que diz respeito a qualquer área geográfica (podendo ser terra, mar ou céu) onde o acesso e a circulação são restritos ou proibidos por lei. No caso do filme refere-se a uma área no entorno da fronteira Bielorrússia-Polônia onde fica proibido circular, seja você morador, ativista, turista, esteja a pé ou de carro, cuja finalidade é controlar a entrada e saída de bens e pessoas. O filme todo se passa nessa região, mostrando os chamados 'pushbacks', um jogo de empurra-empurra adotado pelos respectivos países, fazendo com que os imigrantes sírios, marroquinos, afegãos e africanos fiquem ali encalacrados. O longa se passa em 2021, começa a cores com uma vista aérea da floresta e imediatamente se transforma em preto e branco, mostrando o drama daqueles que fogem da Guerra da Síria ou do Talibã em busca de uma vida melhor na Europa. Eles desembarcam em Minsk (Bielorrússia), atravessam a fronteira, entram na Polônia pela floresta e são levados de volta pelos guardas poloneses para a Bielorrússia, que por sua vez os joga de volta para a Polônia numa espiral sem fim. Desumanização aqui é a palavra de ordem já que os guardas fronteiriços de ambos os lados humilham e expelem os transeuntes, sem dó nem piedade. O que parecia uma passagem segura através da Bielorrússia para imigrantes desejosos de aportar no “paraíso europeu", era na verdade um pesadelo. O próprio Aleksandr Lukashenko, líder ditatorial da Bielorrússia, ofereceu essa saída (portanto não se tratam de imigrantes ilegais), mas 'esqueceu' de combinar com o vizinho. O longa é dividido em atos: o primeiro é uma introdução dos personagens principais, o segundo foca em personagens ligados à guarda da fronteira, o terceiro mostra o trabalho dos ativistas, o quarto foca numa terapeuta polonesa que resolve ajudar os imigrantes e o epílogo se desloca para a fronteira Polônia-Ucrânia no ano de 2022 mostrando o mesmo governo nacionalista abrindo as portas da Polônia a milhões de refugiados ucranianos, tratados de forma radicalmente diferente, destacando como a resposta polonesa (e europeia) está ligada a questões de raça, classe e origem. "Zona de Exclusão" é um filme difícil de assistir: um soco no estômago. Mas também um testemunho cinematográfico essencial, uma aula de história para se entender o mundo hoje. Excelente, imperdível, super recomendo.